Crash petrolífero: como é possível haver preços negativos?

Com o confinamento e o encerramento de fábricas, a procura mundial de petróleo caiu a pique e a capacidade de armazenamento está a esgotar-se. Há produtores a pagar fortunas para armazenar o produto em alto mar. A queda do preço coloca em maus lençóis os países dependentes da exportação. Artigo de Atif Kubursi.

13 de maio 2020 - 10:08
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Plataforma petrolífera. Foto de chumlee10/Flickr.

É difícil acreditar que o preço de qualquer mercadoria possa cair em território negativo. Mas foi exatamente isso que aconteceu com os preços do petróleo.

A COVID-19 provocou confinamentos, fechou fábricas e impediu as pessoas de viajar. A economia global está a contrair.

A pandemia também reduziu a procura global de petróleo em cerca de 29 milhões de barris por dia, em comparação com uma procura de cerca de 100 milhões no ano passado. A OPEP e outros produtores concordaram em reduzir a produção em 9,7 milhões de barris por dia, mas esta redução é muito inferior à queda da procura, deixando um enorme excedente de petróleo no mercado sem compradores.

A capacidade de armazenamento em terra foi esgotada rapidamente. Muitos países importadores de petróleo começaram a armazenar grandes quantidades de petróleo, aproveitando os preços baratos que podem não durar.

Alguns produtores de petróleo, na esperança de manter sua posição no mercado, passaram a armazenar o excesso de petróleo no mar, arrendando petroleiros a custos elevados. Estima-se que alguns produtores estejam a pagar mais de 100 mil dólares por dia por cada petroleiro.

Os preços do petróleo voltarão a subir

Como é que os preços do petróleo em Albertai e até os preços futuros do West Texas Intermediate (WTI) escorregaram para território negativo?

Tudo começou com os contratos futuros de petróleo do WTI – petróleo a ser entregue em alguns meses aos preços de hoje. No dia 20 de abril, estes contratos desvalorizaram 6 dólares por barril, recuperando depois 11,66 dólares, tendo no entanto terminado o dia a -37 dólares, enquanto os detentores de contratos futuros tentavam livrar-se dos seus contratos antes que o petróleo fosse realmente entregue sem haver sítio onde armazená-lo.

O petróleo de Alberta, derivado principalmente de areias betuminosas (conhecido como Western Select), é normalmente vendido entre 10 e 15 dólares abaixo do preço do WTI, porque é necessário extraí-lo de terreno rochoso profundo. Esta circunstância dificulta a sua refinação, tal como o facto de precisar ser transportado milhares de quilómetros até às refinarias dos EUA.

E assim os preços do petróleo de Alberta tornaram-se negativos pois o preço de referência era agora mais baixo que os custos de produção, de transporte e de armazenamento.

Não é de esperar que esta situação dure por muito tempo. Os produtores, a curto prazo, podem aceitar preços abaixo do seu custo variável, desde que sejam capazes de pagar alguns dos custos em que incorrem, mesmo que a produção de petróleo esteja parada.

Com o passar do tempo, cada vez mais plataformas deixarão de operar (tecnicamente, algumas serão mantidas operacionais para evitar que se tornem inviáveis) e um novo equilíbrio entre oferta e procura será estabelecido a preços que excedam o custo médio total. Mas esta situação não é um bom presságio para Alberta ou para os Estados Unidos.

Dano colateral

O petróleo de Alberta é agora o dano colateral da guerra do petróleo entre a Rússia e a Arábia Saudita, com a COVID-19 a lançar um ataque adicional. Qualquer um destes dois fatores poderia ter, por si só, perturbado a produção de petróleo de Alberta. Mas as hostilidades entre a Arábia Saudita e a Rússia, juntamente com a pandemia global, provaram ser catastróficas para o Canadá, podendo ter um resultado semelhante para o setor de energia dos EUA.

A Rússia e a Arábia Saudita dependem muito das receitas do petróleo para sustentarem as suas economias. A economia da Arábia Saudita é claramente menos diversificada que a da Rússia, mas ambas partilham uma distorção semelhante, na qual as receitas do petróleo representam uma parcela muito alta dos seus PIB (Arábia Saudita, cerca de 50 por cento, Rússia, 38,9), orçamentos (Arábia Saudita, 87 por cento e Rússia, 68) e exportações (Arábia Saudita, 90 por cento e Rússia, 59). É difícil acreditar que qualquer um destes países possa aguentar-se com preços de petróleo tão baixos.

A Rússia precisa de um preço de 60 dólares por barril para equilibrar o seu orçamento de Estado e de um preço ainda mais alto para equilibrar sua conta corrente, ou seja, exportações de bens e serviços menos importações de bens e serviços, mais transferências líquidas de capital a curto prazo.

Os Sauditas também precisam de um preço de petróleo muito mais alto

A Arábia Saudita, que continua a ser o país produtor de petróleo com menores custos do mundo, pode ganhar dinheiro quando o preço por barril excede 20 dólares, e a Rússia pode fazer o mesmo, ao preço de 40 dólares por barril.

Mas obter lucro quando os preços são mais altos que os custos não é suficiente. A Arábia Saudita precisa de um preço de 80 dólares por barril para equilibrar o seu orçamento, e também para implementar os seus planos de diversificação e sustentar uma economia fortemente subsidiada. O que está atualmente em jogo é a estabilidade dos sistemas e regimes políticos da Rússia e da Arábia Saudita.

Quanto mais dura a pandemia da COVID-19, maiores serão os danos para os produtores de petróleo. É difícil prever como serão os preços do petróleo quando a pandemia abrandar. Provavelmente aumentarão à medida que os produtores secundários forem eliminados, mas não por muito tempo. O uso de petróleo e de outros combustíveis fósseis é cada vez menos condizente com a prevenção dos desastres esperados das alterações climáticas. O petróleo está a tornar-se cada vez mais num ativo desvalorizado.

Atif Kubursi é professor emérito na Universidade McMaster.

Artigo publicado no The Conversation.

Tradução de João Garcia Rodrigues para o Esquerda.net.

Notas

i Nota do Tradutor.: Alberta é uma das dez províncias do Canadá

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