É difícil abordar este tema pensando que podemos deixar de lado a emoção. Para que fique bem claro, não consigo imaginar o que seria estar na situação das famílias que têm reféns em Gaza. O mesmo se aplica às famílias de prisioneiros em Israel. Famílias que vivem na angústia de não saber se voltam a ver aqueles que estão em poder do inimigo. É, sem nenhuma dúvida, um sofrimento atroz.
Depois do Hamas e da Jihad Islâmica terem divulgado vídeos de dois reféns israelitas, gerou-se uma justa onda de indignação face ao sofrimento visível que lhes está a ser infligido. Um deles, Evyatar David, com um aspecto esquelético, refere que a alimentação é muito escassa, passa dias sem nada comer e diz ao primeiro-ministro israelita que se sente abandonado. As imagens foram feitas num túnel em que Evyatar vai remexendo o chão de terra e diz acreditar que aquele pode ser o local onde será sepultado. Ninguém pode ficar indiferente a essas imagens.
Neste momento, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel diz que 49 das pessoas raptadas a 7 de Outubro de 2023, permanecem reféns na Faixa de Gaza, incluindo 29 que foram declaradas mortas pelo exército israelita.
Prisioneiros ou reféns palestinianos?
Mas se não pode haver indiferença em relação aos reféns israelitas, o mesmo se aplica aos prisioneiros palestinianos nas prisões de Israel. De acordo com a Hamoked, ONG focada nos Direitos Humanos nos territórios palestinianos, há 10.762 palestinianos presos nas cadeias israelitas, sendo que apenas 1419 foram julgados e condenados. Para muitos palestinianos, estes presos também são considerados reféns, e mesmo os que foram julgados e condenados foram-no à luz de uma lei que é a do país ocupante.
E também em relação aos palestinianos presos e que foram libertados durante os períodos de cessar-fogo, não deve haver menor indignação face ao sofrimento que lhes foi infligido.
Apenas como exemplo, a organização Euro-Med Human Rights Monitor, organização de direitos humanos, focada na Europa, Médio Oriente e Norte de África, revelou fotos de prisioneiros palestinianos libertados em Janeiro de 2025. A Euro-Med sublinhou que “a saúde precária dos detidos e prisioneiros palestinianos libertados por Israel no âmbito dos acordos de cessar-fogo na Faixa de Gaza reflecte as terríveis condições que suportaram enquanto estiveram sob custódia, incluindo tortura, maus-tratos e abusos degradantes que persistiram até ao último minuto” (…) “Até aos momentos finais antes da sua libertação, a maioria dos detidos sofreu tortura psicológica, além de maus-tratos e espancamentos.”
Todos nos lembramos das palavras do Ministro da Segurança Nacional, Ben Gvir, que implementou uma política de redução de alimentos prometendo dar o mínimo possível aos prisioneiros palestinianos. O caso chegou aos tribunais numa acção movida pela Associação pelos Direitos Civis em Israel (ACRI). A ACRI afirmou que “os presos perderam uma quantidade extraordinária de peso – até 40 kg – uma perda que constitui evidência de inanição”.
Cruz Vermelha Internacional
Depois da publicação dos referidos vídeos dos reféns, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu – que enfrenta uma pressão crescente para acabar com a guerra e conseguir a libertação dos reféns – pediu ajuda à Cruz Vermelha Internacional para que seja fornecida alimentação e tratamento médico aos reféns. O Hamas respondeu: “As Brigadas Al-Qassam não estão a privar deliberadamente os prisioneiros de comida, eles estão a comer o que os nossos combatentes e todo o nosso povo come”, acrescentando que os reféns “não receberão qualquer tratamento preferencial enquanto o bloqueio e a política de fome continuarem”. Abu Obeida, porta-voz das Al-Qassam, disse que aceita um compromisso com a Cruz Vermelha Internacional, mas a condição é a abertura de corredores que funcionem numa base permanente para fornecimento de alimentos e medicamentos para todas as áreas de Gaza e toda a actividade aérea israelita terá de parar durante o transporte da ajuda para os reféns.
Netanyahu está a pedir ajuda a uma instituição que Israel já acusou de não cumprir a sua função e o dever moral de visitar os israelitas sequestrados em Gaza, garantir o seu bem-estar e lutar por sua libertação. O primeiro-ministro israelita está também a esquecer-se que está a pedir para os reféns israelitas o que recusa para os prisioneiros palestinianos. Se é verdade que a Cruz Vermelha Internacional nunca teve acesso aos reféns israelitas, a própria Cruz Vermelha Internacional lembra que não tem acesso aos prisioneiros palestinianos desde 7 de Outubro de 2023.
Enquanto a guerra na Faixa de Gaza não dá sinal de terminar, talvez possamos reflectir sobre as palavras de Lídia Jorge numa entrevista à revista Visão (edição de 31 de julho de 2025), manifestando esperança que as imagens de sofrimento cada vez mais frequentes, possam levar-nos a querer um mundo melhor: (tenho) “Esperança de que as pessoas sintam dor pela dor do outro”.
Pinhal Novo, 4 de Agosto de 2025
Texto publicado na página do autor Meu Mundo, minha aldeia.