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Quanto nos vai custar o BPN?

É difícil quantificar de forma inequívoca o real custo deste processo até ao seu termo. Se a real valorização dos ativos fosse hoje refletida nas contas públicas, o objetivo do défice imposto no memorando seria ainda mais difícil de atingir do que é. Artigo de João Neves, publicado no site da IAC.
Foto de Paulete Matos.

Criado em 1993, o Banco Português de Negócios beneficiou das deficiências das autoridades de supervisão para conceder empréstimos e outros investimentos avultados sem, com a devida cautela, assegurar a existência de garantias adequadas ou a capacidade dos devedores e projeto financiados.

Para além da inoperância dos supervisores (designadamente o Banco de Portugal), a gestão do BPN soube aproveitar de forma engenhosa um novo ambiente globalizado que permitiu criar sociedades sediadas em paraísos fiscais para escamotear a verdadeira identidade dos devedores; em alguns dos casos os próprios acionistas do Banco, os seus gestores e pessoas que lhes eram próximas.

Em resultado desta atividade, o banco acumulou uma situação líquida muito negativa, incapaz portanto de pagar os seus compromissos, nomeadamente para com os depositantes, o que conduziu à sua nacionalização em Novembro de 2008.

Em resultado da nacionalização do banco, foram criadas em 2010 três sociedades (Parvalores, Parups e Parparticipadas) para onde foram transferidas todas as operações feitas pelo BPN, que dificilmente serão reembolsadas pelos devedores – os ativos tóxicos.

Deste modo, separou-se o “banco bom” – um banco com um balanço equilibrado, com situação líquida positiva ou seja, em que os seus ativos são superiores aos seus passivos – do “banco mau” – as 3 sociedades onde se parquearam os créditos de cobrança mais difícil e os ativos (principalmente imobiliários) cujo valor real é muito inferior ao valor contabilístico. O valor contabilístico destes ativos transferidos poderá ascender a valores quantificáveis num intervalo entre 5.500 e 5.800 milhões de Euros, dependendo das fontes.

Esta separação, que tinha como objetivo tornar o “banco bom” interessante para um comprador privado, deixando para as três sociedades ou seja, para a esfera pública – o Estado e, consequentemente, o contribuinte português – os prejuízos associados a uma carteira de crédito e investimentos que dificilmente serão transformados em receitas, ou porque são créditos de difícil cobrança ou porque são ativos muito desvalorizados.

Esta operação já custou ao contribuinte português, em 2010 e 2011, mais de 2.800 milhões de Euros: 2.200 milhões de Euros por reconhecimento de perdas nesses ativos e 600 milhões de Euros injetados pelo Estado no capital do banco antes da reprivatização, concluída em 2012. A contrapartida recebida pela venda do banco aos privados foi de 40 milhões Euros, valor negligenciável face à dimensão das perdas incorridas pelo Estado.

É também importante não esquecer que o Estado concedeu ainda ao comprador privado a assunção das indemnizações judiciais que venham a ser impostas ao banco por processos movidos por antigos clientes e que ascendem potencialmente a 300 milhões de Euros.

Sabemos hoje que estas operações poderão originar mais perdas muito substanciais ao cidadão português. Conhecendo agora um pouco melhor a identidade dos verdadeiros beneficiários destes empréstimos e o insuficiente valor das garantias dadas, não será difícil conceber um cenário em que toda a carteira de ativos tóxicos transferidos para o Estado tenha um valor quase nulo. Se assim for, no limite este processo poderá ter um custo para o contribuinte português superior a 6.100 milhões de Euros (as perdas com os ativos tóxicos e a injeção de capital feita pelo estado), montante suficiente para pagar durante quase seis anos os subsídios de Natal e férias cortados aos pensionistas e funcionários públicos ou para pagar os aumentos de IRS em 2013, durante cerca de 3 anos.

A este valor devemos juntar os juros pagos pelo financiamento concedido pela Caixa Geral de Depósitos às três sociedades (mais 200 milhões de Euros orçamentados para 2013) e ainda eventuais indemnizações judiciais no máximo de 300 milhões de Euros).

É difícil quantificar de forma inequívoca o real custo deste processo até ao seu termo. Os atuais compromissos assumidos com a troika ao nível do défice são um incentivo muito forte para que se subestimem as perdas com os ativos tóxicos: se a real valorização dos ativos fosse hoje refletida nas contas públicas, o objetivo do défice imposto no memorando seria ainda mais difícil de atingir do que é. Os custos associados ao processo vão sendo mantidos fora do escrutínio público. Mesmo nas contas que o governo é obrigado a apresentar a outros órgãos de soberania, é frequente vermos queixas acerca da pouca transparência na informação sobre a real situação desta carteira de activos tóxicos.

Pior do que isso é saber que, subjacente à forma como foi conduzido este processo, está um princípio de nacionalização dos prejuízos privados, de penalizar os cidadãos quando um banco falha.

Ainda pior, hoje ninguém consegue garantir em absoluto que outros casos como este não estejam a ser criados. Quando pensamos que o sistema financeiro português gere ativos de cerca de 560 mil milhões de Euros (mais do que o produto português de 3 anos), conhecer a forma como os bancos conduzem a sua atividade é um direito cidadão que tem de se sobrepor à tradicional opacidade do sector.

É o mínimo a que temos direito pelo valor da fatura que estamos a pagar.

Termos relacionados BPN: A fraude do século, Sociedade
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