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Nações sem Estado
O tema trazido a debate não é novo, nem sequer neste fórum, e tem suscitado debates vários, mais ou menos académicos e científicos, mas também políticos. A ideia do debate surge da análise que temos vindo, há muito tempo, a fazer de questões como a questão catalã ou basca, ou escocesa, ou irlandesa, ou palestiniana (entre outras).
Em especial nos tempos políticos que correm, é importante discutirmos o conceito de nação, de nacionalismo ou nacionalismos, da sua relação com o Estado, que tipo de disputas políticas tem gerado. Em 2018, neste fórum, tivemos oportunidade de debater a relação da esquerda com a autodeterminação dos povos e com as chamadas “questões nacionais”, utilizando maioritariamente o estudo de caso do estado espanhol.
Não só porque é um caso paradigmático de análise do confronto entre nacionalismos periféricos e nacionalismos centralistas e, por isso, do ponto de vista científico permite (embora não exclusivamente) analisar e avançar em conceitos de nacionalismo, mas também porque permite perceber o confronto político que, não raras vezes, é menos ideológico e mais nacional.
Aqui reside um dos desafios de posicionamento para o campo da esquerda nestes temas. Se recuarmos no tempo, e analisarmos a obra de Marx e Engels (bem como alguma teoria marxista que se lhes seguiu) percebemos que a questão nacional, não sendo a prioridade, tinha relevância apenas em alguns casos e conquanto servisse o interesse da classe trabalhadora. De igual forma, a ideia de proletariado avançada no Manifesto não clarifica se ele tem ligações a uma nação necessariamente e como isso se coaduna com a vertente internacionalista da luta de classes.
Assim, há algumas questões importantes que se tentarão responder através do debate. A primeira é se existe uma dicotomia entre o conceito de “Estado” e o conceito de “Nação”. A resposta é que sim, existe um conflito entre estes conceitos, embora isso não os torne automaticamente excludentes um do outro.
Podemos afirmar que se tratam de realidades distintas, simplificando desta forma: o Estado é uma realidade político-institucional, que se traduz num determinado ordenamento jurídico, sendo assim uma superestrutura jurídico-política. A Nação é uma realidade sociopolítica, onde estão presentes elementos culturais, ideológicos, linguísticos, mas não jurídico-políticos. Deste ponto de vista, podemos ter (e temos) nações sem Estado, Estados plurinacionais (federações, confederações, etc) e Estados uni-nacionais.
Por outro lado, sendo o “território” um elemento fundamental para a criação de um Estado, assim não é necessariamente para uma nação (veja-se exemplos de alguns, poucos, povos nómadas).
Quando o conflito entre Nação e Estado dá origem a nações sem Estado podemos verificar a existências das chamadas “questões nacionais”. Importa não ignorar que para que exista um processo de autodeterminação é necessário que exista uma consciência de identidade na própria consciência social assumida pelas classes dominantes (nacionalismos burgueses) ou pelas classes dominadas (nacionalismos populares).
Ora, as questões nacionais radicam na relação conflituosa entre “Estado” e “Nação”, pois essa vinculação é indissociável desde o momento da formação dos Estado-Nação, uma herança da revolução francesa que, na verdade, vem dificultar o debate da autodeterminação no contexto político atual.
Se hoje temos um “ressurgimento” de questões nacionais em determinados locais é porque elas nunca foram totalmente resolvidas. Por exemplo, no caso do Estado Espanhol, é inegável que a Constituição de 1978 assume, claramente, a existência de “nacionalidades” dentro do Estado; abre, inclusive, a porta para a criação de estatutos de autonomia. No entanto, politicamente, houve desde esse momento, a tentativa de criação de uma identidade nacional espanhola, que relega as “nacionalidades” para segundo ou terceiro plano.
Ao conceder-lhes um certo grau de autonomia administrativa, o estado central pretendeu abafar pretensões políticas que pudessem surgir desses territórios. Mas a relação entre o estado central e as autonomias espanholas foi sendo conflituosa e a própria forma como se foi dando mais autonomia a esta ou aquela região permitiu reforçar identidades nacionais (como a basca ou a catalã).
Em segundo lugar, serão as questões nacionais (entendidas como resultantes de um conflito entre estado e nação) exclusivas de algum espectro político? Não. Mas, não sendo exclusivas, uma análise ao Estado espanhol, por exemplo, permite verificar que há um enorme potencial de aliança entre as questões nacionais e as questões sociais defendidas, por natureza, pela esquerda. No caso escocês, por exemplo, facilmente se percebe como um programa social-democrata como o do Partido Nacionalista Escocês arrecadou votos que, preferencialmente, iam para o Partido Trabalhista.
Aliás, a importância do debate dos nacionalismos atualmente reside, exatamente, na tentativa de resposta a esta segunda questão. Veja-se os ataques frequentes da direita a quem, à esquerda, defende a autodeterminação dos povos. A defesa da autodeterminação dos povos não é inimiga da defesa de um movimento de trabalhadores internacionalista; a autodeterminação dos povos não é contrária à necessidade de reivindicação e lutas contra a austeridade. Pelo contrário, um movimento forte pela autodeterminação aliado a um movimento forte contra as regras austeritárias que promovem pobreza, degradação de condições de vida e degradação de leis laborais, etc, ajudam a colocar em causa um sistema, um regime que oprime trabalhadores e, por vezes ao mesmo tempo, trabalhadores que também lutam pela autodeterminação da sua nação.
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