75% das queixas de racismo praticado por polícias nos últimos dez anos acabaram arquivadas. Apenas 30% das queixas seguiram para o Ministério Público, mas destas nenhuma resultou em condenação.
A notícia é do jornal Público que se baseia num projeto de investigação da Universidade de Coimbra. O estudo COMBAT - O combate ao racismo em Portugal: uma análise de políticas públicas e legislação antidiscriminação, do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra analisou iniciativas políticas para a integração e legislação anti-discriminação. 20 anos após a entrada em vigor da lei de combate à discriminação racial e da transposição da Directiva Europeia de Igualdade Racial, Silvia Rodríguez Maeso, coordenadora do projeto, afirma que esta é a primeira análise de fundo à aplicação da lei em Portugal.
Para Maeso, estes dados indiciam “práticas institucionais negligentes” e o tão elevado número de arquivamentos e a ausência de condenações deixam os queixosos desprotegidos.
Entre 2006 e 2016 a Comissão pela Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) arquivou 80% dos processos que abriu em sequência de queixas feitas por discriminação na educação, habitação e forças de segurança, diz o Público. Nesse mesmo período, em todas as áreas, a CICDR recebeu 878 queixas mas só 243, 28%, deram origem a processos de contra-ordenação.
O trabalho do estudo COMBAT focou-se sobre as forças de segurança, mas também sobre educação e habitação. Das queixas por discriminação racial praticadas por membros das forças de segurança analisadas no estudo, 48% foram de cidadãos afrodescendentes, 33% de etnia cigana e os restantes de pessoas de outras nacionalidades que não a portuguesa.
Em dez anos, houve uma única condenação registada, mas posteriormente foi impugnada e anulada em Tribunal.
A maioria das queixas apresentadas são contra a PSP (63%), seguindo-se depois a GNR (25%) e os agentes do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
É o estudo da Universidade de Coimbra que cita alguns casos paradigmáticos de situações que posteriormente culminam em queixa contra a polícia: o patrulhamento dos bairros considerados “problemáticos, as “rusgas” e revistas e a abordagem policial e o dever de identificação que não é cumprido. Quase 70% das queixas são motivadas pela origem étnico racial dos queixosos, que citam ofensas de base racista ou xenófoba.
Embora o projeto COMBAT se focasse maioritariamente nas queixas, a equipa analisou ainda alguns processos-crime de membros da polícia, tendo concluído que “são poucos os casos em que a discriminação racial faz parte das acusações”.
“De sete decisões judiciais proferidas entre 2000 e 2019 que consultaram, em apenas dois processos há a qualificação por ódio racial na acusação, em nenhum dos casos envolvia o previsto no artigo 240.º do Código Penal”, cita o Público.
Os investigadores questionam-se sobre a credibilidade atribuída aos testemunhos de cidadãos afrodescendentes ou de etnia cigana. Segundo a mesma equipa, “na maioria dos casos as agressões e injúrias acabam por ser consideradas como ‘factos não provados’, quando os depoimentos de queixosos e agentes das forças de segurança são confrontados”.
“Os depoimentos dos agentes repetem-se, insistindo na alegada resistência dos cidadãos, no seu comportamento alterado, e por isso concluindo que foi utilizada ‘a força estritamente necessária para efectuar a detenção’ para a realização de uma detenção considerada necessária e proporcional”, referem.
Um dos vários exemplos analisados pela equipa de investigadores foi o de uma perseguição policial a um carro onde seguiam cinco jovens portugueses afrodescendentes. Quando o carro parou, a perseguição continuou a pé a um rapaz de 14 anos. “Os dois caíram para uma vala: quando o jovem se levantou, o agente da PSP disparou na sua direcção tendo-o atingido na cabeça a uma distância de menos de 20 centímetros. O menor foi transportado para o hospital onde acabou por falecer.”
Em declarações à Polícia Judiciária, um dos agentes da PSP envolvido na perseguição justificou a perseguição com a suspeita de que algo “não estava bem com aquela viatura, até porque a mesma também transportava vários indivíduos de origem africana.”
Na avaliação a este caso, a Inspecção Geral da Administração Interna (IGAI) considerou que os agentes revelaram “uma perspicácia e pró-actividade na missão de prevenção criminal” quando perseguiram o carro.