Um pouco antes das seis da tarde, o Largo do Intendente já se vai fazendo pequeno para as centenas de pessoas que se juntam na marcha pelo fim da violência contra as mulheres. Bandeiras roxas esvoaçam entre tambores, iluminadas pelos candeeiros circundantes.
"A violência contra as mulheres é um tema muito atual", diz Cátia Silva. É a primeira vez que vem à marcha, mas considera muito importante que as centenas de pessoas ali se reúnem. "Ao falar-se do tema é que realmente se cria impacto, enquanto estiver tudo fechado no armário não há mudança".
Mas que mudança é essa? Dejanira Vidal, porta-voz da marcha, sabe as medidas de cor. “O alargamento do prazo da interrupção voluntária da gravidez, o fim da esterilização forçada das mulheres com deficiência, o reconhecimento da violência obstétrica como violência, mais apoios para vítimas de violência doméstica que continuam a ter de sair de casa quando deviam de ser os agressores a sair, violação como crime público e o reconhecimento da violência sexual baseada em imagens também como crime público”, diz.
Violência de género
Até setembro, houve 344 mulheres vítimas de violação em Portugal
A marcha realiza-se desde 2011, mas os dados revelados pela Polícia Judiciária esta segunda-feira mostram que não há uma tendência decrescente na violência contra as mulheres. Entre janeiro e setembro deste ano, foram registadas 521 violações em Portugal, das quais 344 vítimas são mulheres. A Lusa avança ainda que 15 mulheres foram assassinadas em contexto de violência doméstica nesse mesmo período.
“Tem havido um desinvestimento em políticas públicas que permitam exterminar a violência de género”, explica Dejanira. “O que tem acontecido é que nós continuamos a vir todos os anos, as pessoas têm vindo connosco, mas nós precisamos que os partidos políticos, o governo e a Assembleia da República passem medidas legislativas concretas para acabar com estes problemas”.
Só que a porta-voz do movimento acha que o governo não tem passado estas medidas “porque não quer”. Também Pilar del Rio, jornalista, escritora, tradutora e presidente da Fundação José Saramago, se debruça sobre este tema. “Há governos que trabalharam isso, mas dificilmente os governos vão fazer o que a sociedade não faz. Se a sociedade é ativa, propõe e reivindica, os governos farão, mas se a sociedade fica parada, os governos também”.
Por isso mesmo veio até ao Largo do Intendente e desfila até ao Largo de São Domingos. “Sou contra a violência de género, somos iguais, somos mulheres, temos os mesmos direitos, temos todos direito à paz e a vida seria mais fácil para todos e para as mulheres se abandonássemos a violência”, diz.
E essa luta contra a violência, que é como quem diz, pela igualdade, melhora a vida de toda a gente. “Muitos homens não deram conta de que quando falamos de uma sociedade igualitária, estamos a dar-lhes privilégios, estamos a querer que eles também vivam melhor. Acham que vão perder privilégios, mas vão livrar-se de uma dominação patriarcal e seriam mais felizes”, explica a jornalista.
A coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, também marcha pela Rua da Palma, e lembra que “violência de género é discriminação contra as mulheres“ e que “violência contra as mulheres também é não poder aceder a um aborto livre no SNS, a desigualdade salarial e todas as outras formas de discriminação contra as quais lutamos no 25 de novembro” mas também “em todos os outros dias das nossas vidas”.
Violência doméstica
Seis mulheres assassinadas este ano já tinham feito queixas na polícia
Ao avançar, a marcha vai ocupando a faixa direita da Rua da Palma, em direção ao Martim Moniz. Na sua totalidade, mostra a magnitude das centenas de pessoas que saem à rua pelo fim da violência. Mais atrás, um coro abranda a manifestação. “Que retumbe fuerte: ¡Nos queremos vivas! / ¡Que caiga con fuerza el feminicida! / ¡Que caiga con fuerza el feminicida! / Y retiemblen sus centros la tierra / Al sororo rugir del amor”, vão cantando. É uma “canção sem medo”, pelas mulheres assassinadas, que são lembradas aqui. 15 mulheres nos primeiros nove meses do ano só em Portugal.
Combater a violência de género tem várias dimensões, e é preciso agir em todas. Marisa Matias, deputada do Bloco de Esquerda, explica ao Esquerda que o partido tem propostas "desde logo no acesso à justiça" porque há muitas mulheres que têm morrido por falta de resposta das autoridades. "É preciso que haja profissionais de justiça que deem resposta e que os processos avancem para não chegarmos a estas situações trágicas".
Mas para além disso, são precisas de medidas de reação e apoio às vítimas. Por isso, a deputada fala em "apoios para a habitação a vítimas de violência doméstica" e "financiamento estrutural permanente para que as mulheres tenham a resposta toda necessária e não percam o seu tempo em candidaturas sem saber como vai ser amanhã".
O coro acelera e acompanha o resto da manifestação. À frente, já a sair do Martim Moniz, está a cabeça da manifestação, onde um grupo de mulheres desfila de braço dado como que se formando a primeira fileira da luta. Atrás delas, canta-se e batem-se palmas, como se fosse um eco do coro, cumprindo o “rugido ensurdecedor do amor”.