Relatório confirma situações de abuso de poder e assédio no CES

13 de março 2024 - 17:45

O relatório final da comissão independente criada após as denúncias de assédio no Centro de Estudos Sociais de Coimbra aponta o dedo à "hierarquia piramidal" da instituição por propiciar situações de assédio e negligenciar as denúncias. A seguir à publicação do relatório, a direção do CES pediu desculpas públicas às vítimas.

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Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
Foto Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra/Facebook

Um ano depois de terem sido notícia as denúncias de casos de assédio sexual e abuso de poder no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES), a comissão independente criada pela instituição para as investigar divulgou as suas conclusões num relatório final.

Embora não tenha sido capaz de esclarecer todas as situações denunciadas, dada a divergência entre os relatos e documentos apresentados por denunciantes e denunciados, a comissão conseguiu concluir que as informações recolhidas "indiciam padrões de conduta de abuso de poder e assédio por parte de algumas pessoas que exerciam posições superiores na hierarquia do CES", a instituição dirigida na altura por Boaventura de Sousa Santos, um dos principais alvos das denúncias por parte de várias ex-investigadoras do CES.

"A estrutura hierárquica do CES gerou profundos desequilíbrios de poder e desconfiança entre estudantes em relação às pessoas que ocupavam cargos diretivos nos seus órgãos ao longo dos anos", aponta a conclusão do relatório, acrescentando que um número restrito de pessoas concentrava o poder e decisão na gestão dos projetos financiados.

O relatório aponta os processos de familiaridade, a "confusão" entre as esferas profissional e privada ou a realização de reuniões em espaços privados entre pessoas em posições hierárquicas diferentes e dependentes, que "não se coaduna com uma boa e responsável prática académica". Este tipo de situações no quotidiano da instituição "propiciou situações de conflito de interesse, de assédio e de abuso de poder", conclui a comissão, destacando que os e as estudantes e investigadoras que vinham do estrangeiro eram particularmente vulneráveis a situações desse tipo.

As situações analisadas "deram-se verticalmente na hierarquia piramidal da organização, tanto “de cima para baixo” como “de baixo para cima”, sendo que a maior responsabilidade na interação dentro da academia é de quem está efetivamente no poder, ou seja, “acima”", apontam.

Por outro lado, "a exigência laboral desproporcional, a precariedade dos vínculos profissionais e a alta competitividade poderão ter contribuído para situações de favoritismo e de parcialidade comprometendo a integridade que se espera de uma instituição académica e  de formação", prossegue o relatório.

Embora sublinhe que os mecanismos de prevenção e combate ao assédio na instituição foram postos em prática após a ocorrência dos factos em análise, a comissão critica ainda a "negligência" dos dirigentes do CES face às denúncias de situações de assédio no espaço público, como as pichagens no muro de Coimbra que deram o mote à publicação de um artigo numa revista científica que acabou por estar na origem das novas denúncias.

Ao não atuarem sobre essas denúncias, os dirigentes do CES "subvalorizaram-nas e, com isso, podem ter contribuído para a eventual perpetuação das mesmas", o que "indicia uma maneira leviana de atuação sobre alegados comportamentos que deveriam, por parte de um órgão executivo, ser levados muito a sério, nomeadamente, através de uma investigação interna".

No capítulo das recomendações, a comissão propõe o fortalecimento dos mecanismos de prevenção e combate ao assédio, em que estejam representados todos os membros da comunidade do CES, incluindo os estudantes. Defende também que a pessoa que ocupa o cargo da Provedoria do CES seja eleita por uma comissão que represente a comunidade e deixe de ser designada por quem dirige a instituição. No que diz respeito aos órgãos do CES, propõe a participação efetiva dos membros da comunidade, acabando com a ausência dos estudantes no Conselho Científico ou na decisão dos órgãos deliberativos.

O melhor mapeamento dos casos através de inquéritos internos anonimizados, a formação e sensibilização dos gestores e coordenadores de equipas, a maior transparência e tratamento de casos de conflitos de interesses, favoritismo e nepotismo são outras das recomendações, a par da adoção de um guia prático sobre o reconhecimento do assédio e abuso e o seu tratamento por parte da instituição, que sirva de protocolo de atuação de forma ágil para proteger a confidencialidade e apoiar denunciantes e testemunhas.

Direção do CES pede desculpas públicas

Em carta aberta divulgada após serem conhecidas as conclusões da comissão independente, a direção e o Conselho Científico do CES  dirigira-se às pessoas que se consideram vítimas de comportamentos de assédio ou abuso no contexto de atividades do CES, para "apresentar um pedido de desculpas público pela experiência pela qual passaram, pelo sofrimento pessoal que daí terá resultado, e pelo silêncio que tiveram de enfrentar no seio do CES".

"Se é certo que as situações reportadas resultaram de ações individuais, sobre as quais iremos agir, não deixam, também, de resultar de falhas institucionais que, na ausência de mecanismos adequados para a prevenção do assédio, permitiram condições para formas de abuso de poder", prossegue o texto da carta.

Os dirigentes do CES dizem estar "decididos a tomar todas as iniciativas para que haja consequências destas denúncias e para que as más práticas que foram identificadas não se voltem a repetir no CES", incluindo aplicar as recomendações do relatório "que considerarmos necessárias e adequadas".


Notícia atualizada às 18h15 com a reação da direção e Conselho Científico do CES

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