Reportagem: exploração de petróleo contestada em Portugal

05 de setembro 2016 - 10:21

Em 2011 começaram a ser atribuídas as 15 concessões existentes para exploração de hidrocarbonetos em Portugal. A contestação popular no Algarve já levou ao adiamento indeterminado de dois furos, e vários grupos, como o recém formado Movimento Peniche Livre de Petróleo, tentam replicar o mesmo resultado.

PARTILHAR
Papagaio de papel em versão barco de piratas contra o petróleo, numa praia no Algarve. Foto de Paula Nunes, no facebook da ASMAA Algarve Surf & Marine Activities Association.

Esta reportagem está incluída no terceiro programa do “Mais Esquerda”, o programa de atualidade política do esquerda.net. O programa pode ser visto aqui (e a versão completa aqui), e a reportagem, com comentários da atriz e poeta Sónia Balacó e de João Camargo, investigador em alterações climáticas, aqui.

Existem 15 concessões para exploração de gás e de petróleo no território continental português. As concessões estão espalhadas por todo o país abaixo do Porto, correndo todo o litoral, em terra e no mar. Este processo de concessão iniciou-se em 2007 com Manuel Pinho, então ministro da Economia.

Ao largo do Algarve, as primeiras concessões fizeram-se em 2011, sob a batuta de Álvaro Santos Pereira, primeiro ministro da Economia de Passos Coelho, e foram entregues à Repsol e à RWE, cuja parte seria transferida em 2012 para a Partex, a petrolífera propriedade da Fundação Calouste Gulbenkian.

A 4 de setembro de 2015, Jorge Moreira da Silva, ministro do Ambiente de Passos Coelho, a um mês das novas eleições, entrega duas concessões em terra no Algarve a Sousa Cintra e à sua recém-formada empresa Portfuel; a quem, três semanas depois, entrega mais duas concessões, também em terra, no Algarve. No dia 30, Moreira da Silva entrega outras duas concessões em terra, na Batalha e em Pombal, à Australis Oil & Gas. Nas eleições legislativas de 4 de outubro, o governo PSD-CDS sai do poder.

Estas concessões foram todas entregues ao abrigo do Decreto-Lei nº 109/94. O seu objetivo foi facilitar a exploração de combustíveis fósseis, juntando num só os anteriores 4 títulos entregues pelo Estado (sondagem, prospeção, desenvolvimento e produção).

Falámos com Luísa Schmidt, Socióloga no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, membro do Conselho Nacional de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e do European Environment Advisory Council, sobre as concessões. “É uma decisão que vai em contra-ciclo a tudo o que o próprio mundo está a decidir, com todas as dificuldades que sabemos que isso implica, mas, neste momento, a tendência é, nas sociedades de baixo carbono, sair do paradigma do carbono. Ora, Portugal estar a iniciar algo que, no fundo, é uma política energética do século XIX, é um anacronismo”, criticou a investigadora.

Relativamente ao valor que caberia ao Estado português, o somatório das rendas para toda a área terrestre é de pouco mais de 42 mil €/mês e de toda a área marinha seriam de 575 mil €/mês. Segundo a Forbes, em 2016, Cristiano Ronaldo é o atleta mais bem pago do mundo e recebe 6 milhões e 570 mil de euros por mês.

A esse valor, somam-se as royalties, isto é, o valor pago pelo barril de petróleo, que nas concessões no Algarve andarão entre os 0,1% e os 5% e nos contratos em terra, entre 3 a 8%, conforme a produção. Por último, todo o petróleo e o gás descobertos pertenceriam integralmente à concessionária, sem qualquer obrigatoriedade de ficar no país. Ou seja, mesmo com exploração de petróleo, a o preço da gasolina não iria baixar por causa disso.

Luísa Schmidt afirma que “se as pessoas souberem que além do mais, do ponto de vista económico, que é a algo a que os portugueses estão muito sensíveis, não lhes traz praticamente vantagem nenhuma, são contratos feitos de uma maneira economicamente desastrosa, em que o país terá alguma coisa a haver daqui por mais de 10-15 anos, e com percentagens ínfimas por barril, o país vai beneficiar muito pouco, as contas estão feitas, é muito pouco dinheiro a entrar para nós todos, para o país, quando comparamos com o impacto extremamente negativo que pode ter sobre outras atividades económicas e sobre o nosso bem estar em geral”.

De facto, um pouco por todo o país, surgiram nos últimos meses ações e petições contra o petróleo, houve uma participação massiva nas consultas públicas, e, no Algarve, todos os 16 autarcas da região colocaram providências cautelares para travar este processo. Nessa região, apareceram ou ganharam destaque vários movimentos, como a ASMAA, a Plataforma Algarve Livre de Petróleo, o Tavira em Transição, o STOP Petróleo Vila do Bispo, o Movimento Algarve Livre de Petróleo, o Preservar Algarve – Aljezur e Odeceixe, por exemplo e a nível nacional, surgiu o Movimento Futuro Limpo.

A pressão foi tanta, que no final de julho a Galp anunciou a decisão de adiar a perfuração na costa alentejana e o seu presidente disse que o contrato de concessão tem de ser revisto. Menos de duas semanas depois, foi a vez de a Repsol anunciar que decidiu adiar o furo na costa do Algarve, sem marcar nova data.

Peniche é uma das localidades que podem vir a ser afetadas pela prospecção de hidrocarbonetos. Em julho criou-se o Movimento Peniche Livre de Petróleo que ao longo do mês de agosto fez uma campanha de fotografias de banhistas contra o petróleo. No dia 21, nas Berlengas, Reserva Mundial da Biosfera da UNESCO, o movimento lançou uma petição à Assembleia da República pelo cancelamento dos contratos de prospecção e produção de petróleo na Bacia de Peniche e na Bacia Lusitânica.