Em ano de eleições autárquicas marcadas pelos efeitos da pandemia, olhamos para o balanço dos mandatos de Rui Moreira à frente da Câmara Municipal do Porto, uma das cidades do país que mais assistiu à gentrificação do seu espaço urbano com destino a um mercado turístico agora congelado e ainda sem data prevista para regressar.
Neste dossier recuamos no tempo para recuperar algumas reportagens jornalísticas sobre o primeiro mandato de Rui Moreira, eleito com a marca de independente mas com forte presença e influência de figuras ligadas à gestão de Valentim Loureiro na autarquia de Gondomar. Também lembramos o constante recurso às ameaças e muitas vezes concretização de processos judiciais contra os críticos da sua gestão e os jornalistas que investigaram os negócios do autarca sob suspeita. Ou o escândalo dos ajustes diretos a uma sociedade de advogados onde pontuam membros do movimento político que o apoia.
O caso mais flagrante de todos, e ao qual Rui Moreira continuará ligado quando deixar o cargo, é sem dúvida o “caso Selminho”, a imobiliária de que é sócio e cujos interesses entraram em conflito com o interesse público que a autarquia deveria defender. A intervenção do executivo de Rui Moreira no processo está a ser investigada e o Ministério Público pede mesmo a perda de mandato do autarca. Neste dossier, o jurista e ex-deputado municipal do Bloco José Castro, que acompanha o tema há muitos anos, escreve como as lições do “caso Selminho” devem servir de exemplo para quem exerce funções no poder local em todo o país.
Noutro artigo, Sérgio Aires aponta o fracasso da gestão de Rui Moreira em mobilizar a cidade para lutar contra a pobreza e pela justiça social. Exemplo disso foi o desprezo não apenas pela participação cidadã, mas também pelas organizações que representam essa participação. Desprezo que incluiu instituições criadas pelo próprio município, como as provedorias do inquilino municipal e da pessoa com deficiência, extinta durante o mandato do autarca.
Essa atitude de prepotência também é visível no funcionamento do parlamento da cidade. Apesar de não ter alcançado a maioria dos deputados nas eleições de 2017, Rui Moreira não demorou muito a conseguir cooptar a deputada do PAN e um deputado do PSD para fazer maioria. A partir daí a Assembleia passou a ter regras que impedem a discussão, dificultam a participação dos munícipes e não permitem a difusão pública das reuniões da Assembleia, como sublinha neste artigo a deputada municipal bloquista Susana Constante Pereira.
“Burguês, conservador e elitista”, é o retrato de Rui Moreira resumido em três palavras neste artigo de João Teixeira Lopes. O sociólogo que já encabeçou candidaturas bloquistas à Câmara do Porto insurge-se contra a prioridade dada pela autarquia à “ideia de cidade como fachada”, que resultou cada vez mais numa “cidade dual, com largas franjas esquecidas, deprimidas e relegadas, por detrás do fascínio da main street turística”.
”Menos montra e mais conteúdo”, exige o ator, produtor e programador cultural Mário Moutinho, que neste artigo passa em revista a política cultural dos mandatos de Rui Moreira, da expetativa inicial que pôs termo ao clima persecutório da gestão de Rui Rio até à falta de apoios regulares à criação artística e às estruturas existentes na cidade. Com uma atividade concentrada numa lógica de programação e em opções avulsas, a política cultural do município também se ressentiu de ter deixado de existir na prática um vereador da Cultura, com o próprio Rui Moreira a assumir essa pasta após o falecimento do então vereador Paulo Cunha e Silva.