O Zé Mário Branco morreu. Morreu um dos meus ídolos.
Foi ontem, ainda custa a crer, embora as rádios estejam a transbordar da sua música, as redes sociais de fotografias, biografias, recordações, testemunhos… mas ainda custa a crer.
O Zé Mário é um dos meus ídolos. Tenho múltiplas recordações, da infância, meio enovoadas, que lembram o exílio em Paris das minhas irmãs, da minha adolescência e juventude e estas são, sem dúvida, as mais fortes até ao nosso último encontro no ano passado.
Cresci como pessoa, como mulher, com os ideais que ainda hoje mantenho e defendo, a ouvir José Mário Branco, a sentir as suas canções, a ler os seus poemas, a interpretar o alcance de cada frase, a emocionar-me com a sua voz.
Pergunto a mim mesma que canção escolho para um dia como este? Não sei, cada uma é cada uma, lembro-me de onde as ouvi pela primeira vez, como as replicávamos nos encontros de amigos e nas manifestações políticas, a emoção de salas ou praças cheias de gente a cantar, a cantar. O 25 de Abril de 74 e os anos que se seguiram foram tão cheios de música e poesia.
O Zé Mário não é só um músico, eu vejo-o como um construtor de canções, um “influenciador” dando sempre de si a outros artistas que por sua vez nos deram a nós grandes momentos de Cultura.
Um homem de convicções que não escondeu as desilusões, soube assumi-las e cantou-as. A última vez que o vi e ouvi, foi em Agosto de 2018, no Fórum Socialismo promovido pelo Bloco de Esquerda. O tema da conversa: “No canto não há neutralidade”. E a sua obra é a prova cabal disso mesmo.
A sua obra é tão variada, tão diversificada que o seu contributo para o país, para a democracia, para a música, para a cultura é algo que transcende o imediato e tenho a certeza será sempre lembrado. A obra define o artista, obviamente. Mas a sua “marca” é mais do que isso. Aquilo que fizemos quando ouvimos aquela canção, o que lemos para entender melhor e saber mais, a forma como usámos as frases da canção para expressar sentimentos, exigir mudanças, convocar vontades – tudo isto define um artista. E quando isso acontece com muita gente e ao mesmo tempo um artista é também parte da transformação que motivou acontecer.
É isso Zé Mário, deixas marca.
Ainda estou às voltas com a pergunta “que canção escolher?” Não sei…. Talvez… “inquietação é só inquietação, há sempre qualquer coisa que eu tenho que fazer, qualquer coisa que eu devia resolver. Porquê, não sei. Mas sei que essa coisa é que é linda”*. Que nunca nos falte a inquietação, obrigada Zé Mário.
Artigo publicado em mediatejo.pt a 20 de novembro de 2019
* Inquietacão, letra e música de José Mário Branco