Advogados do movimento de Rui Moreira faturaram mais de meio milhão à autarquia

A Câmara Municipal do Porto pagou pelo menos 525 mil euros à sociedade de advogados Telles de Abreu, onde é sócio o líder da bancada municipal e vários dirigentes do Movimento de Rui Moreira. O mesmo escritório representou esse Movimento numa queixa à CNE contra o Bloco de Esquerda.

21 de fevereiro 2021 - 1:03
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Escritórios da Telles de Abreu no Porto.
Escritórios da Telles de Abreu no Porto. Imagem do site da sociedade de advogados.

Nos mandatos de Rui Moreira, a sociedade de advogados Telles de Abreu e Associados não teve mãos a medir com as encomendas de entidades controladas pela Câmara Municipal do Porto. Segundo os dados disponíveis no portal Base.gov, os ajustes diretos somam até ao momento 525.100 euros.

Quase metade deste valor (218 mil euros) resulta de adjudicações feitas pelo executivo, a título de assessoria jurídica em matéria de ambiente e representação judicial. A Porto Lazer, empresa municipal da área do desporto e lazer, pagou mais 70 mil euros pela “aquisição de serviços de auditoria jurídica e implementação de boas práticas em matéria contratual”. Em assessoria jurídica, a Empresa Municipal de Ambiente do Porto pagou 35.200 euros. A DomusSocial, que gere a habitação municipal, pagou 73 mil euros pela contratação de serviços de consultadoria, apoio e patrocínio nos processos de contencioso. E pelos serviços jurídicos, contencioso e acompanhamento de concursos, a empresa municipal de gestão de obras públicas pagou mais 128.900 euros.

Em julho de 2019, o jornal Público noticiou que estes ajustes diretos estavam na mira de uma investigação do Ministério Público. Em causa estará a presença de vários elementos deste escritório de advogados nos órgãos sociais do movimento de Rui Moreira - “Porto, o Nosso Movimento” - e até em órgãos eleitos na autarquia. Por exemplo, o líder da bancada de Rui Moreira na Assembleia Municipal, André Noronha, é um dos sócios da Telles de Abreu & Associados. Uma semana antes o Jornal Económico revelava que Pedro de Almeida e Sousa, vogal da mesa da Assembleia Geral do movimento de apoio a Rui Moreira, também figurava na lista de sócios da Telles de Abreu.

Mas a relação de Moreira com este advogado vem de trás: foram sócios em duas empresas do ramo imobiliário com sede no palacete da família do autarca, entretanto vendido e convertido em hotel de luxo, e onde também a Selminho, imobiliária da família Moreira, teve a sua sede. Segundo o Público, Pedro Almeida de Sousa dirigiu a Assembleia Geral da gestora de fundos imobiliários Atlantic, cujo presidente da administração era o atual presidente da Assembleia Municipal do Porto e também fundador do movimento pró-Moreira, Miguel Pereira Leite. A sede do movimento “Porto, o Nosso Movimento” fica no edifício da Atlantic. Questionado sobre a coincidência pelo Jornal Económico, Pereira Leite respondeu que tanto a associação como a sociedade gestora de fundos são entidades privadas e sem financiamento público. Ao mesmo jornal, Rui Moreira tentou afastar as suspeitas sobre a existência de relações perigosas, alegando que a participação cívica e política “não pode ser alvo de censura e discriminação”. E quando o Público inquiriu a autarquia acerca da nomeação de Ana Cabral - mulher de Pedro Almeida e Sousa e comadre de Miguel Pereira Leite - para administradora da empresa municipal Águas do Porto, a Câmara do Porto respondeu que “os serviços municipais não podem nem devem interferir com esse tipo de relacionamento”.

Outra sociedade de advogados que passou a ganhar com os ajustes diretos da autarquia do Porto foi a do causídico que representava a Selminho no conflito com a Câmara quando Moreira assumiu a presidência do município: a SPCA Advogados, fundada por Paulo Samagaio e com sede no Palácio da Bolsa, propriedade da Associação Comercial do Porto, da qual ambos foram dirigentes. Com a chegada de Rui Moreira à presidência, esta sociedade de advogados faturou 167.500 euros nos primeiros três anos de mandato.

Telles de Abreu chegou a apresentar queixa contra a campanha do Bloco em nome dos apoiantes de Rui Moreira

Quando vieram a público as notícias sobre os montantes dos ajustes diretos da autarquia à Telles de Abreu, o grupo municipal do Bloco de Esquerda também questionou Rui Moreira sobre essa prática, considerando “altamente problemático o facto de a Câmara Municipal do Porto celebrar ajustes diretos com uma sociedade de advogados cujos sócios integraram a candidatura do Presidente da Câmara e são (ou foram) apoiantes ou dirigentes do seu movimento político”.

“Ainda que possa não ter havido qualquer violação da lei, parece existir aqui um evidente conflito de interesses, sobretudo no caso de algum dos vereadores eleitos pelo referido movimento ter participado ativamente na contratação de uma sociedade de advogados constituída por apoiantes da sua própria candidatura”, lê-se na missiva enviada a Rui Moreira.

O Bloco questionava ainda o facto de a Telles de Abreu representar também promotores imobiliários em processos contra a autarquia. “Isso significa que temos uma mesma sociedade de advogados com interesses 'do lado de dentro e do lado de fora' da CMP. Isto é, ora representando a Câmara, ora patrocinando processos contra ela” apontava o grupo municipal bloquista.

Na campanha eleitoral de 2017, o Bloco de Esquerda foi alvo de uma acusação do movimento de apoio à candidatura de Rui Moreira junto da Comissão Nacional de Eleições. Em causa estavam os cartazes da campanha bloquista, que os apoiantes de Moreia diziam ser um “aproveitamento da imagem” de marca da cidade. A dita acusação foi apresentada num documento assinado pela sociedade de advogados Telles de Abreu, que na altura já faturava serviços jurídicos à autarquia. Como seria de esperar, a CNE mandou arquivar a queixa.

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