Está aqui

Com o pretexto de “salvar a economia”, estado indiano suspende leis laborais até 2023

Entre as medidas do governo de Madhya Pradesh, o quinto estado mais populoso da Índia, está o aumento da jornada laboral para até 72 horas semanais. Artigo de Praveen S. para o Brasil de Fato

O governo do quinto estado mais populoso da Índia, Madhya Pradesh, anunciou a flexibilização da legislação laboral até ao início de 2023. As justificações dadas pelo governo local são a necessidade de estimular novos negócios e a exigência de “salvar a economia” perante os impactos da pandemia do novo coronavírus.

A Índia completa, neste momento, 45 dias de lockdown (bloqueio de atividades económicas para conter a disseminação do vírus), e soma mais de 2.200 mortes por covid-19. As medidas de isolamento social serão mantidas por mais uma semana.

O ministro-chefe de Madhya Pradesh, cargo equivalente a governador no Brasil, é Shivraj Singh Chouhan e pertence ao BJP, o mesmo partido do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi. O estado tem 72,6 milhões de habitantes e fica na região central do país.

Um dia antes do anúncio da reforma laboral em Madhya Pradesh, outro estado indiano comandado pelo BJP, Uttar Pradesh, também suspendeu os direitos laborais por três anos. As alterações, no entanto, eram menos abrangentes que as anunciadas por Chouhan.

O que muda

Durante os próximos mil dias, as novas indústrias não precisarão de se adequar à Lei de Disputas Industriais, que rege a atuação de fábricas em Madhya Pradesh e delimita regras para contratação e despedimento de trabalhadores, por exemplo.

Todos os procedimentos burocráticos para abertura de empresas no estado poderão ser efetuados em apenas um dia. A renovação de licenças para operação será feita online, de dez em dez anos, deixando de ser realizada anualmente e de forma presencial.

As inspeções laborais, que garantiam o cumprimento de normas sanitárias e de segurança, poderão ser feitas por funcionários subcontratados, contratados pelas próprias empresas.

Todos os estabelecimentos comerciais serão autorizados a permanecer abertos das seis da manhã à meia-noite, com turnos de trabalho de 12 horas, e não oito. Nas indústrias, a jornada semanal máxima dos operários foi prolongada para 72 horas.

As novas fábricas instaladas no estado não serão obrigadas a pagar 80 rúpias – o equivalente a cerca de 1 euro – por trabalhador, para o Fundo do Conselho de Bem-Estar do Trabalho estadual, conforme previsto em lei.

Críticas

O estado de Mahdya Pradesh é conhecido internacionalmente pelo crime industrial de Bhopal, ocorrido em Dezembro de 1984. Na ocasião, uma fuga de gás isocianato de metilo, da fábrica de agrotóxicos norte-americana Union Carbide, matou mais de duas mil pessoas e contaminou quase 600 mil nos anos posteriores, por falta de fiscalização e protocolos de segurança.

As flexibilizações no sistema de inspeção ocorrem dias após de outra fuga de gás tóxico, desta vez na fábrica da sul-coreana LG Polímeros, matar 12 pessoas no estado de Andhra Pradesh, Sul da Índia.

As dez maiores centrais sindicais indianas informaram nesta segunda-feira que convocarão uma greve geral se Madhya Pradesh e Uttar Pradesh não recuarem imediatamente nas reformas. Estas organizações argumentam que, com um desemprego superior a 27%, os trabalhadores tendem a submeter-se a qualquer condição em troca de um salário.

Surajit Mazumdar, professor de economia da Universidade Jawaharlal Nehru (JNU), na capital Nova Delhi, afirma que o efeito imediato das medidas em Madhya Pradesh será o aumento da lucro do setor industrial, assim como a ampliação das desigualdades.

“De nada adianta estimular a abertura de novos negócios se não há procura por produtos porque as pessoas perderam o poder de compra”, explica. “A única maneira de aumentar o emprego e recuperar a economia é aumentar a despesa”, conclui, em entrevista ao portal indiano Newsclick.

O primeiro-ministro Modi está a ser pressionado pela oposição para aumentar o salário mínimo, aumentando o poder de compra da população, em consonância com o que propõe o professor da JNU.

Uttar Pradesh, o primeiro estado indiano a mudar as regras laborais em plena pandemia, excluiu as mulheres e crianças da reforma e não alterou os mecanismos de inspeção dos locais de trabalho.

O estado, que tem uma população equivalente ao Brasil, flexibilizou as jornadas de trabalho, as condições para pagamento de horas-extra e outros benefícios.

Assim como em Madhya Pradesh, o governo de Uttar Pradesh utilizou como pretexto a necessidade de reaquecer a economia após a quarentena.

Edição: Leandro Melito

Artigo originalmente publicado em Brasil de Fato

Comentários (1)

Neste dossier:

Dossier 316: Crise global, vai ficar tudo bem?

Crise global, vai ficar tudo bem?

A pandemia trouxe grandes mudanças à situação global política, social, económica, ambiental, cultural. A crise sanitária evolui para uma profunda crise económica, cujos traços importa analisar.

Efeito ressalto.

Economia: ressalto ou afundanço?

A retoma da economia não será miraculosa porque as empresas ficaram endividadas e procurarão cortar emprego e salário, as famílias empobreceram e vão reduzir o consumo. Os governos irão mais tarde ou mais cedo procurar “sanear” as finanças públicas às custas dos de sempre. Por Michel Husson.

Walter Cronkite, Reagan, Bush e vários outros membros da sua administração em 1981. Foto de Diana Walker, disponível no Briscoe Center for American History.

Auto-extinção do neoliberalismo? Não apostem nisso

O resultado final da crise económica será determinado pelas relações entre forças sociais. O mais certo não será o abandono do neoliberalismo, nem tão pouco um estado monstruoso trumpiano, mas em vez disso a tentativa dos governantes neoliberais de transferir o peso da dívida para os trabalhadores. Por Gilbert Achcar.

Obra que Banksy ofereceu ao hospital de Southampton e que será leiloada para angariar fundos para o Serviço Nacional de Saúde britânico.

Governança e conflito social em tempo de pandemia

Ainda é possível que todos fiquemos bem. Mas isso dependerá de nós, da nossa capacidade de impedir que tudo volte a ser como era. Se a tarefa parece ser assustadora, devemo-nos lembrar que não somos totalmente impotentes. Por Cinzia Arruzza e Felice Mometti.

Plataforma petrolífera. Foto de chumlee10/Flickr.

Crash petrolífero: como é possível haver preços negativos?

Com o confinamento e o encerramento de fábricas, a procura mundial de petróleo caiu a pique e a capacidade de armazenamento está a esgotar-se. Há produtores a pagar fortunas para armazenar o produto em alto mar. A queda do preço coloca em maus lençóis os países dependentes da exportação. Artigo de Atif Kubursi.

Com o pretexto de “salvar a economia”, estado indiano suspende leis laborais até 2023

Entre as medidas do governo de Madhya Pradesh, o quinto estado mais populoso da Índia, está o aumento da jornada laboral para até 72 horas semanais. Artigo de Praveen S. para o Brasil de Fato

Monumento a Dom Quixote e Sancho Pança em Tandil. Foto de Alena Grebneva/wikimedia commons.

Covid-19 e a superação imaginária do neoliberalismo

A crise não derrotou magicamente o neoliberalismo nem abre uma avenida para um Green New Deal ou um novo Plano Marshall. É precisa uma “radiografia o mais precisa possível da situação que enfrentamos” e das relações de forças sociais existentes. Por Alejandro Pedregal e Jaime Vindel.

Cidadãos chineses durante o surto da Covid-19. Foto No Borders News.

"Esta crise pode ser a pior desde a transição da China para o capitalismo"

O que falhou e acertou no combate do governo chinês ao novo coronavírus? Que sistema de saúde existe no país e que consequências terá a crise económica? E como tudo isto afetará os movimentos sociais do país? O ativista e editor da revista Made in China, Kevin Lin, dá as respostas nesta entrevista.

Cédric Durand num debate em 2015.Foto de Attac Essone.

"O desafio desta crise é planear democraticamente a transformação da economia"

Devido às falhas do mercado e ao desenvolvimento das tecnologias da informação, o planeamento económico democrático é mais urgente do que nunca. É a forma de construir uma sociedade livre da ditadura do capital e de enfrentar a crise ambiental. Entrevista com Cédric Durand.

Economia. Foto de spDucham/Flickr.

O estado da economia mundial no início da grande recessão do Covid-19

Primeira parte da análise ao estado da economia entre a crise económico-financeira de 2007-2009 e o surgimento da Covid-19, pelo economista François Chesnais.

Marisa Matias e José Gusmão. Foto de Paulete Matos.

Bloco propõe fundo europeu para responder à crise sem austeridade

Marisa Matias considera o resultado do Eurogrupo “um fracasso”. Os eurodeputados do Bloco apresentaram uma proposta alternativa para a economia europeia. Leia aqui na íntegra.

Crise do Corona. Ilustração de Jernej Furman/Flickr.

Covid-19 e os circuitos do capital

Enquanto o interesse público é excluído da agropecuária e da fábrica de produtos alimentares, os patógenos superam a bio-segurança que a indústria está disposta a garantir ao público. O agronegócio está em conflito com a saúde pública. E a saúde pública está a perder. Por Rob Wallace, Alex Liebman, Luis Fernando Chaves e Rodrick Wallace

Morador da favela da Rocinha, janeiro de 2013. Foto de João Lima/Flickr.

A sul da quarentena

Boaventura Sousa Santos escreve sobre alguns dos grupos para os quais este período tem sido mais difícil: mulheres, trabalhadores precários e informais, moradores nas periferias pobres e idosos.

Pandemia pode empurrar para a pobreza 500 milhões de pessoas em todo o mundo

A Oxfam lançou o alerta: se não forem tomadas medidas urgentes, a pobreza global poderá abranger 8% da população mundial. Isso seria um retrocesso de décadas para vários países, aponta o estudo apresentado em vésperas da reunião dos ministros das Finanças do G-20.

Marisa Matias e José Gusmão analisam e criticam as decisões do Eurogrupo

"Ministros das Finanças não têm noção da dimensão da crise”

A resposta europeia à crise resume-se a três instrumentos de dívida. Tudo o que poderia constituir uma resposta a sério, ou ficou fora do documento, ou ficou adiado para o Conselho ou para as calendas, afirmam Marisa Matias e José Gusmão sobre as decisões do Eurogrupo.

Foto de romanakr/pixabay.

Insolvência Pandémica: porque esta crise económica será diferente

Enquanto a gestão da crise após 2008 estava preocupada com a liquidez, a principal preocupação agora é a solvência. E essa generalização de resgates e “despejos de helicópteros” de dinheiro – por mais desiguais que sejam – gera uma crise muito diferente em termos políticos e morais. Por Bue Rübner Hansen.

A economia global pára não só por causa dos bloqueios para deter o vírus, mas também porque as linhas de produção da China param

A Covid-19 e a morte da conetividade

A pandemia de Covid-19 é a segunda grande crise da globalização numa década. A primeira foi a crise financeira global de 2008-2009, da qual a economia global levou anos para parecer recuperar. Por Walden Bello

Em 2008, foi a esfera financeira que acendeu o rastilho, passando-o para a esfera produtiva. Hoje, é o contrário: a atividade económica estagnou em parte e este súbito freio está a regressar

Economia global: neoliberalismo contaminado

A atividade económica estagnou parcialmente e este súbito travão está a regressar, como um bumerangue, para ter impacto nas finanças. Esta implosão das finanças irá, por sua vez, agravar a recessão. Por Michel Husson.

Donald Trump. Foto: TheWhiteHouse/Flickr

O megapacote financeiro dos EUA e as fraturas do sistema

O plano de estímulos à economia que resultou do acordo entre republicanos e democratas surpreendeu pelo valor histórico: 2 biliões de dólares. No entanto, o plano virado para o resgate de Wall Street e das grandes empresas não resolve os problemas de um país cada vez mais desigual.

À beira de uma recessão mais grave do que em 2009

Os custos das emissões estão a disparar, a dívida das empresas é gigante, os juros na zona euro são negativos e o nível de coordenação internacional é menor.