A discussão da regulação da produção e uso de canábis ganhou nova vida em vários países europeus. Em Malta serão brevemente implementadas as primeiras associações sem fins lucrativos para produção e consumo de canábis, na Alemanha discute-se a possível estrutura de futuros clubes de canábis e nos Países Baixos define-se a regulação da sua produção, clarificando finalmente o modo como esta chega às coffee shops. Em todos estes exemplos o uso de canábis por adolescentes e jovens adultos merece especial preocupação, não sendo permitida a venda a menores de 18 anos e limitando-se a percentagem de THC (principal princípio ativo da canábis) para os menores de 21. Em simultâneo, a regulação vem acompanhada de uma série de medidas de prevenção e redução de danos adaptadas ao contexto de cada região, que são uma janela de oportunidade para revisitar velhos paradigmas e implementar novas e melhores práticas.
Em Portugal esta discussão estará em breve de volta ao Parlamento, esperando-se que seja finalmente possível uma regulação responsável que proteja os utilizadores e faça recuar mercados ilícitos.
Antecipando este momento, a iniciativa Cidadã para a Regulação da Canábis, com o apoio do GAT, promoveu recentemente uma conferência dedicada ao cérebro adolescente e risco associado ao uso de canábis. Das várias intervenções fica claro que o quadro atual não protege o adolescente. Dados publicados pelo SICAD mostram que aos 16 anos 28% dos nossos adolescentes já fizeram uso de canábis, enquanto aos 13 anos essa percentagem não chega ainda a 2%. Há, pois, uma janela temporal de intervenção que parece estar a ser desperdiçada. O cérebro adolescente atravessa um período de “reformatação”, em que existe maior predisposição para o risco, maior valorização da recompensa e procura de novas sensações. Neste contexto, há risco acrescido de experimentação de substâncias.
Como investigadora na área da neurobiologia das substâncias psicoativas, dedico desde 2008 uma parte importante do meu tempo a um programa de prevenção do uso de drogas na adolescência. Neste papel, observei na primeira fila a inexistência de uma estratégia integrada de prevenção (não só para o uso de canábis, mas também para o álcool e outros comportamentos de risco). Cada escola tem autonomia para fazer como bem entende, mas nem todas têm os recursos necessários. A regulação traz consigo a oportunidade de revisitar a forma como se faz prevenção, redefinindo estratégias e implementando novos e melhores programas. O Observatório Europeu da Droga e Toxicodependência (EMCDDA) disponibiliza informação e formação nesta área e não falta literatura sobre como fazer prevenção sem recurso a discursos moralistas, alarmistas e baseados no exagero, que tendem a gerar apenas descrédito no público-alvo. A recente transferência de competências para as autarquias pode ser também uma oportunidade para, a nível local e em estreita colaboração com o novíssimo ICAD, promover a aplicação de boas práticas e adequando-as aos contextos locais.
Temos a janela temporal e as ferramentas necessárias, não deixemos escapar a oportunidade de fazer melhor. É essencial que não se entenda a regulação como sinónimo de incentivo ao consumo ou de inocuidade. A regulação deve servir para proteger.
Teresa Summavielle é investgadora da área das neurociências e vice-diretora do i3S. Artigo publicado no semanário Expresso.