O Governo deixou cair o arrendamento acessível como uma das modalidades obrigatórias para que as autarquias possam reconverter solos rústicos em urbanos ao abrigo da nova lei dos solos. A ausência da referência ao arrendamento acessível na versão promulgada e publicada em Diário da República foi revelada esta sexta-feira pelo Público, que confrontou a versão final com a versão da lei apresentada aos jornalistas no início de dezembro após a reunião do Conselho de Ministros.
Questionado pelo jornal sobre as razões desta alteração, o Governo começou por responder que não havia alteração, para depois explicar que a versão distribuída aos jornalistas era uma “versão de trabalho” da lei e argumentar que a modalidade de arrendamento acessível está implícita na de habitação pública. No entanto, o arrendamento acessível é uma modalidade de habitação que pode ser disponibilizada por proprietários privados e neste caso seria mesmo a única que permitiria a construção em solos reconvertidos graças à nova lei de casas com rendas abaixo dos preços de mercado (20% abaixo da mediana dos preços em cada município). No conceito de “habitação de valor moderado” que o Governo introduziu, é definido que "o preço por metro quadrado de área bruta privativa não exceda o valor da mediana de preço de venda por metro quadrado de habitação para o território nacional ou, se superior, 125% do valor da mediana de preço de venda por metro quadrado de habitação para o concelho da localização do imóvel, até ao máximo de 225% do valor da mediana nacional". Ou seja, as casas a construir por privados nestes terrenos poderão ser vendidas a preços acima do mercado, que já é inalcançável para a maioria da população que vive e trabalha em Portugal.
A coordenadora do Bloco de Esquerda já tinha criticado a versão da Lei dos Solos que o Governo apresentou e reagiu esta sexta-feira à notícia dizendo que “a cada elemento novo que sabemos deste processo, comprova-se a ideia que denunciámos: esta lei não é sobre habitação, é sobre negócio imobiliário”.
Mariana Mortágua referiu ainda a entrevista dada na véspera pelo ministro Castro Almeida que quando confrontado por um jornalista com o facto de Portugal tem o terceiro maior stock de casas da Europa e de uma em cada quatro casas construídas estarem vazias, lhe respondeu que “Não me interessam as estatísticas para nada”.
“Quando o ministro disse isto revelou o propósito da lei. Esta não é uma lei para resolver o problema da habitação. Quem quiser resolver o problema da habitação tem um remédio: olhar para as estatísticas, ver o que dizem os especialistas e perceber que há um problema com casas vazias e casas que estão a ser desviadas para usos habitacionais relacionados com o turismo de luxo e o turismo massificado e alojamento local”.
Mas com esta lei o Governo segue o caminho inverso, acrescentou Mariana Mortágua. “O que o Governo quer fazer é pegar em solos rústicos que valiam muito pouco e dar às Câmaras a possibilidade de numa reunião com um processo simplificado decidirem que esses solos passam valer 50 ou 60 vezes mais. São as portas abertas aos negócios, á especulação, à corrupção e à construção em zonas protegidas, leitos de cheia, etc”.
Assim, “o facto de nós sabermos que a habitação acessível chegou a estar no documento mas foi retirada é só a prova de que o Governo não quer mesmo saber da habitação e não tem vergonha de o dizer, como o ministro Castro Almeida não teve vergonha de dizer que não lhe interessam as estatísticas para nada”, prosseguiu, concluindo que as únicas coisas que interessam ao Governo são “as perceções e o negócio”.
Bloco desafia PS e Chega a travarem lei que abre a porta à corrupção e especulação
A coordenadora bloquista insistiu nas críticas feitas anteriormente a esta lei por considerar que vai promover a corrupção, a especulação e a destruição do território. E com o pedido de apreciação parlamentar requerido pelo Bloco e outros partidos, a Assembleia da República vai poder pronunciar-se sobre ela.
Por isso, Mariana Mortágua lançou o desafio às bancadas do Chega e do PS. “Esta lei vai promover a corrupção. Como é que o Chega vai votar? Vai votar uma lei que promove a corrupção como votou os offshores e os vistos gold?. Esta é uma lei que promove a especulação imobiliária. Como é que vai o PS votar? Será que vai ceder à pressão da especulação imobiliária e da construção sem limites ou vai tomar a posição certa e coerente que é defendida por centenas de especialistas na área que alertam para o desastre futuro desta lei?”, questionou.
No que toca à posição do Bloco, Mariana Mortágua reafirmou que “Portugal já penou muito com estes erros do passado e estamos a tempo de poder evitar a repetição destes erros”, chumbando esta lei dos solos.