Ingerência

Universidades portuguesas criticam o “descaramento” das perguntas dos EUA

11 de abril 2025 - 22:08

Várias universidades portuguesas receberam um questionário sobre políticas de inclusão, justiça climática, ideologia de género e alinhamento com os interesses do governo daquele país. Mariana Mortágua diz que o Governo deve chamar o embaixador para lhe explicar que “Portugal não é uma colónia dos EUA”.

PARTILHAR
American Corner. Universidade dos Açores
American Corner. Universidade dos Açores

O governo dos Estados Unidos da América enviou a várias universidades portuguesas um questionário ideológico. O Expresso teve acesso à folha Excel de 36 perguntas entre as quais: “Pode confirmar que este não é um projeto DEI – Diversidade, Equidade e Inclusão e/ou não estão elementos DEI no projeto?”; “Confirma que este não é um projeto de ‘justiça climática’?”; “Em que medida contribui para conter influência maligna, incluindo da China?”; a posição no “combate à perseguição do cristianismo”, “colaboração com associações terroristas”, “defesa contra a ideologia de género” e alinhamento com os interesses do Governo norte-americano são outros dos temas versados. Depois, o Público divulgou-as na íntegra.

Estas perguntas foram confirmadamente enviadas ao Instituto Superior Técnico que, no mesmo dia, recebeu a informação de que seria cancelado com “efeito imediato” o “American Corner”, um programa de divulgação da cultura norte-americana, financiado pelos EUA. Neste caso no valor de cerca de 20.000 euros anuais.

O presidente desta instituição, Rogério Colaço, contou à Lusa que a 5 de Março recebeu a comunicação desse cancelamento e um questionário em que se perguntava se o IST colaborava ou não, ou era citado ou não, em acusações ou investigações envolvendo associações terroristas, cartéis, tráfico de pessoas e droga ou grupos que promovem a imigração em massa.

Segundo ele, “o Técnico respondeu que não iria responder ao questionário porque não se adequava a uma instituição de ensino superior pública, sujeita a escrutínio público e legal de um país democrático, membro da União Europeia”.

Para além do Técnico, há espaços destes nas universidades dos Açores, Aveiro, na Faculdade de Letras do Porto, na Faculdade de Letras de Lisboa e na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Nova de Lisboa.

À agência noticiosa portuguesa, o diretor da Faculdade de Letras de Lisboa, Hermenegildo Fernandes, confirma que recebeu este mesmo questionário. Terá ficado espantado pela “dimensão do descaramento” das perguntas que incluíam o questionamento das “agendas climáticas”, se havia “contactos com partidos comunistas e socialistas”, “relações com as Nações Unidas, República Popular da China, Irão e Rússia” e também “o que fazia para preservar as mulheres das ideologias de género”. Também esta instituição não respondeu mas não explicou se o mesmo programa foi cancelado.

Por seu turno, Paulo Jorge Ferreira, reitor da Universidade de Aveiro e presidente do Conselho de Reitores, também confirma ter recebido o documento com perguntas “intoleráveis” e “inadequadas” e com a comunicação da embaixada dos EUA de que aconteceria a rescisão unilateral dos apoios àquele programa se a estas não fosse dada resposta. Na sua perspetiva, as perguntas “pela sua natureza, configuram uma intromissão intolerável na autonomia das instituições e na sua liberdade de investigação e da ação académica”.

A direção da FCT da Nova de Lisboa escreveu apenas que este é “um projeto anual que terminará em setembro” e que a instituição avalia a hipótese de se candidatar à sua continuação. As universidades do Porto e Açores não deram resposta.

A porta-voz da embaixada dos EUA, Marie Blanchard, escusou-se a responder diretamente a estes factos, indicando apenas: “temos excelentes relações com todos os seis 'american corners' e continuaremos a colaborar numa série de programas e iniciativas que promovam os nossos objetivos comuns”.

“Donald Trump tem de perceber que o mundo não é uma colónia dos EUA”

Mariana Mortágua reagiu ao fim da tarde a esta notícia para dizer que “os EUA não têm o direito de fiscalizar as universidades portuguesas e Donald Trump tem de perceber que o mundo não é uma colónia dos EUA”.

A coordenadora do Bloco de Esquerda saudou os diretores e reitores das universidades por se recusarem a responder ao questionário e defendeu que o Governo tem uma obrigação face à “ingerência” dos EUA e deve “chamar o embaixador dos EUA para lhe explicar que Portugal não aceita este tipo de ingerência”.

Mariana Mortágua desafiou também André Ventura, que defendeu as tarifas de Trump contra Portugal, a “explicar aos agricultores e trabalhadores do setor têxtil afetados pelas tarifas porque é que prefere a sua obediência a Trump ao sustento destes trabalhadores” e “porque é que está a funcionar como um agente de Donald Trump contra Portugal”.

Termos relacionados: SociedadeEUA