Economia

Tributação dos ricos, reparações e cancelamento de dívidas: a urgência exige radicalismo

02 de fevereiro 2025 - 18:21

Para financiar rapidamente uma viragem ecológica e climática justa e reduzir as desigualdades através do investimento em educação, saúde e benefícios sociais, é necessária uma tributação radical dos mais ricos e das grandes empresas.

por

Eric Toussaint e Maxime Perriot

PARTILHAR
Edvard Weie
Ilustração de Edvard Weie.

Uma necessária tributação radical dos mais ricos e das grandes empresas

Para financiar rapidamente uma viragem ecológica e climática justa e reduzir as desigualdades através do investimento em educação, saúde e benefícios sociais, é necessária uma tributação radical dos mais ricos e das grandes empresas. Tal tributação permitiria, por um lado, financiar estas despesas e, por outro, reduzir os danos causados pelas classes dominantes que são as principais poluidoras do planeta. Regular o estilo de vida dos mais ricos (jatos particulares, número de viagens aéreas) [1] e tributá-los o máximo possível para limitar o seu poder de causar danos, mantendo o controli dos movimentos de capitais para evitar que eles fujam quando estas medidas são tomadas, são soluções realistas. Num contexto de emergência ecológica, aumentar os impostos sobre os mais ricos seria uma medida política perfeitamente justificada que certamente encontraria o apoio da maioria da população. Em 1941, para financiar o esforço de guerra, Franklin Roosevelt aumentou a alíquota marginal do imposto de renda para os mais ricos para 91% [2].

Os vários gráficos abaixo reproduzidos e oriundos do Relatório Mundial sobre Desigualdade 2022 mostram que, na maioria das regiões estudadas, os esforços para atingir as metas do Acordo de Paris para 2030 devem ser amplamente baseados nos 10% mais ricos. No entanto, deve-se lembrar que cada país herdou metas diferentes dependendo de seu nível de emissões na época da COP 21 em Paris em 2015.

Gráfico 1. Emissões por capita por grupo de renda nos USA em 2019, estimativas

toussaint 1

Interpretação: As pegadas de carbono individuais incluem as emissões de todos os gases com efeito de estufa provenientes do consumo interno, do investimento público e privado e das importações e exportações de carbono incorporado em bens e serviços transacionados com o resto do mundo. As estimativas baseiam-se numa combinação de contas nacionais, dados fiscais e de pesquisas, modelos de input-output e conjuntos de dados sobre energia. As emissões são divididas em partes iguais entre os agregados familiares. O objetivo para 2030 corresponde ao orçamento global de emissões anunciado pelos governos para 2030, dividido pela população total do país em 2030.

Gráfico 2. Redução necessária para se enquadrar nos objetivos do Acordo de Paris nos USA até 2030

toussaint 2
Fontes e séries: wir2022.wid.world/methodology e Chancel (2021).

Nos Estados Unidos, os 10% mais ricos devem dividir o seu nível médio de emissões de CO2 por ano por sete até 2030 para estar dentro dos objetivos do Acordo de Paris. Os 40% seguintes devem reduzir pela metade as suas emissões médias até 2030 para cumprir os mesmos acordos. Para a metade mais pobre da população dos EUA, trata-se de manter as suas emissões médias anuais no mesmo nível. Podemos ver aqui que os esforços devem ser feitos pelos mais ricos e, de forma mais geral, pela metade mais rica da população. Uma tributação radical é uma forma de limitar as emissões dessas categorias da população e, ao mesmo tempo, mobilizar recursos para as despesas públicas necessárias para combater a desregulação climática.

Gráfico 3. Emissões por capita por grupo de rendimento e redução necessária para se enquadrar nos objetivos do Acordo de Paris na França em 2019, estimativas

toussaint 3

Gráfico 4. Redução necessária para se enquadrar nos objetivos do Acordo de Paris na França até 2030

toussaint 4
Fontes e séries: wir2022.wid.world/methodology e Chancel (2021).

Em França, as proporções são bastante semelhantes, com metas de emissão de gases de efeito estufa mais baixas (5 toneladas de CO2 em média por pessoa por ano, em comparação com 10 toneladas para os Estados Unidos).

Gráfico 5. Emissões por capita por grupo de rendimento na Índia em 2019, estimativas

toussaint 5

Gráfico 6. Redução necessária para se enquadrar nos objetivos do Acordo de Paris na Índia até 2030

toussaint 6
Fontes e séries: wir2022.wid.world/methodology e Chancel (2021).

Se olharmos para o caso indiano, a situação é diferente. A realização dos objetivos dos acordos de Paris cabe inteiramente aos 10% mais ricos do país. Os 90% restantes ainda têm «margem» para permanecer dentro da meta do Acordo de Paris para 2030. Para a Índia, focar nos 10% mais ricos e as maiores corporações por meio de alta tributação é uma solução para enfrentar efetivamente o desafio urgente da desregulação climática.

Gráfico 7. Emissões por capita por grupo de rendimento na China em 2019, estimativas

toussaint 7

Gráfico 8. Redução necessária para se enquadrar nos objetivos do Acordo de Paris na China até 2030

toussaint 8
Fontes e séries: wir2022.wid.world/methodology e Chancel (2021).

O exemplo chinês é bastante semelhante ao da Índia, mesmo que a China tenha negociado metas menos ambiciosas na COP 21 do que a Índia (10 toneladas de CO2 por pessoa por ano, em média, em comparação com 3,7 para a Índia). Para atingir estas metas, os 10% mais ricos dos chineses devem dividir suas emissões médias por ano por 3,5. Os 90% restantes da população estão com folga «dentro do prazo» em relação aos objetivos estabelecidos.

Estes poucos gráficos – ainda que seja necessário lembrar a limitação da comparação por país porque nem todos os países acima mencionados têm os mesmos objetivos em termos de emissões individuais médias de CO2 – deixam bem claro que são os mais ricos os responsáveis pela desregulação climática e que eles devem assumir as consequências.

Eles não o farão por iniciativa própria. Devem ser constrangidos. A tributação é uma ferramenta eficaz, como foi comprovado na história com níveis marginais muito altos de imposto de rendimento em vários países ocidentais antes e depois da Segunda Guerra Mundial. O rendimento e o património, incluindo o património financeiro dos mais ricos, que se tornou cada vez mais importante desde a década de 1980, devem ser radicalmente tributados. Ao mesmo tempo, a livre circulação de capitais deve ser impedida para que os ricos não possam fugir destas medidas de justiça social e climática. Uma solução possível é regular estritamente as transações financeiras. Por exemplo, proibir todas as transações financeiras internacionais com paraísos fiscais. A estas medidas de justiça social a nível nacional, devemos acrescentar uma medida histórica de justiça do Norte ao Sul: a anulação das dívidas dos países do Sul e a implementação de reparações.

Cancelar as dívidas dos países do Sul e estabelecer um sistema de reparações

Como vimos acima, os países do Sul são muito pouco responsáveis da desregulação climática e sofrem as principais consequências. Face a esta constatação, é intolerável que os países do Sul global subsidiem os Estados, as instituições multilaterais e os credores privados do Norte (estes últimos possuem cerca de 62% da dívida externa pública dos países classificados como em desenvolvimento pelo Banco Mundial) multiplicando as dívidas contraídas com eles e o pagamento dos juros que a acompanham. Em abril de 2023, 93% dos países mais vulneráveis à crise climática estavam em situação de sobre-endividamento ou em risco significativo de sobre-endividamento [3].

Com a crise da Covid-19 a interromper as cadeias de abastecimento, o aumento dos preços dos grãos causado primeiro pela agressão da Rússia contra a Ucrânia, e em seguida acentuado pela especulação e, acima de tudo, o aumento das taxas de juros decidido pelo Federal Reserve dos EUA e pelo Banco Central Europeu, os países do Sul estão a ver os seus níveis de endividamento explodirem. Com dificuldades de pagamento, cortaram as suas despesas públicas [4], nomeadamente na saúde e na educação, voltaram a recorrer ao FMI e sofreram com as condicionalidades desta organização – um aumento do IVA, uma redução dos orçamentos públicos, um aumento das culturas de exportação para recolher as divisas necessárias para pagar a dívida… Desde o início da pandemia, o FMI assinou acordos com quase 100 países [5].

Face a estas injustiças, a primeira coisa a fazer é cancelar as dívidas que são de facto ilegítimas dada a história de colonização e dominação do Norte ao Sul. Ainda mais quando sabemos que a dívida externa pública total dos países do Sul (US$ 3.447 bilhões) representa apenas 10% da dívida pública total dos Estados Unidos (cerca de US$ 34.000 bilhões) ou 5% do fundo de investimento Black Rock (US$ 70.000 bilhões). É inferior ao volume de negócios de um banco como o JP Morgan (US$ 3.600 bilhões em 2022, antes da aquisição do First Republic Bank) e é menos que o dobro do dinheiro desembolsado para salvar os bancos em 2008, ou seja, 2.000 bilhões de euros, somente na Europa! Outra comparação, um baixo imposto sobre a riqueza de 2% sobre milionários em todo o mundo, 3% sobre aqueles com uma fortuna de mais de US$ 50 milhões e 5% sobre bilionários em todo o mundo traria US$ 1,7 trilhão a cada ano [6], ou metade da dívida pública externa total do Sul Global. A dívida pública externa dos chamados países em desenvolvimento é uma gota no oceano das finanças mas representa um enorme fardo para esses Estados, as suas populações e os seus ecossistemas. Deve ser cancelado para libertar fundos públicos urgentes para serviços de saúde e educação, para o estabelecimento de uma verdadeira soberania alimentar e para o financiamento da virada ecológica.

A anulação da dívida dos países do Sul global é, obviamente, insuficiente. Deve ser acompanhada pela implementação de reparações pelos estados imperialistas e neocoloniais do Norte em relação aos estados do Sul. Deve também ser acompanhada pela expropriação dos sectores bancário e energético. Expropriação e socialização dos bancos sob controle cidadão porque tudo o que é financiado pelos bancos (projetos que garantem o lucro) existe e é maioria na sociedade, ao contrário do que não é financiado, que permanece minoritário ou inexistente, como cooperativas, associações etc. Expropriação do setor energético sob controle cidadão porque é, junto com a agricultura, o pilar do bem-estar das populações e um dos principais fatores da destruição do planeta porque precisa energia para mover navios porta-contentores, aviões, veículos individuais, operar fábricas, aquecer habitações, etc. Como explica Jawad Moustakbal, «o setor energético deve ser considerado como um serviço público, co-gerido pelos trabalhadores do setor e pelas populações locais que concordaram em compartilhar parte de seus territórios (terra, água, florestas, etc.) para o interesse coletivo. Nesse contexto, as populações locais também devem beneficiar de tarifas preferenciais, ou mesmo de serviços gratuitos de eletricidade[7].»

As populações do Norte não poderão evitar um processo de decrescimento. De facto, a transição ecológica como é realizada hoje reproduz mecanismos intoleráveis de exploração do trabalho infantil, extrativistas e neocoloniais. Estas medidas também devem ser combinadas com políticas feministas, ecológicas, sociais e populares radicais que, como vimos acima, envolvem os mais ricos.

 

Notas:

[1] Michael Peel, Philip Georgiadis, «Emissões de jatos particulares sobem quase 50% em quatro anos», Financial Times, 7 de novembro de 2024.

[2] Eric Toussaint, Teto da dívida pública EUA: o repúdio das dívidas pelo presidente Franklin Roosevelt votado ao silêncio", CADTM, 28/05/2023, consultado em 16 de outubro de 2024.

[3] Action Aid Policy Brief, «O ciclo vicioso: conexões entre a crise da dívida e a crise climática», Action Aid, abril de 2023, p.2..

[4] Ibid.

[5] Relatório Anual do Fundo Monetário Internacional 2023, página 3, acesso em 16 de outubro de 2024.

[6] «Igualdade climática: um planeta para os 99%», Oxfam, novembro de 2023, p.50.

[7] Jawad Moustakbal, «O setor energético marroquino, dependência eterna», 7 de dezembro de 2021, CADTM.