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Robôs e magnatas ladrões

A economia norte-americana está, segundo a maioria dos indicadores, em profunda depressão. Mas os lucros das grandes empresas batem recordes. Como é que isto é possível? Simples: os lucros sobem enquanto os salários e compensações pelo trabalho caem.
Foto Manu_H/Flickr

O bolo não está a crescer da maneira que deveria, mas o capital vai bem obrigado por apanhar um pedaço enorme dele. Às custas dos trabalhadores.

Espere, nós realmente voltámos a tratar da relação capital versus trabalho? Essa não é uma discussão fora de moda, quase marxista, para a nossa moderníssima economia? Bem, muita gente pensa assim. Para as últimas gerações, as discussões sobre desigualdade recaíam não na relação capital-trabalho, mas em questões de distribuição de rendimento entre trabalhadores. Essas questões, porém, talvez já não tenham tanto para nos dizer.

Isto é, embora seja inegável que o pessoal do mercado financeiro continua a ganhar dinheiro que nem bandidos – em parte porque, como sabemos, alguns são bandidos – a diferença salarial entre os trabalhadores com curso superior e sem curso superior, que cresceu muito nos anos 1980 e no começo dos 90, não mudou muito desde então. De fato, os que se licenciaram mais recentemente tiveram os seus rendimentos estagnados mesmo antes da chegada da crise. Os lucros sobem cada vez mais às custas dos trabalhadores, inclusive daqueles que supostamente prosperariam no mercado atual.

Por que é que isso está a acontecer? Ao que sei, há duas explicações plausíveis, sendo ambas verdadeiras até certo ponto. Uma diz que a tecnologia colocou os trabalhadores em desvantagem; a segunda que estamos a sofrer os efeitos de uma monopolização. Imaginemos que há robôs de um lado, ‘robber barons’ (termo muito usado para caracterizar os grandes capitalistas do século XIX que, traduzido livremente, significa magnatas ladrões) do outro.

Primeiramente, os robôs. Não resta dúvidas de que, em algumas das mais expressivas indústrias do mundo, a tecnologia está a tomar o lugar de todos, ou de quase todos, os tipos de trabalhadores. Por exemplo, um dos motivos pelos quais as fábricas de alta tecnologia regressam para os EUA é que as placas-mães, as mais importantes das peças de computadores, são essencialmente feitas por robôs. A mão de obra asiática barata deixou de ser um motivo para que elas sejam produzidas no exterior.

Num livro recente, Race Against the Machine (Corrida Contra a Máquina), Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee, ambos do Massachusets Institute of Technology, argumentam que histórias similares podem ser contadas sobre outras áreas, como as de tradução e pesquisa jurídica. O que mais impressiona dos exemplos apresentados no livro é que estão a ser encerrados cargos de alta remuneração e especialização, nem só os subalternos são vítimas da tecnologia.

Todavia, a inovação e o progresso podem realmente prejudicar um grande número de trabalhadores, talvez até os trabalhadores em geral? Eu costumo deparar-me com declarações de que isso é impossível. A verdade, no entanto, desmente essas afirmações. Economistas sérios sabem disso há quase dois séculos. David Ricardo, economista do início do século XIX, é mais conhecido por sua teoria da vantagem comparativa, que oferece boas razões para o exercício do livre-mercado. Mas o mesmo livro que apresenta tal teoria incluía um capítulo sobre como as tecnologias da Revolução Industrial poderiam piorar a situação dos trabalhadores, pelo menos durante um tempo – que posteriores estudos sugerem ter durado décadas.

E quanto aos robber barons? Atualmente não se fala muito sobre monopólio. Toda a ação que se opunha ou servia para regular os monopólios foi colapsada durante os anos Reagan e disso nós nunca nos recuperamos. Contudo, Barry Lynn e Phillip Longman da New America Foundation defendem, muito persuasivamente na minha opinião, que a monopolização é um fator crucial para a estagnação do trabalho, visto que as grandes empresas usam o seu poder para aumentar preços sem transferir ganhos para os empregados.

É difícil saber quanta da desvalorização do trabalho é explicada pela tecnologia ou pela monopolização, em parte porque há pouca discussão sobre o que está a acontecer. Penso ser justo dizer que o deslocamento dos proventos do trabalho para o capital ainda não ocupa o lugar devido na discussão sobre a economia norte-americana.

Esse deslocamento, porém, está aí e tem muitas implicações. Por exemplo, há um impulso enorme e generosamente financiado no sentido da redução dos impostos sobre as grandes empresas. É possível desejarmos isso numa época em que o lucro cresce a despeito dos interesses dos trabalhadores? E o que dizer do movimento de redução do imposto sobre heranças? Uma vez que nós caminhamos em direção a um mundo em que o capital financeiro, não a formação ou a perícia, determina o rendimento, é possível desejarmos facilitar a herança de grandes riquezas?

Como eu disse, esta discussão mal começou. Mas é hora de fazê-lo, ou os robôs e os robber barons transformarão a nossa sociedade em algo irreconhecível.


(*) Paul Krugman é professor de Economia e Relações Internacionais na Universidade de Princeton e escrever regularmente para o New York Times. Krugman recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2008.


Tradução de André Cristi, na Carta Maior. Artigo original aqui.

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