Ouvi-o, então exilado em França, nos discos que aqui se distribuíam, era a força genial da música popular portuguesa contra a ditadura. Soube dele quando regressou e mergulhou na transformação revolucionária que Portugal viveu, ele na UDP e fundador do Grupo de Acção Cultural. Mais tarde, seguiu o seu caminho, nunca esteve sozinho, o seu "FMI" marcou gerações. Havia exasperação mas não desespero, talvez tenha sido até quando o Zé Mário se afirmou ainda mais radical, naqueles anos tristes da reviravolta, quando nos anos oitenta pouca gente sabia para onde ia e, pior, para onde queria ir.
Foi nesse tempo que nos cruzamos e que nos fizemos amigos, também camaradas de percurso. O Zé Mário apoiou campanhas e atividades do PSR (na foto, quanto ensaivamos: ele tocava músicas da revolução francesa e da Comuna e eu lia os textos das proclamações da época, foi numa praça da Mouraria e numa festa de Santo António que apresentamos a música e os textos), como a Manuela de Freitas. Mais tarde, foi dos signatários do apelo para a constituição do Bloco e membro da sua primeira Mesa Nacional. Achou depois que era ainda menos do que o necessário e continuou como sempre foi. Em agosto de 2018 esteve na universidade de Verão do Bloco a discutir a criação artística e como a arte e revolução são irmãs.
Deixa uma obra extraordinária como poeta e como músico. Um dos seus sonhos, um grande espetáculo como Sérgio Godinho e Fausto Bordalo Dias, que considerava dos maiores, foi cumprido no Campo Pequeno e temos os discos para nos lembrar e nos emocionarmos. Também, nos últimos anos, como orquestrador e diretor musical, com grandes amigos como Camané. A todos impressionou com a sua energia indomável e com a sua fidelidade a uma esquerda de combate. Não houve nem haverá muitos mais como ele e só posso lembrá-lo como um dos homens mais genuínos que tive a sorte de conhecer e de partilhar ideias e projetos.