Depois de governar a Câmara durante quase todo o primeiro mandato com um acordo com o PS, que levou os socialistas a considerarem não apresentar uma candidatura própria em 2017, as divergências na negociação quanto à composição dessa lista ditaram a ruptura entre Rui Moreira e o PS. E os antigos vereadores da maioria liderada por Moreira passaram a ser ferozes críticos do autarca no que diz respeito aos ataques à liberdade de expressão.
Um desses exemplos é o do vereador do Urbanismo no primeiro mandato de Moreira, o arquiteto Manuel Correia Fernandes, independente eleito nas listas do PS. Poucos dias depois do divórcio entre PS e Moreira, dava uma entrevista à Visão apontando a “falta de cultura de diálogo e de equipa” do presidente da Câmara. “Quando o próprio líder é o projeto, corre-se o risco de o independente se transformar num caudilho. Às vezes, quer-se ser tão independente que não se fala com ninguém. E esse é o grande perigo”, avisava o ex-vereador a poucos meses das eleições autárquicas de 2017.
Meses depois, o arquiteto ficou a saber que era alvo de uma queixa-crime movida pela Câmara do Porto, por ter recusado arcar com as responsabilidades pela aprovação do projeto sob suspeita da construção de um edifício na escarpa junto à Ponte da Arrábida. Em causa estava um artigo de opinião que Rui Moreira publicara no Jornal de Notícias a atribuir a Correia Fernandes a responsabilidade pelo avanço da obra. O arquiteto reagiu ao artigo, apontando que a construção decorre das autorizações dadas pelos seus sucessores no cargo de vereador. “Tudo o que se diga em contrário é mentira e não vou admitir que a mesma continue a ser repetida impunemente”, referia o arquiteto em declarações à Lusa.
Mas as ameaças e o recurso aos tribunais contra adversários políticos às custas dos munícipes não foi um exclusivo dos períodos de pré-campanha. Um ano após a sua reeleição, e também a propósito de críticas ao licenciamento dessa construção junto à Ponte da Arrábida, foi a vez da vereadora socialista Odete Patrício ser alvo de uma ação judicial movida pela Câmara por alegado crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, tudo por causa de um comentário a um post no Facebook. Apesar do Ministério Público ter determinado o arquivamento, a autarquia requereu a instrução do processo e o Tribunal de Instrução mandou avançar para julgamento. Em maio de 2020, o Público noticiou que o Tribunal da Relação deu razão ao recurso interposto pela vereadora, considerando que as palavras de Odete Patrício são juízos pessoais, pelo que “não se mostra preenchido o tipo legal de crime pelo qual a arguida foi, erradamente, pronunciada”. A Câmara respondeu à decisão prometendo avaliar a oportunidade de avançar com uma ação cível contra a vereadora.
Jornalistas que investigam negócios sob suspeita são outro alvo de Moreira
As revelações em torno do “caso Selminho”, o nome da empresa imobiliária de que Rui Moreira é sócio com familiares e que reivindicava o direito a construir em terrenos na escarpa da Arrábida, também provocaram uma ação em tribunal contra os jornalistas e o diretor do Público à data da publicação da notícia em 2018. A queixa acabou arquivada pelo Ministério Público em outubro de 2019, após reconhecer “que os arguidos situaram-se no âmbito estrito do exercício da liberdade de expressão, inserido no domínio do direito à informação que, reconhecidamente, tem um papel essencial na vida pública num Estado de Direito e numa sociedade democrática e pluralista”.
No final de 2020, o “caso Selminho” deu origem a uma acusação do Ministério Público contra Rui Moreira pelo crime de prevaricação por parte do autarca. Para a acusação, o presidente da Câmara do Porto “incorreu num conflito de interesses neste caso em que a empresa imobiliária Selminho, da sua família, tentou construir um edifício de apartamentos num terreno da escarpa da Arrábida que, além do mais, era em parte propriedade do Município”, pedindo por isso a perda do mandato do autarca. O Ministério Público considera que Moreira agiu “deliberadamente contra a lei, obrigando o Município aos interesses da Selminho, com única intenção de beneficiar a empresa de que o próprio arguido, seus irmãos e sua mãe eram sócios”. Rui Moreira anunciou que irá pedir a instrução do processo para tentar evitar ir a julgamento.
A relação difícil do autarca com os jornalistas por causa da investigação ao “caso Selminho” alargou-se à agência Lusa, cuja diretora em 2018, Luísa Meireles, chegou a acusar Moreira de manter em relação à sua agência uma "atitude de restrição à liberdade de informação e de constrangimento ao trabalho dos jornalistas”. O conflito prosseguiu com o desagrado de Moreira em relação a uma notícia sobre o orçamento municipal para 2019, com o site da Câmara a acusar a Lusa de se limitar "praticamente a transcrever as críticas da oposição" ao documento. Desta vez foi a própria presidente do Sindicato dos Jornalistas a desafiar a Câmara a “proceder judicialmente, em vez de fazer acusações que colocam em causa a liberdade de imprensa".
“Sempre critiquei os executivos camarários, mas só o de Rui Moreira tentou calar-me”
Mas não são apenas os jornalistas a sentirem o desagrado de Rui Moreira com as críticas à sua gestão. Que o diga José António Pinto, mais conhecido por “Chalana”, a quem o Parlamento atribuiu o Prémio Direitos Humanos em 2013. O seu artigo de opinião no Público a 1 de fevereiro de 2018, intitulado “Este Porto não é para todos”, punha o dedo na ferida da exclusão social numa cidade que “tem mais homens, mulheres e crianças a viver na rua. E a morrer na rua”. Palavras que desagradaram ao executivo municipal, acusando o assistente social da freguesia de Campanhã de “mentiras” e de criar um “infundado alarme social”. O anúncio de uma queixa à Entidade Reguladora da Comunicação não passou de uma ameaça, mas o telefonema de Moreira para o então presidente da junta foi confirmado pelo próprio. Bem como o afastamento da mulher de “Chalana”, Célia Carvalho, que representava o município na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo Porto Central, dois meses depois de ser eleita por unanimidade presidente dessa comissão. “Tenho indícios e razões para pensar que afastaram a Célia por causa das minhas denúncias sobre o abandono dos mais desfavorecidos”, explicou José António Pinto à revista Visão, sublinhando que “sempre critiquei os executivos camarários nestas matérias, mas só o de Rui Moreira tentou calar-me”.
Razões de queixa por perseguição da máquina camarária de Rui Moreira não faltaram ao porta-voz da Associação de Moradores e Amigos da Foz Velha, quando decidiu travar a construção de um projecto imobiliário na Quinta de Montebelo, nas imediações da sua casa. Este advogado, Fernando Braga de Matos, conseguiu que a obra fosse embargada na justiça em 2018, mas em retaliação foi alvo de uma queixa da promotora do projeto, acusando-o de ter feito obras ilegais na sua propriedade, e outra da Câmara por pôr em causa o bom nome do município. A Câmara enviou os fiscais a casa do advogado e chegou mesmo a conseguir do tribunal um mandado judicial para forçar a entrada. Braga de Matos recorreu e ganhou o recurso, com os juízes do Tribunal Central Administrativo a dizerem que “os tribunais não são meros notários privativos das câmaras municipais”. Quanto à obra da Quinta de Montebelo, ficou embargada e só um acordo alcançado no final de 2020, que prevê a construção naquele local apenas de “casas para habitação unifamiliar com menor cerca e menos volumetria”, pôs fim ao litígio.