Entrevista

“Perante invasão de Rafah, TPI deve levar a sério o seu mandato”

08 de maio 2024 - 10:37

A coordenadora europeia da campanha BDS - Boicote, Desinvestimento e Sanções contra Israel está em Portugal para contactos com ativistas e organizações solidárias com o povo palestiniano e falou ao Esquerda.net. Fiona Ben Chekroun sublinha a importância da pressão internacional para impedir a escalada genocida na Palestina. 

porJorge Costa

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Fiona Ben Chekroun
Fiona Ben Chekroun

Quais são as origens e a história da campanha BDS?

O BDS é um movimento conduzido por palestinianos que lutam por liberdade, justiça e igualdade. Foi lançado em 2005 por uma grande coligação de organizações, sindicatos e comités populares provenientes dos três segmentos da sociedade civil palestiniana: o da Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Faixa de Gaza; o segmento que vive na parte da Palestina de 1948 que hoje é chamada Israel; os palestinianos refugiados e todos os descendentes espalhados pela região e globalmente.

O movimento apela ao boicote e à retirada do apoio ao apartheid israelita, às suas instituições desportivas, culturais e académicas, e a todas as empresas e multinacionais envolvidas na violação dos direitos humanos do povo palestiniano.

Quanto ao D, de desinvestimento, a campanha insta bancos, conselhos locais, igrejas, fundos de pensões, sindicatos e universidades a retirarem investimentos do Estado de Israel e de todas as empresas israelitas e que sustentem o apartheid.

Há ainda o S, relativo às sanções. Procuramos pressionar os governos para que cumpram a obrigação legal de contibuir para o fim do apartheid israelita. Entre as diferentes sanções a que os palestinianos apelam, encontram-se o embargo militar, a cessação do comércio com os colonatos ou a suspensão de Israel de órgãos como a Assembleia Geral da ONU, como aconteceu no passado contra o apartheid na África do Sul.

Até que termine a impunidade de Israel, as campanhas do BDS continuarão.

 

Com a escalada genocida contra os palestinianos, desencadeada a partir dos atentados do Hamas de 7 de outubro, como se desenvolveu a campanha BDS?

Cresceu substancialmente. Vemos o impacto das campanhas pelo boicote a Israel na Eurovisão, na FIFA, nas Olimpíadas. Empresas como a McDonalds enfrentam perdas financeiras. Muitas instituições financeiras começam a desinvestir ou a vender títulos de dívida do Estado israelita, por exemplo. O desinvestimento está a generalizar-se, graças aos esforços dos estudantes nos EUA ou na Austrália, na Europa e no mundo árabe (Tunísia, Jordânia…).

Sabendo-se que o Tribunal Internacional de Justiça admite que esteja em curso um genocídio e agora, perante o assalto militar a Rafah, onde 1,2 milhões de palestinianos da Faixa de Gaza se refugiaram depois de forçados a deixar as suas casas, talvez possamos finalmente ver o S das sanções a acontecer. Cada vez mais Estados impõem sanções diplomáticas ou económicas e aprovam embargos militares.

Este movimento tem-se sustentado porque há grupos BDS e organizações parceiras que estão realmente a esforçar-se para manter a pressão. O movimento BDS lança estratégias, esclarece a mensagem, faz trabalho de advocacia a nível local, estatal ou da ONU. Embora o genocídio continue na Faixa de Gaza, os EUA e Israel estão completamente isolados, a Palestina tem um apoio crescente de Estados do sul global, como a Colômbia, como o Chile, o Brasil, a Indonésia, a Malásia e, claro, a África do Sul, que levou o caso ao Tribunal Internacional de Justiça. Enquanto antigo Estado de apartheid, é muito importante que a África do Sul reconheça a opressão e a colonização por Israel como aquilo que são: apartheid.

Fiona Ben Chekroun e Jorge Costa

 

Qual a importância do processo do TPI nessa evolução?

Por enquanto, o Tribunal Penal Internacional não emitiu quaisquer mandatos contra os líderes israelitas, Netanyahu ou outros. Há clara duplicidade de critérios: após a invasão russa da Ucrânia, o TPI foi muito rápido a emitir um mandato contra Putin. Há meses que os palestinianos fazem este apelo e continuamos à espera. Perante a invasão de Rafah, esperamos que o TPI leve seu mandato a sério, abandone padrões dúplices e emita mandados contra os líderes israelitas.

 

Que mensagem deixas às pessoas que, desde outubro, se têm mobilizado em Portugal e aos jovens que aqui começam a acompanhar a mobilização global das universidades?

Estamos muito gratos às pessoas de consciência que, em Portugal, mantêm a sua energia e continuam a sair às ruas em solidariedade. Pedimos-lhes que continuem a pressionar o governo para que respeite o direito internacional e aplique sanções a Israel. O facto de estudantes estarem a começar a organizar-se nas universidades está a dar esperança aos palestinianos porque essa é a geração mais jovem, aquela que verá a Palestina libertada deste um sistema opressivo. Isso já aconteceu no passado contra o apartheid da África do Sul ou contra a guerra do Vietname. Eles estão do lado certo da história e sabem disso. Devem persistir, ser estratégicos e apelar ao fim da cumplicidade das suas instituições de ensino superior e dos seus Estados com um sistema genocida. 

Jorge Costa
Sobre o/a autor(a)

Jorge Costa

Dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.
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