Os trabalhadores do setor audiovisual público de França estiveram em greve segunda e terça-feira. Tratou-se de um protesto contra o projeto de lei que visa criar uma holding única, a France Médias, que congregaria as várias rádios e jornais e responderia a um presidente único.
A paralisação fez-se sentir em canais como os da Radio France, da France Télévisions, da Radio France Internationale, integrada no France Médias Monde, e no Ina, Instituto Nacional do Audiovisual. Em vários destes órgãos de comunicação social, em vez da programação habitual havia música a preencher a grelha, como se podia ouvir na France Culture ou nas rádios locais ICI.
A greve coincidiu com o dia em que o projeto de lei começou a ser analisado em comissão na Assembleia Nacional. Este será objeto de uma primeira votação parlamentar mais tarde, provavelmente no próximo dia 10 se não houver nenhum adiamento. Da autoria do senador centrista Laurent Lafon, conta com apoio convicto da ministra da Cultura, Rachida Dati.
Os sindicatos, num comunicado conjunto de cinco estruturas sindicais, CGT, CFDT, FO, SNJ e SUD France Télévisions, opõem-se por considerar que estão em causa cortes orçamentais, “baixa de número dos efetivos de trabalhadores e degradação das condições de trabalho”. Para além disso, também a independência de cada um dos órgãos seria afetada, o que colocaria em causa a pluralidade da informação.
A ministra Dati, em entrevista ao Le Parisien na véspera da greve, rejeitou que tenha cortes em mente, afirma que mudança é “indispensável” para haver “eficácia” e “um grupo audiovisual forte” que possa concorrer com “grupos privados muito estruturados” e que se respeitará “a independência, as identidades e as especificidades” de cada um dos órgãos de comunicação social.
Em declarações à RFI, Éléonore Duplay, delegada sindical do Sindicato Nacional dos Jornalistas da CGT, não se fia. Pelo contrário, lembra o historial do que aconteceu sempre que tal foi prometido: “este tipo de reforma visa, antes de mais, economias, reduzindo as equipas e programas. Foi o que aconteceu na BBC e no Canadá”
Corre entretanto uma petição online contra o projeto de fusão que conta com mais de 103 mil assinaturas.
No campo da política partidária, a esquerda francesa também se opõe a esta ideia macronista. Apresentou mais de mil emendas ao projeto para serem analisadas, o que poderá arrastar a sua discussão. Algumas são pura e simplesmente sarcásticas como as que propõe substituir a palavra “reforma”, que se repete ao longo do texto, por “asfixia”, “desconstrução” ou “privatização”.
Já a extrema-direita também vota contra mas por razões simetricamente opostas. A União Nacional de Le Pen pretende a privatização do audiovisual público. Restam do lado do Governo os deputados do campo macronista e a direita dos Republicanos.
Outras greves no primeiro dia de abril
A coincidir com o segundo dia de greve no audiovisual público francês estavam outras lutas. Os trabalhadores da France Travail, o equivalente francês ao IEFP, paralisaram igualmente, seguindo um apelo dos sindicatos CGT, FSU, Sud e CFTC, em defesa das “missões” sociais que desempenham, das suas profissões, empregos, salários e ordenados.
Dizem-se “já fartos das últimas contra-reformas ao subsídio de desemprego” e denunciam um fluxo massivo de inscrições nos centros de emprego com as quais não têm condições para lidar devidamente. Nos últimos meses o país tem assistido a vários despedimentos em massa e o aumento do desemprego em 2024 foi o maior numa década.
Só que em vez de reforçar os quadros, a France Travail está a fazer o caminho inverso preparando-se para cortar com 2.900 postos de trabalho.
O Basta dá ainda conta da greve dos trabalhadores do setor médico-social que juntou os sindicatos CFDT, CFE-CGC, CGT, FO e Sud. Estes dizem enfrentar “uma situação de deterioração geral" e uma “austeridade orçamental cada vez pior” com o “bloqueio das negociações em acordos coletivos”.
Um dos pretextos para a greve foi a recusa do Ministério do Trabalho, Saúde, Solidariedade e Família, no final de fevereiro na mesa de negociações, de um aumento de 34 euros no setor da assistência domiciliária que acompanhava o aumento do salário mínimo.