As lutas feministas conseguiram salientar a importância dos cuidados e de apoio à vida. Da mesma forma, do ponto de vista antirracista e decolonial, tem sido apontado que esse trabalho, como tantas outras coisas, é distribuído de forma desigual de acordo com critérios de classe, género, racialização e nacionalidade. Globalmente, isto é explicado pela migração em massa de mulheres do sul para o norte global, cujo destino principal, praticamente obrigado, é o trabalho doméstico (mal) remunerado. Alguns números podem ser úteis para ilustrar isto. No mundo existem 67,1 milhões de trabalhadores domésticos, dos quais 11,5 milhões (quase 20%) são migrantes internacionais (OIT, 2013). Por outras palavras, quase uma em cada cinco trabalhadoras domésticas no mundo é migrante. E este processo intensificou-se nos últimos anos, com a multiplicação de guerras e exilados forçados a que estamos a assistir. Para mencionar apenas um exemplo, na Europa e na Ásia Central, os migrantes são 55% do número de trabalhadores domésticos; 31% na Ásia Central e Ocidental e 25% na Europa de Leste; nos Estados Árabes 83% do setor é composto por pessoas migrantes (OIT, 2021).
Os estudos feministas explicam que nos países mais desenvolvidos há uma crise global dos cuidado, com crescimento e envelhecimento populacional o que gera procura por cuidados e a impossibilidade de cobri-lo com força de trabalho local. Em conexão com este processo, surgem cadeias globais de cuidados ligadas à migração internacional, estabelecendo uma divisão internacional deste trabalho. Os países menos desenvolvidos, ou mais empobrecidos, muitas vezes expulsam as pessoas como resultado das políticas de empobrecimento e pilhagem promovidas pelos ricos do mundo e pelos países centrais. Estas pessoas que migram do sul, acabam por ter as piores condições, como trabalhadoras de limpeza, dos cuidados a idosos, crianças ou trabalhadoras doméstica que vivem na casa em que trabalham, geralmente chamadas de “internas”. Precisamente a situação destas últimas é assinalada como semi-escravatura por parte das organizações internacionais de trabalhadoras. Quem vive nas casas dos seus empregadores geralmente não pode dispor do seu próprio espaço e tempo para viver, as suas tarefas não têm limites claros e os salários são mínimos ou inexistentes, porque trabalham por habitação e alimentação. Em muitos casos, os coletivos de trabalhadoras domésticas estão a propora abolição desta forma de trabalho “com dormida”, que gera processos de isolamento, abusos e violências dentro de casas que são profundamente invisibilizados e cujas principais vítimas são as trabalhadoras migrantes.
Por outro lado, as mulheres representam aproximadamente 74% (ou seja, cerca de 8,5 milhões) de todos as trabalhadores domésticos do mundo. Podemos, portanto, dizer que o trabalho doméstico e de cuidados a nível internacional está basicamente a cargo de mulheres pobres e em grande medida racializadas.
Este processo vê-se com muita clareza ao analisar como se articula a crise do cuidado na Europa com a migração feminina desde o sul do mundo. Para citar um exemplo, em Espanha em 2023, havia mais de 355.000 empregadas como funcionárias domésticas, de acordo com dados do Regime Especial de Trabalhadores Domésticos. Destas, quase metade, 159.114, eram estrangeiras. Este número não considera o enorme número de migrantes irregulares, portanto não contabilizadas. Com efeito, estima-se que uma em cada quatro trabalhadoras domésticas não está registada. Rafaela Pimentel, migrante dominicana em Madrid e membro da organização Território Doméstico, explica o vínculo entre a crise de cuidados, a divisão do trabalho e o racismo em relação ao trabalho das mulheres migrantes: “A relação é o contexto patriarcal que faz com que o trabalho de cuidado recaia principalmente sobre as mulheres e, ao mesmo tempo, são as mulheres migrantes que assumem este trabalho, porque elas constituem um grupo vulnerável que muitas vezes deve renunciar aos direitos para ter trabalho e sustento”, argumenta.
Por sua vez, a partir de alguns setores críticos do feminismo, afirma-se que o trabalho doméstico remunerado, além de suplantar sistematicamente o trabalho não feito pelos homens, é aquele que garante privilégios de algumas mulheres – que podem pagar por cuidados – sobre outras, aquelas que cuidam e, segundo a voz de Nancy Fraser, não têm ninguém para cuidar delas. Este dilema é inseparável da imbricação das relações de género com os de classe e raça. Efetivamente, as que cuidam são na sua maioria mulheres racializadas e pobres e feminilidades do sul global. E, em grande medida, embora com diferenças em cada lugar, são os lares com mais condições que beneficiam com os cuidados mal pagos. Além disso, para as mulheres trabalhadoras migrantes, a relação com o seu país de origem é muitas vezes de obrigação e de cuidados. Por um lado, por causa da necessidade de enviar remessas, por outro, porque a migração significou muitas vezes deixar filhos, pais, irmãos, a cargo de outras mulheres da família, com os encargos de responsabilidade económica, culpa e preocupação que implica estar pendente enquanto está longe. Por outras palavras, as migrantes cuidam de outras pessoas no norte global, enquanto não podem cuidar das suas famílias nos seus locais de origem.
Constanza Cisneros, cuidadora, ativista e migrante equatoriana no Estado espanhol, explica: "Há uma relação entre divisão do trabalho e do racismo, fazemos o trabalho que as pessoas não querem fazer aqui. E eles não os fazem porque o trabalho de cuidado foi subestimado, como um trabalho miserável e que só as pessoas que são as últimas na sociedade podem fazê-lo”. Em consonância Amarilis Tapia, migrante peruana em Berlim, define: “somos pessoas de segunda categoria, especificamente as latino-americanas (...) e, obviamente, as pessoas indígenas, com traços indígenas, são sinónimos de trabalho de limpeza, ou ama, trabalhos sem direitos, mas sem dúvida muito importantes”, acrescenta.
Estes testemunhos são condizentes com os estudos que assinalam que o trabalho doméstico e de cuidados está circunscrito pela lógica da colonialidade e da feminização, sendo hierarquizado com base em eixos de poder, como classe, raça, etnia, origem e nacionalidade [1]. As más condições em que é realizado, a falta de direitos sociais e laborais e a situação irregular das pessoas nos países de destino reforçam este “efeito de destino” para as migrantes.
Llanquiray Painemal é uma mulher mapuche migrante em Berlim e uma lutadora pela regularização das migrantes na organização Respect. Como muitos outras migrantes Abya Yala [2], ao chegar na Alemanha, dedicou-se ao trabalho doméstico remunerado. Num encontro sobre migração e trabalho doméstico organizado pela Coordenadora Internacional de Trabalhadores Domésticas Feministas, ela falou sobre a sua experiência. “O meu momento mais feliz era quando eu não falava alemão, porque não entendia nada. Parecia-me que era um país muito bonito, muito ordenado, com pessoas muito amáveis. Quando aprendi a língua, comecei a dar-me conta que esta sociedade tem um problema muito profundo de racismo. É muito racista e faz-te vê-lo quotidianamente e está muito enraizado nas estruturas”, defende. E acrescenta: “o caminho para a integração é muito difícil: aprender a língua, ter um emprego decente, ter direitos, até mesmo entender as leis. É muito difícil chegar a integrar-se”.
Segundo a funcionária Rafaela Pimentel Lara, que também é membro da organização Território Doméstico, “o capitalismo o que quer é continuar a ter vidas nestas condições para que possam sustentar este sistema brutal. Visto assim, o trabalho doméstico desigualmente distribuído não é apenas um subsídio para os homens que não o fazem e ao Estado que não o garante, mas para o capital, que não o remunera. “Se não houver recursos colocados em políticas públicas que reorganizem os cuidados – acrescenta – a crise de cuidados, sempre a teremos. E, para além da crise de cuidados, as pessoas que realizamos esse trabalho vamos continuar cada vez mais em declínio, conclui.
Crescimento da direita, racismo e migração
As trabalhadoras domésticas migrantes na Europa que foram entrevistados apontam para um recrudescimento da criminalização e discriminação das migrantes pobres nos últimos anos. Alguns processos entrelaçados explicam, aos seus olhos, esta crescente perseguição: a pandemia, a guerra na Ucrânia, o ataque de Israel à Palestina. Os governos, independentemente do lado político, e com grandes diferenças por país, fortaleceram os seus mecanismos de repressão interna e, acima de tudo, o controle sobre as reivindicações dos protestos e dos cidadãos, sob a base da segurança e da defesa dos valores ocidentais.
Na Alemanha, especificamente, sob a acusação de antissemitismo, qualquer manifestação contra o genocídio na Palestina é proibida. Llanquiray explica que, ao declarar o Estado alemão um aliado incondicional em solidariedade com o Estado de Israel, “todas as pessoas que saíram para protestar correm o risco de criminalização”. Isto manifesta-se, por exemplo, na proibição de muitos slogans que são permitidos noutros países. No início [da invasão] nenhum protesto foi permitido contra o genocídio e agora sim, essa tem sido uma luta da comunidade palestina que saiu às ruas”, acrescenta. Isso é combinado com um discurso, tanto pela direita quanto por alguma esquerda contra a migração.
Por um lado, a entrevistada refere-se ao crescimento político da força de extrema-direita Alternativa para a Alemanha, que atualmente é a segunda força no país [3]. De acordo com a ativista, “a direita está a fazer uma delegação de que os migrantes são quem traz o antissemitismo. A Alemanha já não é mais antissemita, dizem eles, mas agora os antissemitas são os migrantes. Com este discurso está-se a legitimar uma política deportação em massa”. Para completar o quadro, a organização denuncia tratamento muito desigual de migrantes brancos da Ucrânia, enquanto os refugiados africanos e de outras proveniências são expulsos.
Quanto às forças de esquerda, Tapia aponta para uma mudança em direção à intolerância contra migrantes. De facto, a nova força de esquerda liderada por Sahra Wagenknecht, membro do Parlamento alemão, depois de deixar o partido Die Linke (A Esquerda), declarou que é contra a imigração descontrolada porque viola a justiça social para os alemães. [4]
Para Amarilis, esta situação está a gerar muito medo nos migrantes latino-americanos em Berlim, na sua maioria sem documentos. “Gera medo mobilizar, que te detenham e deportem”. Isso torna profundamente difícil para as trabalhadoras domésticas migrantes reivindicar direitos sociais e laborais básicos. Isto acontece apesar do facto de que na maioria dos casos não têm acesso a habitação, educação e saúde, que geralmente são privilégios para quem tem cartão de cidadão. “É o medo que existe nas migrantes sem documentos, porque se a polícia te parar e não souberes o que dizer, pode ser uma situação que termina em deportação e muitos temem que, porque às vezes para vir para se empenha uma casa ou faz-se um empréstimo. Então tens que ajudar a tua família, e isso faz com que não se manifestem, não se pronunciem, são essas as leis que nos amordaçam a nós, muitos migrantes”, ilustra Amarilis.
Este clima geral conservador é rubricado com mudanças políticas a nível supranacional. Como parte de um crescimento das correntes de direita na Europa e no mundo, este ano a União Europeia estabeleceu um novo Pacto Europeu sobre Migração e Asilo (PEMA). Na prática, este acordo, segundo organizações de direitos humanos como a Amnistia Internacional, é um endurecimento da política migratória.
Alexa Patricia Martínez Mazabel é uma migrante colombiana em Las Palmas de Gran Canaria, e, como muitas migrantes, serviu durante anos no trabalho de cuidados remunerado. Hoje, como ativista da organização Regularização Já, assinala o pacto como um agravamento da situação atual, que ele define como de “massacre migratório”. Este Pacto contém um conjunto de cinco regulamentos que afetam cada um dos processos de gestão do asilo e migração. Em linhas gerais, o que ele implica é uma redução dos direitos das pessoas em movimento. Inclui a recolha de dados biométricos de todas as pessoas que chegam ao continente, reduz as obrigações dos Estados recetores e transforma fronteiras em áreas de não-direitos. A ativista explica: “criou-se uma situação jurídica em que não se considera que uma pessoa chegou à União Europeia até ser autorizada pelo Estado-Membro. Mesmo que essa pessoa esteja fisicamente aqui, na fronteira não constará como se estivesse. E isso viola o que é a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e os Tratados Internacionais”. Além disso, a PEMA acelera os processos de deportação, reduzindo os tempos para a resolução desfavorável para os migrantes [5].
Globalmente, a demonização da imigração e o avanço de posições racistas têm sido uma estratégia de direita e extrema-direita na última década. Os seus representantes mais visíveis na política, amplificados pelas grandes redes de comunicação social, disputam o senso comum das maiorias nos seus países culpando os migrantes de todos os males. Em França, Emmanuel Macron assume discursos de extrema-direita, normalizando o racismo e a desumanização contra a população migrante, contra os árabes e muçulmanos, ligando-os à insegurança. Em consonância, impulsiona reformas legais para endurecer as medidas contra os migrantes. Donald Trump usa termos como “ocupação” e “infeção” do país pelos migrantes latinos que seriam responsáveis por qualquer problema económico e social que seja gerado pelo capitalismo. Promete que, ao ganhar a eleição, eliminará essa “infeção”. Estes discursos, repetidos à náusea, desresponsabilizam os verdadeiros culpados das injustiças sociais e propiciam uma mudança do senso comum para a direita e naturalizam a desumanização e a discriminação dos migrantes que sustentam estes países.
A organização é o único apoio
Para as trabalhadoras domésticas migrantes organizarem-se coletivamente para se defenderem é imperioso. Igualmente o é tecer alianças com outros coletivos e setores que podem dar-lhes, ao mesmo tempo, visibilidade e um certo apoio para uma condição muito vulnerável.
O Respect é uma organização política que surgiu de uma rede europeia fundada em 1998 com o objetivo de organizar as mulheres migrantes no trabalho doméstico remunerado e defender os seus direitos, para além do seu estatuto jurídico. Em Berlim é composto por cerca de uma dezenas de mulheres, têm articulações amplas e lutam pelo direito de poder optar por empregos decentes, reconhecimento da contribuição dos migrantes nos cuidados e contra as leis criminalizantes.
Amarilis diz: “Se nós, migrantes, não saímos às ruas, muitas pessoas aqui não sabem que há pessoas com estes problemas. Mesmo os alemães noutros coletivos ficam surpreendido por não termos direito a nada. És invisível porque o teu trabalho de alguma forma faz com que a economia deste país continue a crescer, a seguir em frente. Mas não é feito formalmente, apenas informalmente.
Eu particularmente quando vinha um polícia no metro sabia o direito que eles tinham sobre mim, sentia que vinham atrás de mim. Assustava-me e ficava nervosa. E estando no Respect perdi esse medo de alguma forma, tanto que quando saímos para as manifestações, estamos sempre na primeira fila, porque me sinto apoiada pelas minhas companheiras. Há toda uma estratégia para poder sair às ruas, e é por isso que eu saio”.
O Respect promove a campanha “Legalização Já”, onde convergem com dezenas de organizações de diferentes tipos para alcançar a regularização dos migrantes. Neste contexto, há uma estreita militância com os feminismos vernaculares, pensando-se mesmo numa luta comum pelos direitos humanos.
A organização Território Doméstico de Madrid é, ao mesmo tempo, uma organização de trabalhadoras domésticas migrantes e feministas. Assim, ao mesmo tempo, visibiliza-se a desvalorização dos cuidados e a sua distribuição injusta, a discriminação contra as migrantes latinas e a falta de direitos laborais. Até estão a impulsionar um novo sindicato específico para as trabalhadoras domésticas. Pimentel sintetiza: “o impacto da luta das nossas organizações traduz-se em avanços concretos, como a ratificação da Convenção 189 da OIT [6], alcançada no ano passado e, de momento, como parte do desenvolvimento da lei vão-se implementando novos direitos, como o direito ao subsídio de desemprego, a baixa médica, etc. Atualmente, estamos focadas no reconhecimento das doenças profissionais que ainda não são reconhecidas como tais”, comenta. Neste caso específico, enuncia-se a articulação de reivindicações de curto prazo ligadas a direitos e de longo prazo, como a mudança da organização e da distribuição capitalista, patriarcal e racista dos cuidados como estratégia para unificar o sujeito da luta. Desta forma, as reivindicações sobre a regularização das mulheres trabalhadoras migrantes fazem parte da mesma luta e olhar estratégico.
É um desafio para o setor das trabalhadoras domésticas migrantes pensar em formas de organização e visibilização. O cansaço, a frequente ilegalidade, as modalidades de trabalho e o medo de perder o emprego são uma constante. Uma das metodologias de visibilização do Território é realizar uma “Passerelle da precariedade” que consiste numa paródia de um desfile de moda de rua. Aí, as trabalhadoras domésticas disfarçadas (para não serem reconhecidas pelos seus patrões e para não terem problemas legais no caso de não terem documentos), desfilam uma a uma representando de vários “modelos” de mulheres trabalhadoras e empregadoras, para mostrar os problemas mais comuns. Entre eles, a modelo “sem papeis” representa a trabalhadora ilegalizada que aceita condições de trabalho paupérrimas por medo de ser denunciada.
Na experiência de Constanza em Madrid, as lutas como migrante, trabalhadora doméstica e feminista andam de mãos dadas: “A coisa boa que temos aqui para as mulheres e dissidentes de Abya Yala é que nos organizámos, nos organizámos em associações, em coletivos, em grupos de tudo o que podemos imaginar. Também em pequenos sindicatos. Pequenos digo eu porque não são os maioritários que geralmente são os que têm os laços mais diretos com os governos e com as instituições, mas não nos incluem. Procurámos todas as formas de nos unir e apoiar-nos umas às outras e essa é uma questão muito importante desde sempre nos feminismos”.
Este testemunho e os anteriores ilustram que a união das reivindicações das migrantes, feministas e classistas nas lutas também expressa a consciência de enfrentar um sistema com desigualdades entrelaçadas. Um sistema que garante privilégios a uma minoria rica, branca, belicista e conservadora, em troca de empobrecer milhões de pessoas que sustentam o mundo, que se movem, pensam em estratégias, trabalham incansavelmente e projetam uma vida melhor.
Finalmente, um feminismo anticapitalista e antirracista só é possível se incorporar em um lugar central a luta de todas as trabalhadoras, e entre elas as mais precários. Lutar juntas também pode fortalecer as trabalhadoras domésticas nas suas posições dentro de sindicatos e movimentos mistos, enquanto se constroem feminismos de esquerda anti-racistas, onde todas sejam protagonistas. Há experiências organizacionais muito valiosas neste sentido, que devem ser massificadas, através da formação política e da luta conjunta. Como resultado desta articulação, podem-se gerar olhares estratégicos que articulem as reivindicações concretas pelo direito de migrar e trabalhar com dignidade, com a necessária reorganização dos cuidados em termos feministas e antirracistas. E em todos os níveis, do local ao global, impõe-se a necessidade de construir projetos anticapitalistas que incluam a reavaliação, a socialização e a redistribuição dos cuidados. Para que estes cheguem a quem precise deles mas não se carreguem nas costas das mesmas pessoas, sem o direito de serem cuidadas, ou de escolher onde e como viver. Para as esquerdas, é hora de integrar as reivindicações e as lutas nas articulações que precisam ser construídas, e a médio prazo, assumir a causa das pessoas migrantes como parte das plataformas e da estratégia política para transformar a sociedade.
“Querían brazos y llegamos personas” é um drama radiofónico e uma peça de teatro sobre migração e trabalho doméstico, escrita e interpretada por mulheres da organização Território Doméstico, com a participação da artista sonora Susana Jiménez Carmona e da cooperativa de trabalho Pandora Mirabilia. A peça é dirigida e encenada pela atriz e dramaturga Sandra Arpa. Narra as experiências de Yuritsi, Quisqueya e Amalia, três mulheres migrantes em Madrid que tentam atravessar fronteiras, enfrentar abusos laborais e conciliar os cuidados com a sua própria vida nos dois lados do Atlântico.
Texto publicado originalmente no ContraHegemonia.
Notas:
[1] Esta forma interseccional ou imbricada de entender as relações sociais é útil para analisar os laços intragénero entre as próprias trabalhadoras e as suas empregadoras entre as trabalhadoras de casas particulares e o movimento de mulheres e feminista, que muitas vezes não os considera centralmente sujeitos. Também pode ser fértil pensar as dinâmicas de organização sindical e representação das trabalhadoras domésticas dentro de grandes sindicatos e centrais de trabalhadores no momento de colocar as suas reivindicações (Díaz Lozano, 2023).
[2] Abya Yala significa Terra Madura, Terra Viva ou Terra em Florescimento, foi o termo usado pelos Kuna, um povo originário que vive na Colômbia e no Panamá, para designar o território compreendido pelo continente americano e foi adotado por vários povos e comunidades nos últimos anos para evitar a denominação atribuída pela Europa.
[3] A este respeito, ler aqui.
[4] Mais informações aqui.
[5] Para mais informações, ler aqui, aqui e aqui.
[6] Este acordo define os direitos dos trabalhadores domésticos pela primeira vez, como parte da classe trabalhadora. Embora exista há dez anos, foi ratificado na Espanha em 2023.