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Senegal: “Jovens estão preparados para perder a vida no combate contra ditadura”

Perto de cem pessoas manifestaram-se este domingo no Rossio, em Lisboa, para denunciar a “ditadura extrema” de Macky Sall e os seus crimes, e para exigir a libertação imediata de Ousmane Sonko, o líder do partido Patriotas do Senegal pelo Trabalho, a Ética e a Fraternidade (Pastef), e de todos os presos políticos.
Esta é mais uma das ações de protesto que têm vindo a ser promovidas pela juventude senegalesa na diáspora. França, Itália, Canadá, Estados Unidos, entre outros países, bem como, no sábado passado, as cidades espanholas de Madrid e Barcelona, foram palco de iniciativas idênticas.
Ver Fotogaleria da manifestação em Lisboa contra a ditadura senegalesa e os seus crimes
Em Lisboa, o protesto começou com um minuto de silêncio em homenagem a todas as pessoas que morreram pelas mãos do regime ditatorial do Senegal, ao qual se seguiram palavras de ordem como “Macky Sall ditador”; “Macky Sall assassino”; “Libertem Sonko”; “Libertem África”.
Esta manifestação, convocada pelo Pastef, contou também com a presença de ativistas oriundos de países como Cabo Verde ou Guiné-Bissau, que se pronunciaram contra a política francesa em África, a delapidação dos recursos dos povos africanos, as guerras alimentadas por interesses estrangeiros; e pelo fim do colonialismo e do pós-colonialismo no continente africano. A situação no Níger, a centralidade da existência de urânio no país, a ingerência francesa e o direito à soberania do povo nigeriano não foram esquecidos.
Manifestação em Lisboa contra a ditadura e os crimes de Macky Sall e pela libertação dos presos políticos. Foto de Mariana Carneiro.
Uma das intervenções que marcou a iniciativa foi proferida por um representante da Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH), que lembrou a carta aberta enviada ao presidente senegalês Macky Sall por uma centena de ativistas, investigadores e jornalistas da Guiné-Bissau. A missiva denuncia “a deterioração da situação dos direitos humanos no Senegal com destaque pela instrumentalização da justiça para fins políticos, detenções arbitrárias dos opositores políticos e vozes discordantes, uso desproporcional da força contra os manifestantes, entre outros”. O representante da LGDH defendeu que “esta luta não é só do Senegal”, já que “estão em causa os valores da humanidade”. No seu entender, “todos os cidadãos comprometidos com os direitos humanos têm de fazer parte desta luta para mandar embora o ditador Macky Sall”.
Corrupção, violência e silenciamento
Durante a manifestação, foram vários os relatos de um Senegal depauperado - um dos “46 países menos desenvolvidos” e dos 25 mais pobres do mundo (dados da ONU e Banco Mundial) - capturado por uma elite bilionária que faz da corrupção e do saque dos recursos do país o seu modus operandi, e que serve os interesses franceses, entregando nas mãos de França as riquezas do país e nas mãos das multinacionais francesas que vampirizam o Senegal o controlo de sectores estratégicos da economia, nomeadamente na exploração de materiais primas, energia, telecomunicação e transportes.
Um país onde as instituições estão ao serviço das elites governativas e dos seus interesses, e onde a perseguição, o silenciamento e até a eliminação de quem se oponha ao regime ditatorial se tornou regra. Um país onde a justiça serve como instrumento de liquidação política dos adversários de Macky Sall, que quer “reduzir a oposição à sua mais simples expressão”. Neste Senegal “do passado”, não existe liberdade de expressão. A suspensão da internet, o corte do sinal do canal da televisão Walfradji, as ameaças que pendem sob os jornalistas, as prisões arbitrárias com recursos a acusações de “apelo à insurreição” e “terrorismo” são apenas alguns exemplos deste “estado de sítio”.
E tudo isto acontece em nome de uma ditadura sanguinária, em nome dos interesses franceses, mas também perante o silêncio e a cumplicidade da comunidade internacional.
Portugal não foge à regra. Em abril, João Cravinho, ministro dos Negócios Estrangeiros, foi recebido por Macky Sall no Senegal. Dois meses mais tarde, nos dias 20 e 21 de junho, foi a vez de Macky Sall ser recebido em Portugal pelo primeiro-ministro António Costa com todas as honras e solenidades institucionais. Sobre o sofrimento do povo senegalês, não foi dita uma palavra.
Recebi o Presidente do #Senegal, @Macky_Sall, no âmbito da visita de Estado que está a efetuar ao nosso país. Há já uma importante presença de empresas portuguesas no Senegal, mas ainda muito potencial para explorar em áreas como a economia azul, a energia, ou as infraestruturas. pic.twitter.com/K4dYcQMjCJ
— António Costa (@antoniocostapm) June 20, 2023
O ditador senegalês também foi recebido no Palácio de Belém, por Marcelo Rebelo de Sousa, e contou com um jantar em sua homenagem para celebrar as boas relações de amizade cordial e de cooperação entre os dois países.
Durante a visita a Portugal, sobre o sofrimento do povo senegalês, não foi dita uma palavra.
Ce mardi, S.E @Macky_Sall a pris part au dîner d’Etat organisé en son honneur par Marcelo Rebelo De Sousa, Président du Portugal.
Une occasion pour le Chef de l’Etat de réaffirmer les bonnes relations d’amitié cordiale et de coopération conviviale entre le et le . pic.twitter.com/fo4J0DBDG5
— Présidence Sénégal (@PR_Senegal) June 21, 2023
Antes da visita de Macky Sall a Portugal, o Pastef enviou uma carta ao Parlamento português a informar que Portugal iria acolher um ditador. E, aquando da visita do presidente senegalês, promoveu uma manifestação em frente ao seu hotel.
“No Senegal existe uma ditadura extrema”
O Esquerda.net esteve presente na manifestação contra a ditadura de Macky Sall e os seus crimes, e aproveitou a ocasião para falar com o coordenador e com o secretário-geral em Portugal do partido Pastef sobre o que está a acontecer atualmente no Senegal, sobre o apelo que é feito à comunidade internacional, e sobre que mudança representa Ousmane Sonko para o povo senegalês.
Boubacar Bolly foi perentório ao afirmar que “no Senegal existe uma ditadura extrema”. O secretário-geral do partido Pastef em Portugal lembrou que Macky Sall, que chegou ao poder em 2012, prendeu os seus principais opositores. “Começou por Karin Wade, o filho do anterior presidente, porque tinha medo que Wade pudesse ganhar as eleições em 2019. Prendeu Khalifa Sall, que também era seu opositor nas eleições de 2019. E, em 2024, quer eliminar Ousmane Sonko”, detalhou.
Campanha de Ousmane Sonko em 2019. Foto do Pastef.
Bolly assinalou ainda que existem 1200 presos políticos e que os jovens senegaleses estão a ser “presos, feridos, mutilados, mortos”. De acordo com o representante do Pastef, desde março de 2021, 60 senegaleses foram mortos, com a cumplicidade de França. “França fecha os olhos e não diz nada”, frisou, lamentando que ninguém fale sobre o que se passa no Senegal.
El Hadji Chérif Badji, coordenador do Pastef em Portugal, acrescentou que, desde que Macky Sall assumiu a presidência, “nunca fez nada pelos senegaleses”. “O seu objetivo é reduzir a oposição. Ao chegar ao poder, assumiu que pretendia ‘reduzir a oposição à sua mais simples expressão’”, recordou.
Chérif explicou que os senegaleses na diáspora querem denunciar o que se passa no Senegal. O coordenador do Pastef em Portugal traçou um retrato inequívoco da situação no país: “Aqui existe liberdade de expressão, mas, no Senegal, o simples facto de publicar alguma coisa nas redes sociais pode levar-te à prisão. Não existe liberdade de expressão no Senegal. Os manifestantes são presos, feridos, executados, muitos desaparecem”. Macky Sall foi ainda “o único presidente do Senegal a dissolver o principal partido da oposição”.
De acordo com Chérif, desde a independência, os senegaleses nunca tinham visto “uma ditadura deste género”.
“Sonko representa a rutura”
Bolly enfatizou que Macky Sall “não tem legitimidade para dirigir o Senegal”. “Ele deve partir em 2024 e ser substituído por Sonko. Sonko é a pessoa que vai desenvolver o Senegal, que vai dar a soberania aos senegaleses”, vincou.
Ousmane Sonko. Foto do Pastef.
O secretário-geral do Pastef avançou que “Sonko representa a alternativa, a rutura” no que respeita à relação que o Senegal tem com a França. “O Senegal tem zircão, tem ouro, mas as populações vivem na total precariedade. Os senegaleses não veem o ouro, não veem o zircão. É a França que beneficia de todos os nossos recursos”, apontou.
Bolly referiu ainda que Ousmane Sonko “não é contra a França, não é contra o povo francês, mas é contra a política francesa em África”. “Queremos a nossa soberania, queremos que os nossos recursos estejam ao serviço das crianças senegalesas, não queremos ser obrigados a emigrar para a Europa. Queremos ficar no nosso país e desenvolvê-lo. Queremos ter a dignidade que têm os europeus, que têm os norte-americanos. Queremos que o povo senegalês tenha a mesma dignidade que o povo português, francês, europeu, americano”, frisou. E, segundo o representante do Pastef, “essa é a visão que Ousmane Sonko encarna”.
Chérif realçou que, “atualmente, toda a juventude senegalesa coloca a sua esperança no líder político Ousmane Sonko”.
“É, efetivamente, a França que governa o país. Ousmane Sonko quer a soberania do Senegal, com um projeto, que é o projeto do Pastef. Temos propostas concretas para a governação do Senegal. Queremos a unidade de todos os senegaleses, que todas as pessoas possam ficar no Senegal e que quem está na diáspora possa voltar para o país. Queremos que os jovens possam trabalhar no seu país, e não tenham de apanhar um barco para se perderem no mar”, sublinhou.
O coordenador do Pastef em Portugal acrescentou que “Sonko é um presidente soberano”. “É o único presidente que não tem qualquer interesse sobre os recursos e o dinheiro do Senegal. Ele serviu quinze anos como diretor dos Impostos e nunca utilizou esse cargo para proveito próprio. Durante esses quinze anos, tudo o que fez foi em proveito dos senegaleses. Nunca utilizou o dinheiro dos Impostos, como fazem alguns dos seus diretores”, disse.
“Estamos preparados para perder a vida neste combate”
Bolly alertou que hoje não está somente em causa uma “eliminação política” da oposição, “é uma eliminação física”.
E deixou uma certeza: “Nós, que representamos 90% dos senegaleses, não vamos permiti-lo. Estamos preparados para defender o nosso líder Ousmane Sonko. Estamos preparados para dar as nossas vidas. Estamos preparados para defender o nosso país. É uma questão de soberania e patriotismo. E estamos preparados para perder a vida neste combate”.
O secretário-geral do Pastef em Portugal destacou que Macky Sall “tem de perceber que estamos mais do que determinados”. “Ele tem o poder e o dinheiro, mas nós temos a nossa determinação e o nosso patriotismo”, acrescentou.
Boubacar Bolly, secretário-geral do Pastef em Portugal, na manifestação em Lisboa contra a ditadura e os crimes de Macky Sall e pela libertação dos presos políticos. Foto de Mariana Carneiro.
Chérif reforçou esta ideia de uma determinação inabalável: “Os jovens já não têm medo da morte. Mesmo tendo consciência do perigo, os jovens continuam a sair às ruas para baterem-se pela democracia e pela soberania”.
“A dignidade humana não tem cor”
“O presidente acusa-nos de sermos criminosos e terroristas. Não é esse o caso. Pode chamar aqueles que aqui estão hoje de criminosos? Não. Temos o direito a manifestar-nos. É um direito constitucional. Macky Sall acusa-nos de sermos criminosos porque temos consciência do que se passa no país e estamos a denunciá-lo. Todos os que estão no governo são bilionários. E a política não pode ser feita em nome e em defesa dos interesses dos bilionários”, afirmou Chérif.
El Hadji Chérif Badji, coordenador do Pastef em Portugal, na manifestação em Lisboa contra a ditadura e os crimes de Macky Sall e pela libertação dos presos políticos. Foto de Mariana Carneiro.
O coordenador do Pastef em Portugal pediu à opinião internacional para “voltar-se para o que está a acontecer no Senegal”. “Macky Sall pode prender e torturar jovens porque tem o apoio do governo francês, que tem interesses em África e não quer perdê-los”, referiu Chérif.
Bolly enfatizou a importância de a comunidade internacional começar a “olhar para o que está a acontecer no Senegal”, a ter em conta as “exigências do povo senegalês”. “Não somos um povo violento. Há anos que lutamos contra um ditador que nos está a prender, a ferir, a matar”, salientou.
O secretário-geral do Pastef em Portugal lembrou que o partido apresentou um memorando ao Tribunal Penal Internacional sobre o que se passa no Senegal e exortou a ONU e todas as organizações internacionais a baterem-se “pela dignidade humana, pelos direitos humanos, pela liberdade de expressão”, para “permitir que o povo senegalês possa comandar o seu futuro”.
“Trata-se da dignidade humana, e a dignidade humana não tem cor”, evidenciou.
Sobre se é possível ter Sonko como presidente em 2024, ambos garantiram que será “uma realidade”, já que é a “lógica natural das coisas”.
Segundo defenderam, Sonko representa “a esperança do povo senegalês”, ele “reencarna o futuro”, na medida em que não é possível “continuar um regime que se apropria” dos recursos do povo senegalês.
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