A ministra do Trabalho nomeou uma comissão para estudar a reforma da Segurança Social e apresentar propostas num prazo de doze meses, com um relatório de progresso daqui a seis meses sobre regimes complementares de reforma, pensões antecipadas e mecanismos de reforma parcial. Entre os nomes da comissão constam técnicos dos vários ministérios e instituições envolvidas, mas também a ex-deputada da Iniciativa Liberal, Carla Castro.
A presidir à comissão está um público defensor da abertura a regimes complementares por iniciativa das empresas a troco de benefícios fiscais. Na última década e meia, Jorge Bravo tem assinado estudos, artigos e intervenções que procuram criar uma perceção de insustentabilidade do sistema público de Segurança Social e de necessidade de um maior mercado privado de fundos de pensões, ainda com expressão reduzida em Portugal.
“Personalidade do ano” para os fundos de pensões
Além do percurso académico na Universidade de Évora e depois, já como professor, na Universidade Nova de Lisboa, Jorge Bravo tornou-se consultor de grandes seguradoras nas áreas de gestão de risco e sistema de pensões, a par do Instituto Nacional de Estatística e do banco espanhol BBVA.
Sem surpresa, a sua escolha para presidir à nova comissão foi aplaudida pela Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios, que já lhe tinha atribuído o galardão de “Personalidade do Ano” em 2023 numa cerimónia organizada em conjunto com o Jornal de Negócios.
Os trabalhos de Jorge Bravo também são citados no debate político pelas empresas de titularização do subsídio de refeição em Portugal, que vendem os seus cartões e vouchers às entidades patronais. Um desses estudos foi encomendado pela associação de empresas desse setor para defender as vantagens do negócio face ao pagamento do subsídio de refeição em dinheiro com o salário. As conclusões favoráveis à titularização foram apresentadas pela empresa Edenred na discussão pública do projeto de lei do Bloco de Esquerda que propunha a generalização do subsídio de refeição a todos os trabalhadores do setor privado em 2020, projeto que regressará em breve ao Parlamento.
O “Zandinga das pensões” falhou por muito
Foi para o instituto de pensões do BBVA que Jorge Bravo escreveu em 2014, com outro investigador, um artigo assinalando as semelhanças entre os sistemas de pensões em Portugal e Espanha. Concluiu que “o alargamento da cobertura das pensões privadas deve ser acompanhado de uma retirada das pensões públicas. Longe de querer que esta retirada se faça em detrimento dos trabalhadores e dos reformados, o facto é que a sustentabilidade dos regimes públicos contributivos abrirá progressivamente a margem para a generalização dos regimes privados”.
Nesse mesmo ano, Passos Coelho chamou Jorge Bravo para integrar a Comissão Interministerial da Reforma do Sistema da Segurança Social. Mas as intenções do PSD no sentido da privatização do sistema foram travadas em 2015 pela esquerda parlamentar quando viabilizou o primeiro executivo de António Costa.
É também de 2015 o estudo em que o economista defendia que o sistema previdencial já não sairia do défice em que tinha entrado em 2012. Pelas suas contas, esse défice iria duplicar em 2025 para 2,4 milhões de euros - “já não tem salvação possível”, titulava então o Jornal de Negócios. Chegados a 2025, constata-se que as contas de Jorge Bravo saíram mais que furadas. O sistema previdencial não apresenta qualquer défice e, pelo contrário, o seu orçamento para este ano conta com um saldo positivo de 5,9 mil milhões de euros, com o Fundo de Estabilização a atingir o objetivo estratégico de cobrir dois anos de pensões.
Relatório “alarmista” do Tribunal de Contas teve dedo de Jorge Bravo
Tudo indica que não terão sido as competências do economista na previsão do futuro da Segurança Social que levaram o Tribunal de Contas a escolhê-lo para elaborar novas previsões, incluídas na “auditoria” divulgada na semana passada. Segundo o Jornal de Negócios, o relatório afirma que os juízes solicitaram uma colaboração ao Instituto dos Atuários Portugueses para que fosse designado um perito “para capacitar dois elementos da equipa de auditoria para a análise e apreciação do modelo utilizado para as projeções”. E terá sido aquele instituto a indicar Jorge Bravo para a tarefa.
Como explica o economista Eugénio Rosa no seu mais recente estudo, dedicado justamente à “auditoria” do Tribunal de Contas, o resultado foi um relatório “sem aderência à realidade e alarmista”, ao aderir à técnica repetida ao longo dos anos por Jorge Bravo: meter no mesmo saco a Segurança Social e a Caixa Geral de Aposentações (CGA), que têm realidades completamente diferentes. A CGA apresenta elevados défices anuais, financiados pelo Orçamento do Estado porque ao longo dos seus 75 anos de existência (até 2005), “o Estado apropriou-se do dinheiro dos descontos e contribuições que deviam ter sido aplicados num fundo semelhante ao atual Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social”, explica Eugénio Rosa.
Ou seja, de acordo com Eugénio Rosa, ao não cumprir a Lei de Bases da Segurança Social aprovada em 1984, o Estado acumulou até 1995 uma dívida à Segurança Social que hoje pode ser estimada em mais de 17 mil milhões de euros. “Se o Estado pagasse ao Regime Contributivo o que ilegalmente utilizou, a sustentabilidade da Segurança Social ficaria ainda mais reforçada. Mas desta dívida do Estado à Segurança Social o Tribunal de Contas não fala no seu relatório. Porquê?”, questiona Eugénio Rosa.
A soma destas duas realidades diferentes, ao fazer o défice da CGA anular o superávite da Segurança Social, tem sido a base para a divulgação da tese da insustentabilidade do sistema de pensões e do agitar do fantasma de que as pensões futuras não estão garantidas pelo sistema público. "Podemos ter de pedir a todas as gerações que aceitem abdicar dos direitos que já adquiriram”, sugeriu Jorge Bravo numa conferência sobre a reforma do sistema organizada recentemente pela Fundação AEP e pela SEDES, onde o economista coordena a área da Segurança Social.
“Almofada” da Segurança Social não pode servir para pagar dívida do Estado à CGA
Mas há outras dívidas que o Tribunal de Contas “esquece” nas suas contas, acrescenta o economista com base nos Balanços da Segurança Social que constam do relatório dos dois últimos Orçamentos do Estado. É o caso das dívidas de 15,7 mil milhões por não pagamento das contribuições, dos quais quase 5 mil milhões que as empresas descontaram nos salários mas não entregaram à Segurança Social. Uma “enorme perda de receita pela Segurança Social devido à incapacidade dos sucessivos governos em a cobrar”, aponta Eugénio Rosa, salientando que neste universo apenas entram as contribuições e descontos declarados (mas não entregues), o que deixa de fora a dimensão “enorme” da evasão e fraude à Segurança Social na economia portuguesa, um elemento que também não merece menção no relatório dos juízes.
Para Eugénio Rosa, o facto de o dinheiro acumulado no FEFSS ter mais do que triplicado entre 2012 e 2024 - passou de 10.944 milhões para 35.900 milhões de euros - “é a melhor prova de que a Segurança Social é sustentável e por que razão gera tantos apetites aos grupos económicos e financeiros e aos seus consultores e defensores”. E a juntar a esta reserva, há ainda mais quase 20 mil milhões nos ativos da Segurança Social, a maior parte aplicados em títulos do Estado.
Havendo dinheiro de sobra na Segurança Social para pagar as pensões futuras cuja responsabilidade já assumiu, o que importa garantir, defende Eugénio Rosa, “é que os trabalhadores e os pensionistas abrangidos pela Segurança Social estejam atentos e não permitam” que aquele valor acumulado seja utilizado para pagar a dívida do Estado à CGA. E lembra também que parte dessa dívida resulta “da transferência para a CGA dos fundos de pensões de empresas que foram privatizadas e cujos ativos transferidos para a CGA se revelaram insuficientes”.