Trump e o Médio Oriente: o que nos reserva o futuro?

25 de novembro 2024 - 14:04

Benjamin Netanyahu aguardava ansiosamente a vitória de Trump e fez tudo o que podia para contribuir para ela. O que é que nos espera agora que o regresso de Trump à Casa Branca está confirmado?

porGilbert Achcar

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Trump e Netanyahu
Trump e Netanyahu. Foto publicada no blogue do autor.

A vitória de Trump nas presidenciais estadunidenses é uma catástrofe de grandes proporções para os povos da região, que se junta à Nakba maciça que se desencadeou depois da operação “dilúvio de Al-Aqsa” liderada pelo Hamas. Benjamin Netanyahu aguardava ansiosamente esta vitória e fez tudo o que pôde para contribuir para ela, quer incitando os seus aliados de direita nos EUA, quer recusando-se a dar a Joe Biden e à campanha presidencial democrata as tréguas em Gaza que esperavam a fim de lhes fornecer um argumento eleitoral de que precisavam desesperadamente. O que é que nos espera agora que o regresso de Trump à Casa Branca está confirmado?

A informação disponível – tendo em conta o comportamento de Trump durante o seu primeiro mandato presidencial, as posições que expressou durante a sua recente campanha e as fugas de informação dos seus círculos – indica que ele está desejoso de aparecer como um líder que alcança a “paz”, ao contrário de Biden, que é descrito como um perpetuador da guerra, incapaz de resolver conflitos. Enquanto Trump procura acabar com as guerras em que não vê interesse para a América, continua a querer atingir os seus objetivos nos casos em que vê um interesse claro. Assim, enquanto negociou com os Talibãs, durante o seu anterior mandato, a retirada das forças americanas do Afeganistão e quis retirar a cobertura militar americana aos curdos na Síria, a pedido do Presidente turco Erdogan, apoiou a continuação da presença das forças do seu país no Iraque, manifestando descaradamente o seu interesse na riqueza petrolífera desse país.

E embora tenha manifestado a sua ambição de concluir o “acordo do século” sobre a Palestina, a “paz” que propôs era tão iníqua que o próprio Mahmoud Abbas a rejeitou, enquanto Netanyahu a apoiou calorosamente, convencido de que nenhum partido palestiniano poderia aceitar os termos de tal “acordo”. Netanyahu esperava que a rejeição palestiniana desta oferta “generosa” legitimasse a tomada pelo Estado sionista das terras da Palestina a oeste do Jordão. A isto juntou-se o facto de Trump ter abandonado a favor de Israel as posições políticas oficiais que há muito eram as dos Estados Unidos sobre o conflito regional, quer através da sua aprovação oficial da anexação por Israel dos ocupados Montes Golã sírios, quer através da transferência da embaixada dos EUA para Jerusalém e do encerramento do consulado dos EUA para os territórios ocupados em 1967, tudo isto indicando apoio ao expansionismo sionista. Já para não mencionar o apoio de Trump à posição de Israel em relação ao Irão, a sua retirada do acordo nuclear que a administração do seu antecessor Barack Obama concluiu com Teerão após longas e difíceis negociações, e a sua escalada de provocação militar ao assassinar o comandante da Força Al-Quds dos Guardas Revolucionários iranianos, Qassem Soleimani, etc..

Trump não tem qualquer interesse em apoiar a Ucrânia e prefere chegar a um acordo com Vladimir Putin que satisfaça o Presidente russo, a quem admira pela sua personalidade reacionária, ao mesmo tempo que quer investir no seu país. Não vê sentido numa aliança com os países europeus, a menos que estes façam mais concessões económicas aos Estados Unidos e aumentem os seus esforços militares para se envolverem cada vez mais no confronto americano com a China, que Trump vê como o principal concorrente dos Estados Unidos (embora a hostilidade para com a China seja um pilar fundamental da ideologia da direita imperialista americana que lidera). Ao mesmo tempo, não é segredo que Trump considera o petróleo e o dinheiro do petróleo das monarquias árabes do Golfo como um interesse supremo dos EUA e o Estado sionista como um aliado inestimável no seu papel de guardião desse interesse supremo. Isto porque o interesse próprio no seu sentido mais grosseiro – em que o interesse pessoal e familiar prevalece sobre todas as outras considerações, e em que o “interesse da América” é concebido no seu sentido mais estreito e imediato, para além do desejo de lisonjear os instintos mais primitivos do público (comportamento geralmente descrito como “populista” ou “demagógico”) – é este interesse que governa o comportamento de Donald Trump, e nada mais.

É, pois, de esperar que, em relação ao Líbano, adote a posição da administração Biden que visa pôr termo à atual guerra em termos que satisfaçam Israel, com base na retirada das forças do Hezbollah a norte da zona estipulada na Resolução 1701 de 2006 do Conselho de Segurança da ONU, e na substituição gradual das forças do partido nesta zona e das forças de ocupação israelitas pelo exército regular libanês, desde que sejam dadas garantias, sob supervisão dos EUA, de que o partido não regressará à referida zona e de que o Irão não voltará a abastecer o seu arsenal de mísseis através do território sírio. Isto seria acompanhado por um reforço do exército libanês, de modo que o equilíbrio de poder no Líbano possa mudar, permitindo que o Estado dominado pelos EUA prevalecesse sobre o partido dominado pelo Irão. No entanto, a conclusão deste acordo está atualmente sujeita à aprovação do Irão, que continua a recusá-lo, uma vez que Teerão prefere que o Hezbollah permaneça na luta em vez de o deixar sair e, assim, ser impedido de participar no próximo confronto entre o Irão e a aliança americano-israelita.

Netanyahu está convencido de que Trump estará mais disposto do que Biden a envolver-se neste confronto. Já enviou um representante para negociar com o Presidente eleito os próximos passos em relação ao Irão. Trump vai também consultar os seus amigos do Golfo, que esperam que o Irão sofra um golpe decisivo, apesar da sua benevolência para com Teerão e da empatia que exprimem para com o povo de Gaza. Ao adotarem tais posições, tentam contrariar a escalada iraniana sobre a Palestina e persuadir Teerão a poupar as suas instalações petrolíferas, que ameaçou atacar se as suas instalações nucleares fossem atacadas. A probabilidade de um ataque conjunto EUA-Israel contra o Irão tornou-se muito elevada com o regresso de Trump à Casa Branca. Ele procurará certamente restabelecer a firme hegemonia dos Estados Unidos na região do Golfo, enfraquecida durante as eras Obama e Biden.

No que diz respeito à Palestina, é provável que Trump apoie a anexação formal por Israel de uma parte significativa da Cisjordânia e de Gaza (a parte norte da Faixa de Gaza, em particular, onde o exército sionista efetua atualmente uma “limpeza étnica”), com vista a expandir os seus colonatos na Cisjordânia e a retomar o seu estabelecimento em Gaza. Israel conservará igualmente os corredores estratégicos que lhe permitem controlar as restantes concentrações de população palestiniana nos dois territórios ocupados. Tal como no “acordo do século” elaborado pelo genro de Trump, Jared Kushner, e anunciado no início de 2020, a transação deverá incluir “compensações” oferecidas aos palestinianos em troca do que lhes é retirado e oficialmente anexado ao território israelita, constituído por zonas do deserto do Negev. Há oito meses, Kushner defendeu a ideia de que Israel deveria apoderar-se da parte norte da Faixa de Gaza e investir no desenvolvimento da sua “orla marítima”, transferindo os seus habitantes palestinianos para o deserto do Negev. Mais uma vez, este “acordo”, que toma o povo palestiniano por parvo, não encontrará nenhum ator palestiniano com a mínima credibilidade disposto a aceitá-lo. Israel sentir-se-á no direito de o impor. Israel sentir-se-á assim no direito de o impor unilateralmente pela força, enquanto a extrema-direita sionista continuará a intensificar a sua pressão para que se complete a Nakba de 1948, anexando todo o território palestiniano entre o rio e o mar e desenraizando a maioria dos seus habitantes.


Tradução do texto publicado no jornal Al-Quds al-Arabi, republicado no blogue do autor.

Gilbert Achcar
Sobre o/a autor(a)

Gilbert Achcar

Professor de Estudos de Desenvolvimento e Relações Internacionais na SOAS, Universidade de Londres. Entre os seus vários livros contam-se: The Clash of Barbarisms: The Making of the New World Disorder; Perilous Power: The Middle East and U.S. Foreign Policy, com Noam Chomsky; The Arabs and the Holocaust: A Guerra de Narrativas Árabe-Israelita; The People Want: A Radical Exploration of the Arab Uprising; e The New Cold War: The United States, Russia and China, from Kosovo to Ukraine. Leia mais em gilbert-achcar.net