Sleep 8: empresa prometeu criar 440 empregos há ano e meio, afinal vai despedir 75

06 de abril 2024 - 12:17

A fábrica de colchões de São João da Madeira, detida por uma empresa sueca, entrou com estrondo no mercado nacional há um ano e meio falando num investimento de dez milhões de euros e abrindo três lojas no país. Agora despede 35% dos seus trabalhadores. Uma história que crescimento que terá chocado com um capítulo russo.

PARTILHAR
Foto de uma loja da Sleep 8 em Portugal. Facebook da empresa.
Foto de uma loja da Sleep 8 em Portugal. Facebook da empresa.

A Advance Furniture Technologies é a filial portuguesa da Sleep 8 que, por sua vez, se apresenta na sua página oficial como “uma empresa com origem em Londres” que tem três lojas em Portugal e “em apenas três anos” abriu 36 lojas em oito países europeus”. É preciso ir à página da empresa no Reino Unido para perceber que, afinal, pertence a um grupo sueco, o Hilding Anders, tradicional no setor do mobiliário do país e quase até centenário. E é preciso ir à página deste para conhecer o KKR Credit Advisors um fundo de investimento que se apresenta como “uma empresa líder de investimento global que administra diversas classes de ativos alternativos, incluindo private equity, crédito e ativos reais, com parceiros estratégicos que administram fundos de hedge” que “visa gerar retornos de investimento atraentes para os investidores de seus fundos”. Aí se conhecem também os nomes do fundadores deste fundo: Henry Kravis, George Roberts e Jerome Kohlberg.

Com tão rápido crescimento, a marca especializada na venda de colchões e camas, pareceria uma história de sucesso retumbante. Em 21 de outubro, abria a sua fábrica em São João da Madeira. O investimento correspondia, segundo o anunciado, a dez milhões de euros, e as instalações foram adaptadas da antiga fábrica da colchões da Molaflex. Então, prometiam-se, para além dos 200 empregos iniciais, mais outros 240 para breve.

A inauguração, a 21 de outubro de 2022, lembra o Jornal de Negócios, contou a presença do secretário de Estado da Economia, João Neves, e nela a CEO Kateryna Akhtyrska Machado gabava a “visão” e os “valores” da empresa apostada na “melhoria da qualidade do sono”.

Cerca de ano e meio depois, a história de sucesso e de qualidade do sono não acabou bem para 75 dos 230 trabalhadores que vão ser alvo de um procedimento de despedimento coletivo. A justificação da empresa é que em 2020 e 2021 os resultados do mercado “eram bastante promissores” mas no ano a seguir “o mercado teve um comportamento completamente inverso àquela que era a tendência sentida até então, como é aliás amplamente reconhecido pela generalidade dos operadores económicos”. Houve assim “um decréscimo de cerca de 47% em número de unidades produzidas e de cerca de 46% no que concerne ao seu volume de negócios”.

Mas a história tem mais do que uma reviravolta abstrata no mercado da venda de camas. Na página britânica da Sleep 8 fica-se com mais pistas. Aí se liga também a empresa sediada em Londres à Askona Rus, uma empresa de mobiliário russa detida pelo Hilding Anders Group.

O leaverussia.org, página que, no âmbito da invasão russa da Ucrânia, monitoriza as empresas que continuam a fazer negócios com os oligarcas russos, mostrava, a 16 de junho de 2023, como os “laços com a Rússia” da empresa sueca “exacerbaram as suas dificuldades financeiras”. Esta encontrava-se naquela altura “a reestruturar a sua dívida pela segunda vez em menos de um ano”, revelando-se que tem uma participação acionista de 73% no fabricante russo de camas Askona Group, através de uma empresa sediada no Chipre, a Hailcroft Limited. As sanções implicaram que os negócios russos ficassem isolados do resto do grupo, contando a Hilding Anders ainda com “grandes operações” no país, sendo nomeadamente a partir daí fornecedor de colchões e camas para a IKEA. Esta comprava um milhão de colchões por ano, um quarto do total do negócio, que oficialmente terá cessado depois da invasão. O Leave Russia sublinhava a continuidade não só da presença da Hilding Anders na Rússia como da ligação entre as duas empresas suecas depois do início da invasão.

Dois dias depois, o Bloomberg noticiava que, no âmbito desta reestruturação, a KKR estava a entregar o total do capital da empresa sueca a um grupo de credores. A Hilding Anders “tinha 300 milhões de euros em empréstimos a prazo e 273 milhões de euros em obrigações antes desta ronda de reestruturação” escrevia-se.