Apagão

Recuperar controlo da rede elétrica “é o nível mais básico de sensatez”

30 de abril 2025 - 14:16

Mariana Mortágua diz que mais tarde ou mais cedo todos os partidos vão chegar à mesma conclusão: o Estado deve reassumir o controlo da REN por razões de segurança e soberania.

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Mariana Mortágua
Mariana Mortágua. Foto de António Pedro Santos/Lusa

A coordenadora do Bloco de Esquerda voltou esta quarta-feira a falar aos jornalistas sobre as lições do apagão elétrico que afetou Portugal e Espanha na passada segunda-feira e cujas consequências os portugueses ainda estão a sentir, nomeadamente ao não verem repostos os serviços de comunicações e televisão. Uma das consequências a tirar é precisamente a “avaliação sobre as responsabilidades dos operadores privados de telecomunicações sobre a sua autonomia”, defendeu Mariana Mortágua, alertando que “se a falha elétrica tivesse demorado mais dez horas, o país tinha ficado completamente sem comunicações”.

Mas o centro da sua mensagem foi a defesa da recuperação do controlo público da gestão da rede elétrica nacional. “As razões deste apagão não têm a ver com a propriedade direta da REN. Mas mostra-nos a importância da rede elétrica e a vulnerabilidade de um sistema elétrico que depende de um Estado estrangeiro para existir”, afirmou Mariana Mortágua.

“O que toda a gente percebeu é que no dia em que houver uma interferência externa na rede elétrica, Portugal pára, é tão simples como isto. É uma questão básica de soberania. E mais tarde ou mais cedo, todos os partidos, a não ser quem tem a visão toldada pelo dogmatismo de mercado, vão chegar a esta conclusão”, prosseguiu a coordenadora bloquista, concluindo que a proposta que o partido vem defendendo desde 2017 “ontem era considerada irresponsável e hoje provou-se que é a mais sensata de todas”.

Apoio fiscal de Montenegro aos jovens ricos vai custar mais do dobro da recuperação do controlo público da REN

“A REN tem de ser nacionalizada. A gestão da rede elétrica é uma função básica da nossa soberania, autonomia e segurança”, insistiu Mariana, recordando os custos financeiros da medida. A nacionalização do chamado despacho, a central que decide que energia entra no sistema, quem a produz e que gere a energia que está a entrar no sistema, “tem um custo de 50 ou 60 milhões, não e por causa do custo que não foi feito”. E para o Estado se tornar no maior acionista da REN, o custo a preços de mercado ronda os 460 milhões de euros. E comparação, “o IRS Jovem de Luís Montenegro para os jovens mais ricos custa 1000 milhões de euros”, mais do dobro do valor necessário para controlar as redes de energia do país.

Mariana Mortágua aludiu também ao parágrafo do Relatório Anual de Segurança Interna que dizia que a gestão de setores estratégicos por entidades estrangeiras é uma ameaça à segurança interna. E lembrou que na Europa só há dois países que privatizaram a rede elétrica, Inglaterra e Portugal. Com uma diferença: em Inglaterra, a gestão do sistema e a concessão da infraestrutura é feita por empresas diferentes para evitar conflitos de interesses. Em Portugal, ambas estão nas mãos da REN, cujo acionista principal é a State Grid, detida elo Estado chinês, ao que acresce que o mesmo Estado chinês é o maior acionista da EDP, via China Three Gorges. Ou seja, “o mesmo acionista tem a gestão global do sistema, a concessão das infraestruturas e a maior empresa que produz, comercializa e distribui a eletricidade em Portugal e o monopólio da distribuição através da E-Redes”, o que Mariana Mortágua chama um evidente conflito de interesses.

“Portugal colocou nas mãos do Estado chinês o monopólio da gestão do nosso sistema elétrico, a concessão da infraestrutura em alta e muito alta tensão elétrica e a produção, a distribuição e comercialização em baixa tensão que são dominadas pela EDP. E tudo isto tem riscos: riscos de interferência externa, de conflitos de interesses no sistema elétrico”, prosseguiu Mariana.

Além disso, a REN é remunerada por uma taxa base, decidida conforme os investimentos que decide fazer e os consumidores vão pagar esse investimento através de uma taxa de rentabilidade garantida à REN. “Nunca sabemos se os investimentos que estão a ser feitos na rede são os que a rede mais precisa ou os que a REN faz para garantir a sua rentabilidade”, diz Mariana Mortágua, que propõe há anos que os planos de investimentos sejam escrutinados pelo Parlamento.

Por outro lado, a privatização da REN “foi um negócio ruinoso”, pois “as receitas da privatização são 749 milhões de euros e desde então a REN pagou em dividendos 932 milhões de euros e teve lucros de 1200 milhões de euros”. Ou seja, “os lucros compensam o preço que foi pago e deixou o Estado sem poder para controlar estes setores estratégicos”.

“O risco de falhas vai aumentar” e o país deve investir para se preparar

Ainda sobre o apagão desta semana, a coordenadora bloquista diz que “é preciso conhecer a origem do problema em Espanha e se a REN cumpriu todos os protocolos de segurança”, o que deve passar pela publicação por parte da empresa de “todos os elementos técnicos que permitam o escrutínio” por parte do Parlamento, da imprensa e de especialistas.

“Temos que assumir que o risco de falhas vai aumentar porque vivemos um tempo de eventos climáticos extremos. É por isso que é tão crítico o investimento em defesa e segurança interna: no SIRESP, na rede elétrica, autonomia rede de transportes e do sistema de saúde”, defendeu Mariana Mortágua.

Com alguns analistas a apontarem as variações na entrada das energias renováveis no sistema como causa provável do desequilíbrio que levou ao apagão, Mariana reconhece que estas fontes de energia renovável têm características que tornam o sistema mais instável. Mas “isto não quer dizer que devemos voltar a um modelo de emissões de gases poluidores insustentáveis no futuro”. O que é preciso fazer são “investimentos na rede que permitam ter as redundâncias necessárias para lidar com o aumento das energias renováveis que entram no sistema”. Mas também investimento em investigação, nas centrais produtoras, no armazenamento de energia, nas garantias e sistemas de redundância. E isso é uma urgência, para Portugal se adaptar “a esta nova forma de produção e consumo elétrico que aumentou muito” nos últimos anos.