Revisão do PEC: Gusmão critica acordo preliminar entre socialistas e direita

13 de dezembro 2023 - 20:52

Em causa está o quadro que impõe aos Estados-Membros da UE uma dívida pública inferior a 60% do PIB e um défice orçamental de 3% do PIB, utilizando, em casos extremos, sanções coercivas.

PARTILHAR
Comissão de Assuntos Económicos e Monetários
Comissão de Assuntos Económicos e Monetários. Foto de Ale Conrado/Parlamento Europeu

Esta segunda-feira, no Parlamento Europeu, foi aprovado em comissão de especialidade um acordo entre os socialistas europeus e a direita para a revisão das regras de governação económica. 

Em causa está o quadro que impõe aos Estados-Membros da UE uma dívida pública inferior a 60% do PIB e um défice orçamental de 3% do PIB, utilizando, em casos extremos, sanções coercivas.

A proposta da Comissão apresentada em abril, está a ser debatida simultaneamente no Parlamento Europeu e no Conselho. Espera-se um acordo final entre as três instituições no final do primeiro trimestre do próximo ano para que se aplique as novas regras e as atuais deixem de estar suspensas. No entanto, a negociação entre os ministros das Finanças continua bloqueada.

PS e PSD ajudaram a rejeitar o debate em plenário

Horas antes do voto, o eurodeputado José Gusmão pediu que se levasse a debate no plenário este pacote legislativo, apelando que não se trata de uma discussão apenas da Comissão de Assuntos Económicos e Monetários (ECON), mas que afetaria as respostas políticas sociais de combate à pobreza, acesso a serviços públicos, como a saúde e a habitação, bem como políticas ambientais e de transição energéticas. Defendeu que “não é compreensível que ele seja feito à pressa e às escondidas nessa comissão (...) os cidadãos têm o direito de saber quais são as posições de todos os grupos e de todos os deputados”.

As negociações no Parlamento foram encabeçadas por Margarida Marques (S&D) e Ester de Lange (PPE), representantes dos dois maiores grupos políticos. Enquanto o Partido Popular Europeu esteve unido na aprovação, o grupo dos Socialistas Europeus teve votos diferentes. Os socialistas franceses, por exemplo, emitiram um comunicado em conjunto a explicar o seu voto contra.

O pedido para debate foi rejeitado, contando com os votos contra do PS e do PSD. Gusmão explicou nas redes sociais que essa rejeição é explicada pela maioria conseguida horas mais tarde na ECON. “A composição da maioria explica essa opacidade. O PS, representante do grupo socialista europeu nestas negociações, não teve o apoio de todo o seu grupo e aprovou o acordo com o apoio dos conservadores e dos liberais”.

Foi aprovado na comissão ECON o mandato direto para negociações em trílogo, isto é, sem passar pelo voto em plenário. Em janeiro, A Esquerda e os Verdes irão contestar esse mandato para que seja votado por todos os eurodeputados. 

Acordo final no Parlamento impõe cortes na despesa e dá poderes absolutos à Comissão

O desenho geral da proposta da Comissão é mantido: os Estados-Membros que ultrapassem os limites da dívida pública e do défice orçamental passam a definir planos de quatro anos com uma trajetória descendente para a despesa primária líquida. Podem ser estendidos até 7 anos e devem detalhar os investimentos e reformas considerados credíveis. Caso haja um desvio desse plano, os países serão avisados pela Comissão, podendo chegar a ser mais tarde sancionados. Vejamos melhor por pontos.

Primeiro, a utilização da despesa primária líquida como variável única de ajustamento institucionaliza a austeridade. Assume-se que para garantir a sustentabilidade da dívida pública e do défice a única solução económica é a contração da despesa pública, tratando-a de forma indiscriminada. O próprio FMI publicou recentemente um estudo mostrando que, em média, políticas de contração orçamental não levaram a diminuição do rácio da dívida pública. 

Em vez desta variável, o Bloco de Esquerda, representando o grupo d’A Esquerda nas negociações, propôs utilizar o saldo primário (i.e. descontando o pagamento de juros) como variável de análise. Esta escolha permitiria aos países fazer uso também do lado das receitas, nomeadamente com um melhor desenho do seu sistema fiscal, e assegurar despesas fundamentais, como o investimento público, que, por sua vez, têm também um efeito positivo no crescimento. 

Segundo, o texto aprovado altera a definição de despesa primária líquida para descontar também parte da despesa com o co-financiamento de programas europeus e custos dos empréstimos com os planos do RRF. No entanto, não faz um tratamento diferenciado para o investimento público. O Bloco propunha uma regra de ouro para garantir que cortes no investimento não sejam uma estratégia de balanço das contas públicas.

Terceiro, a prioridade para José Gusmão durante as negociações foi a defesa do poder democrático, permitindo os governos eleitos decidir sobre as suas estratégias orçamentais. Para isso era preciso que a trajetória da despesa, que norteia todo o plano nacional, fosse decidida pelo Estado-Membro em questão e que a revisão do plano em caso de posse de um novo governo não fosse condicionada pelo governo anterior em funções. 

Na versão final, cai a noção de “trajetória técnica” desenhada pela Comissão e é introduzida uma “trajetória de referência” que pode ser negociada, “quando aplicável”, com o Estado Membro. No entanto, a direita, com a conivência dos socialistas, fez questão de deixar no texto a possibilidade de imposição final da vontade da Comissão em caso de desacordo com o país sobre a trajetória de referência, mesmo que a proposta nacional respeite os parâmetros definidos no regulamento. Mantém-se ainda a cláusula que impõe que a revisão de um plano deve seguir o mesmo nível de consolidação orçamental anterior. 

Para além disso, o Conselho tem ainda o poder de rejeitar a trajetória da despesa se avaliar que o plano de investimentos e reformas associado não é credível. Se assim for, pode impor uma trajetória emitida pela Comissão. 

Quarto, os desvios dessa trajetória aprovada são contabilizados na chamada “conta de controlo” de forma cumulativa. O texto do Parlamento introduz um máximo aceite para esse desvio da despesa: 1% do PIB em anos de crescimento. A partir daí, o país é considerado em “risco significativo” o que levará a um primeiro aviso da Comissão. Este é o primeiro passo para possíveis sanções sob o Procedimento de Défices Excessivos. 

Por fim, é introduzida uma derrogação temporária para despesa em investimento público. No entanto, quando se olha para os detalhes, torna-se claro que a sua utilização efetiva pelos países será quase nula. Os investimentos terão de criar valor para a UE como um todo e não apenas para o país em causa, o desvio permitido para a despesa é limitado a um máximo de cinco anos e será mediante pedido à Comissão e respetiva autorização.

José Gusmão conclui nas suas críticas que “os únicos pontos verdadeiramente decentes deste acordo são os novos poderes de escrutínio dados ao Parlamento Europeu e a discussão dos planos nos parlamentos nacionais respetivos. Tudo eclipsado pelos poderes monstros dados à Comissão e ao Conselho”. O grupo d’A Esquerda votou contra este acordo.