Apesar das sondagens desanimadoras e dos baixos níveis de aprovação do presidente norte-americano Joe Biden, o tema da proteção do direito ao aborto continua a ser o seguro de vida dos democratas nas eleições. E isso ficou provado uma vez mais esta terça-feira, quando os eleitores do estado do Ohio, governado pelos Republicanos, aprovaram por 56,6% a inscrição do direito das mulheres a "tomar e executar as próprias decisões reprodutivas" na Constituição do estado, protegendo-o assim de eventuais mudanças na lei a nível federal.
Medida semelhante já tinha sido aprovada em referendo nos estados da Califórnia, Michigan e Vermont, enquanto no Kentucky e no Montana propostas para restringir o direito ao aborto tinham sido chumbadas, o mesmo acontecendo no Kansas à proposta que queria inscrever na Constituição estadual que não existe o direito ao aborto. Para levar o tema às urnas nesta terça-feira no Ohio, os organizadores começaram a recolher assinaturas no verão do ano passado, logo após o Supremo Tribunal ter acabado com a proteção federal ao aborto. Das mais de 700 mil assinaturas recolhidas neste estado com cerca de 11 milhões de habitantes, 496 mil foram consideradas válidas, um número acima das cerca de 413 mil necessárias. Em seguida, a comissão responsável pelo referendo reformulou a proposta, introduzindo linguagem que os organizadores da campanha contestaram em tribunal, por considerá-la enganadora e tendenciosa em prejuízo da proposta. O Supremo Tribunal estadual obrigou a comissão a rever uma frase, mas deixou intocadas outras partes, incluindo a expressão "nascituro" em vez de "feto".
"Esta noite, os americanos votaram mais uma vez para proteger as suas liberdades fundamentais - e a democracia ganhou" afirmou Biden nas redes sociais. "Os cidadãos do Ohio e os eleitores de todo o país rejeitaram as tentativas dos eleitos republicanos MAGA [Make America Great Again, o slogan trumpista] de impor proibições extremas ao aborto que põem em risco a saúde e a vida das mulheres, obrigam as mulheres a viajar centenas de quilómetros para receberem cuidados e ameaçam criminalizar médicos e enfermeiros por prestarem os cuidados de saúde de que as suas pacientes necessitam e para os quais foram formados", acrescentou o Presidente dos EUA, concluindo que "esta agenda extremista e perigosa não está em sintonia com a grande maioria dos americanos" e que a sua administração tudo fará para restabelecer na lei federal as proteções que antes eram garantidas pela jurisprudência do Supremo na sentença Roe vs. Wade.
Outra demonstração da importância da defesa dos direitos reprodutivos para as vitórias dos Democratas foi dada no estado da Virginia, governado pelo Republicano Glenn Youngkin. Na eleição de terça-feira para o Senado e Câmara dos Delegados o seu lugar não estava em disputa, mas a sua proposta de proibir os abortos a partir das 15 semanas com as exceções dos casos de violação, malformação do feto ou perigo de vida da mulher tornou-se o tema principal da campanha para mobilizar o eleitorado da oposição. Os Democratas da Virginia acabaram a noite eleitoral a celebrar a conquista da maioria na Câmara dos Delegados e a manutenção da maioria do Senado, passando a condicionar os dois anos que restam do mandato do governador Republicano da Virginia.
Também no Kentucky, um estado de maioria republicana mas governado por um democrata, Andy Beshear conseguiu a reeleição face ao candidato apoiado por Trump, Daniel Cameron, que procurou na campanha trazer os temas nacionais e colar o governador às políticas de Biden e à sua defesa dos temas LGBTQ. Mas além de fazer campanha sobre temas locais, Beshear trouxe para a primeira linha a sua oposição à proibição total do aborto aprovada pelos deputados do seu estado após a decisão do Supremo de acabar com a proteção constitucional do caso Roe vs. Wade.
O único estado que teve eleições na terça-feira e os Democratas não celebraram foi no Mississipi, onde tanto o Republicano recandidato como o seu adversário Democrata se apresentaram como opositores ao direito ao aborto.
Ohio tornou-se o 24º estado com canábis legal para uso adulto
No referendo de terça-feira, o Ohio tornou-se o 24º estado norte-americano a acabar com a proibição da canábis. Também contra a posição do governador e da maioria republicana, 57% dos eleitores votaram Sim à regulação do cultivo, posse, venda, consumo e autocultivo da canábis. A proposta aprovada legaliza a posse até 70 gramas de canábis para maiores de 21 anos, a possibilidade de cultivo em casa até seis plantas por adulto, com um máximo de doze plantas por domicílio, um imposto sobre as vendas de 10% a reverter para programas de apoio social, redução de riscos e educação, e a criação de uma entidade reguladora para a emissão das licenças. Os municípios terão a liberdade de não autorizar novas lojas de venda de canábis, embora não possam fechar os dispensários de canábis medicinal já existentes, que terão prioridade nas licenças para a venda a todos os adultos.
"Os habitantes do Ohio viram leis de legalização semelhantes serem adoptadas em estados vizinhos e sabem que a regulação do mercado da canábis é preferível à política falhada da proibição. É imperativo que os políticos eleitos respeitem a decisão dos eleitores e implementem esta medida de uma forma que seja consistente com os sentimentos da maioria do eleitorado", afirmou Paul Armentano, o diretor adjunto da associação pró-regulação NORML.