Plano europeu do hidrogénio verde está a devastar comunidades sul-africanas

12 de dezembro 2024 - 14:35

No recém-lançado relatório do Corporate Europe Observatory, as comunidades na África do Sul afetadas pela exploração do hidrogénio verde falam da falta de informação, do impacto sobre os locais onde vivem e até já há expulsões coletivas nas regiões das explorações.

PARTILHAR
capa do relatório
Pormenor da capa do relatório do Corporate Europe Observatory

Das comunidades piscatórias do Cabo Setentrional à população do Triângulo do Vaal, passando pela região mineira do Limpopo ou da província de Mpumalanga, os testemunhos convergem: a propaganda de Bruxelas sobre os projetos de hidrogénio verde que está a promover na África do Sul para descarbonizar a economia europeia não corresponde à verdade. Em vez da prometida criação de empregos e de um desenvolvimento ecológico, aquilo a que assistem tem sido o roubo de terras, a cada vez maior escassez de água, a falta de acesso à energia e a construção de projetos em locais já martirizados por muitas décadas de extrativismo. Os testemunhos estão reunidos no relatório do Corporate Europe Observatory (CEO) lançado na semana passada e dizem respeito aos maiores projetos com financiamento europeu naquele país.

A ONG afirma que a União Europeia - em especial a Alemanha e os Países Baixos - tem influenciado a política sul-africana orientada para a exportação do hidrogénio, com o apoio do lóbi deste setor. “Ao mesmo tempo, os maiores poluidores sul-africanos estão também a ter uma enorme influência e impacto nos planos nacionais de hidrogénio do país, utilizando a promessa do hidrogénio verde como uma fachada para prolongar os seus modelos de negócio sujos”, aponta o CEO.

Ou seja, na prática a União Europeia quer importar hidrogénio verde para descarbonizar a sua economia à custa dos povos do Sul. A ONG apela às organizações da sociedade civil europeia para que deixem de apoiar estas importações, à UE para que abandone os seus objetivos de importação de hidrogénio verde e “acorde para o impacto perigoso e destrutivo dos seus projetos para as comunidades locais e o seu meio ambiente”. Mas isso requer também deixar de dar ouvidos ao lóbi do hidrogénio e passar a ouvir as pessoas que estão a ser afetadas por esta indústria.

Em alternativa, o CEO defende que a UE deve apoiar a África do Sul na sua própria transição “em vez de a pressionar para assinar novos acordos que possibilitam a continuação da pilhagem dos seus recursos”. Para que todos possam fazer parte da transição justa, a África do Sul deve ser capaz de elaborar políticas sustentadas nas suas próprias necessidades sociais e económicas e não nas da União Europeia, conclui esta ONG.

Impulsionado pela indústria dos combustíveis fósseis e com um custo de produção que nas previsões mais otimistas para 2030 será ainda o quádruplo do hidrogénio fóssil, o hidrogénio verde tem vivido mais da propaganda do que de factos. No mês passado a BP anunciou que vai abandonar 70% dos seus projetos, dois meses depois da consultora McKinsey ter cortado drasticamente as suas projeções para o uso desta energia em 2050, invocando o elevado custo dos projetos. A baixa procura fez cair em outubro as ações das empresas do setor e o cancelamento de projetos tem sido constante este ano em vários países. A única certeza sobre este energia é que quer venha a ser um sucesso ou um fracasso, os produtores de gás e petróleo sairão sempre a ganhar, ora arrecadando os generosos subsídios públicos ao seu desenvolvimento, ora continuando a produzir o hidrogénio fóssil.