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O que é o municipalismo de esquerda? I/II

Em 2007, pela primeira vez na história da humanidade, mais de metade da população mundial passou a viver nas cidades. É certo que o impressionante crescimento demográfico das cidades já vinha do séc. XIX , o seu motor foi a industrialização, que mudou o modo de vida das populações e a ocupação e utilização do território. Como explicar a imparável deslocação da população para os espaços urbanos? As aglomerações urbanas asseguram melhores condições de vida e induzem uma inter-relação pessoal mais intensa, criam uma maior interação das ideias e da informação, a cidade é um espaço produtor de cidadania.
Mas as cidades, além de espaços de criatividade, aprendizagem e inovação, têm na segregação espacial urbana, projecção no território da especulação fundiária e exclusão social, uma marca importante. E são também devoradoras de solo agrícola. Ocupam 2% da superfície do planeta mas consomem 75% dos recursos naturais. A urbanização dispersa obriga a gastos crescentes em infraestruturas locais e a maiores deslocações. As cidades são grandes emissoras de CO2, induzindo devastadoras alterações climáticas .
Nos nossos dias mais de 80% da população da Europa vive em cidades, o que coloca responsabilidades acrescidas aos decisores políticos e outros intervenientes no fazer/refazer das cidades. Daí a interrogação: que papel para as mulheres e homens de esquerda eleitos para os órgãos autárquicos dos municípios e freguesias? Que propostas e acções se devem desenvolver para transformar a vida de toda a gente? E quais serão os traços essenciais duma cidade socialista?
Antes de apresentar propostas e acções de um “Municipalismo de Esquerda”, e para melhor entender a dinâmica dos sistemas urbanos (o papel das relações sociais de produção e a influência do meio geográfico no desenvolvimento das sociedades), propomos um olhar muito breve pelos trabalhos de reconstrução capitalista de Paris há 160 anos, sob a acção do barão Haussmann, que destruindo a cidade antiga e modernizando as infraestruturas urbanísticas produziu uma crescente segregação socio-espacial através da especulação dos arrendamentos, empurrou os mais pobres para as periferias da cidade, e criou condições para o desencadear da Comuna em 1871. E também uma brevíssima viagem pela década de 20 do século passado quando, após a revolução russa de 1917, as transformações sociais, o controlo do solo, a eliminação da propriedade imobiliária privada e um outro papel dos planos urbanísticos, criaram condições excepcionais para “reconstruir a forma de viver” num projecto global (Marx e Engels) duma sociedade em ruptura completa com o velho mundo, um sonho não realizado. A construção da cidade socialista (Sosgorod), substituir a economia doméstica individual pela colectiva, responder de forma nova às relações entre cidade e campo (a desurbanização, uma nova distribuição territorial da população), a “cidade verde” de Moscovo, a “casa-comuna” ou o alojamento individual, a cidade linear inspirada em Arturo Soria (zona verde com uso agrícola, zona habitacional com equipamentos culturais e educativos, zona verde com uso agrícola, zona industrial ou de produção, zona de transporte), provocaram vigorosas controvérsias em que estiveram também envolvidos outros conhecidos urbanistas europeus como Le Corbusier ou Ernst May.
Se o combate ao capital fundiário e a transformação social não ocorrem apenas com leis e regulamentos, é decisiva a mobilização/intervenção popular. E para tal, a apresentação de propostas concretas características dum “municipalismo de esquerda” é tão importante.
Que cidade queremos?
Uma cidade que garanta a igualdade e liberdade da mulher, que combata a segregação espacial e a expulsão de moradores, que contenha os perímetros urbanos, que reduza os tempos de deslocação e da poluição, cidades com consumos de água e energia sustentáveis. cidades densas, que tenham em conta as pre-existências em vez de as arrasar.
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