Soube-se que as empresas públicas portuguesas entraram, ao longo da última década, em múltiplos instrumentos de gestão do risco financeiro, designados de swaps“exóticos” e “tóxicos” (ver caixa “swaps” e “swaps”). De acordo com os boletins informativos sobre o sector empresarial do estado (SEE), divulgados pela DGTF, existiam, no final do segundo trimestre de 2011, 142 swapscom valor contratual de €15,1 mil milhões e perdas potenciais equivalentes a mais de 10% desse valor, € 1647 milhões. Um ano e meio depois, em finais de dezembro de 2012, os swapsreduziram-se para 126, enquanto que o valor contratual contraiu 20%, para €12,1 mil milhões. As perdas potenciais, porém, aumentaram quase para o dobro, € 2840 milhões, havendo quem refira que ultrapassaram os €3 mil milhões.
Sabemos agora que cerca de 90% das perdas potenciais se deviam a contratos com elevado grau de opacidade, dada a criação de estruturas financeiras fortemente alavancadas por opções em que não é possível destrinçar os derivados financeiros plain vanilla,que as compõem, nem proceder à sua cobertura, e de carácter predatório, dado o desequilíbrio inicial favorável aos bancos que colocavam as empresas públicas a perder desde o primeiro dia. Também se sabe que foi a consistente falta de fundos que levou estas empresas a incorrer de uma forma generalizada estes riscos adicionais, vendendo opções que imporiam custos usurários no futuro numa vã tentativa de captar um prémio no momento de contratação do swape, por esta via, equilibrar a falta de fundos ou melhorar temporariamente as condições de financiamento.
Entretanto o governo já procedeu à denúncia de 69 contratos junto de 9 bancos, reduzindo as perdas potenciais para metade. Para isso, transformou em perdas efetivas mais de mil milhões de euros, pagando dois terços do valor de mercado dos contratos. Falta ainda negociar a rescisão antecipada com o Banco Santander responsável por perdas potenciais da ordem dos €1,3 mil milhões. Os bancos bem-comportados conseguiram assim receber entre 54% e 86% do valor de mercado dos ditos swaps. A JP Morgan, um dos primeiros a meter o governo português em tribunal, já começou a capitalizar da sua “boa vontade” tendo sido selecionada para assessorar o governo na privatização dos CTT.
O problema dos swapstem evidentemente implicações diretas no bolso dos contribuintes. Tende a agravar os impostos e cortes no estado social, retira ao Estado recursos que poderiam ser utilizados para criar emprego. Aprofunda a crise da austeridade.
Será que o problema está a ser resolvido? Será que o interesse público muitas vezes invocado para manter o secretismo das negociações está a ser assegurado? Ou será que pelo contrário, os mercados financeiros e seus representantes estão a conseguir tirar proveito do seu ascendente e da sua influência em todo o processo de resolução. Senão vejamos:
1. Para assessorar, foi contratada uma boutiquefinanceira, propriedade de ex-banqueiros que no pós-crise se reciclam sob tão singela designação, continuando, porém, a exercer as mesmas funções: - de brokere dealerde títulos financeiros, aconselhamento e execução de operações de financiamento, reestruturação de balanços e gestão e reestruturação de passivos, em suma a operações tradicionais de um banco de investimento não isentas de conflito de interesses dado o potencial para utilizar informação privilegiada em benefício da própria “boutique”;
2. A via negocial foi o método de resolução encontrado. Porém, tal implicou que se tivessem tornado efetivas uma parte substancial das perdas potenciais através do unwind, leia-se denúncia com liquidação da posição de acordo com o mark-to-market, dos swaps, em linha com as “boas práticas” impostas pela ISDA – a associação internacional de swapse derivados que regula as transações com derivados realizadas fora de bolsa. O facto do país não estar em condições de esbanjar recursos, e das empresas não terem capital, tendo contudo de pagar juros pelos adiantamentos feitos pelo Estado que, praticamente, anulam qualquer possível poupança, foi completamente ignorado pelo governo que rapidamente se transformou, ele também, em intermediário financeiro;
3. Ignorada também foi a resolução por via judicial, não obstante um parecer jurídico da Cardigos & Associados, entregue ao governo em Setembro 2012, que argumenta que operações desta natureza carecem de visto prévio dado pelo Tribunal de Contas. A sua inexistência tem como efeito a declaração retroativa da nulidade do contrato e com isso a restituição de quaisquer valores pagos. O mesmo parecer alerta para a desproporcionalidade de informação e conhecimento entre os bancos e seus clientes, impondo aos primeiros deveres reforçados de informação, e para a possibilidade de declarar nulo contratos cujo design financeiro apenas beneficie uma das partes. Também José Lebre de Freitas havia alertado que contratos especulativos, os que não se destinam a cobrir riscos económico-financeiros reais, são considerados nulos segundo o direito português, regidos pelo código civil e equiparados a contratos de jogo e de aposta, dando lugar à restituição das verbas trocadas ou arrecadando os pagamentos passados, eliminando, porém, a possibilidade dos bancos arrecadarem quaisquer outros pagamentos.
Na verdade, apesar de consciente da forte evidência sobre o carácter predatório e usurário das operações de swapcontratadas pelas empresas públicas, do desequilíbrio de poder intrínseco ao relacionamento entre estas e a banca – especialmente a banca internacional, e de todos os pareceres jurídicos que corroboravam uma bem sucedida via litigiosa, o governo optou por soluções que continuam a beneficiar o sector financeiro. A via negocial – sempre com o intuito de preservar a relação com os credores - aceita incondicionalmente a atual estrutura e impede que se debata e reforme o sistema de financiamento das empresas públicas e se procure reformas alternativas, nomeadamente, que se debata a questão do financiamento da República e, indiretamente, das empresas públicas, por impostos ou por dívida.
Será caso para dizer, citando José Vítor Malheiros, que “este Governo nunca percebeu que foi eleito pelo povo para servir o povo, o país e a democracia. Pensa que o povo só serve para protestar e precisa de chicote, acha que o país é um pin que se espeta na lapela e quanto à democracia não sabe-não responde. Não saberá que nos deve contas? Não sabe. Acha que só deve aos bancos e só sabe que o património público é uma coisa óptima para vender aos amigos.”
Artigo de Eugénia Pires, publicado em auditoriacidada.info