“Não queremos ser inquilinos de sionistas assassinos” e “Nem Haifa, nem Boavista, fora o capital sionista”, lia-se em duas faixas trazidas por manifestantes pelo direito à habitação este sábado no Porto. As fotografias publicadas na imprensa e nas redes sociais provocaram reações indignadas do embaixador de Israel, Dor Shapira, defendendo que "a liberdade de expressão tem de ter alguns limites". Mas também de Francisco Assis, o cabeça de lista do PS pelo Porto, acusando "uma certa extrema-esquerda imbecil e semianalfabeta [que] não hesita em promover a retórica antissemita". Insatisfeito com as frases reais, o candidato socialista alterou-as pelo seu punho: “Não queremos ser inquilinos de judeus; não queremos comprar nada nas lojas dos judeus”. Os slogans antissemitas inventados por Assis serviram-lhe para em seguida comparar os manifestantes do Porto ao propagandista nazi Joseph Goebbels e aos grupos neonazis que tentaram marcar uma manifestação contra a "islamização" em Lisboa, entretanto proibida.
Para quem não vive no Porto, aquelas duas faixas poderiam parecer uma forma algo forçada de trazer à manifestação que pedia "casas para viver" o drama do genocídio que Israel conduz na Faixa de Gaza, cujos indícios foram atestados na semana passada pelos juízes do Tribunal Internacional de Justiça.
Mas na cidade nortenha, o apetite dos investidores israelitas pelo negócio do imobiliário não passa despercebido aos seus jovens moradores, que nos últimos anos têm sido expulsos para as periferias por não conseguirem pagar rendas ou comprar casa no Porto.
Quem são os grupos israelitas no mercado imobiliário do Porto
Em março de 2018, o portal da Private Gate, agência portuense de imobiliário de luxo, publicava o artigo "Israelitas “à caça” de investimentos imobiliários no Porto", exemplificando com "a compra, por parte de Mordehay Mizrahi, de dois prédios na Baixa portuense para fazer um hotel e a aquisição, por parte de Davi Ben Dahan, de um terreno no valor de 300.000 euros, com o objetivo de construir um edifício com 16 apartamentos de tipologia T2". Os dois sócios teriam sido angariados por Eliran Graedge, investidor imobiliário e sócio da HouseLab. Outro sócio, Nélson Bento, dizia que os interessados eram “fundos de investimento de cinco ou de dez milhões, para gastar de uma vez. Mas também particulares dispostos a gastar 400.000 ou 500.000 euros num edifício”. Eliran acrescentava que, em Israel, "qualquer chefe de família, aos 45 anos, já tem meio milhão de euros, o que para nós é muito bom, mas para eles é considerado normal”.
Outro empresário israelita a investir forte no Porto foi Elad Drod, que juntamente com Nir Shalom fundou em 2015 a Fortera, sociedade de promoção imobiliária com capitais israelitas. Mas as reuniões com a Câmara começaram três anos antes, contou ao Expresso. Compraram terrenos e edifícios e, em 2018, tinham treze projetos em fase de licenciamento e perspetivas para investir pelo menos 200 milhões em habitação e hotelaria.
“Telavive é uma das dez cidades mais caras do mundo em termos de imobiliário e a determinada altura o Governo decidiu intervir e bloqueou a subida dos preços, afastando os investidores. Mas eles tinham muito dinheiro para investir e então começaram a olhar para outros destinos”, explicava Elad Dror em 2018.
A escolha do Porto justificava-se pela menor concorrência face à capital. "Lá os preços já estão fora de proporção, aqui ainda há margem para os preços subirem”, dizia o empresário, por entre elogios à autarquia portuense que demorava entre seis a nove meses a emitir licenças, enquanto "em Telavive demora dois anos". O negócio estendeu-se depois a Braga e Espinho, além de vários projetos no Porto e em Gaia, onde constrói o Skyline, o prédio mais alto do país que ocupa 54 mil metros quadrados no centro da cidade.
Cinco anos depois da entrevista, os elogios às autarquias ganharam outra leitura. Em maio de 2023, Elad Dror foi um dos detidos na operação Babel por suspeitas de corrupção, juntamente com o vereador do urbanismo da Câmara de Gaia, Patrocínio Azevedo, também líder da concelhia do PS, dois funcionários da Câmara do Porto, dos quais um chefe de divisão do urbanismo, e o empresário Paulo Malafaia, que também tinha sido detido na Operação Vórtex juntamente com o autarca de Espinho. Após ser detido, Elad Dror demitiu-se de CEO do grupo Fortera.
Outro grupo israelita é o Velocity, com investimentos de 50 milhões de euros em 2021 e que previa duplicar esse número nos anos seguintes. Na altura anunciava um projeto de 16 apartamentos na Rua do Almada, bem no centro da cidade, tal como outro não muito longe, na Rua dos Caldeireiros. Atualmente, o seu site anuncia um projeto na freguesia do Bonfim para 24 apartamentos de luxo, além da transformação de um edifício de escritórios com 700m2 em frente ao Palácio de Cristal num projeto para mais cinco apartamentos de luxo. A eles junta-se um hotel de cinco estrelas e um condomínio de luxo junto ao rio na margem de Gaia, mais onze apartamentos à beira rio na zona histórica do Porto e outros 16 apartamentos no centro da cidade.
O empresário Eli Omer, com a sua marca Osquared, é outro dos israelitas que dão cartas no mercado imobiliário do Porto. Além de projetos em prédios nas ruas do Almada, Cedofeita e Duque de Loulé, o maior projeto é o Olimpo Porto, que promete 218 pequenos apartamentos "premium" junto à Circunvalação. Omer chegou a confessar aos jornalistas que contratou psicólogos para convencerem os proprietários portuenses mais relutantes em vender, por se sentirem ligados emocionalmente às suas propriedades. Nalguns casos, convenceu-os a vender, conservando uma parte da propriedade como acionistas, o que terá ajudado a baixar o preço da compra.
Com outro público-alvo, o dos idosos endinheirados que vivem sozinhos, a startup israelita Willa apostou num projeto de "co-living" em duas residências do antigo bairro operário na Rua do Bonjardim, com um projeto para construir 39 apartamentos com espaços comuns para arrendamento com contratos até um ano. O seu fundador, Asaf Engel, dizia em 2020 querer transformar a Willa no “primeiro unicórnio no mercado do co-living do mundo”.
Os futuros habitantes deste co-living terão como vizinho o "hotel boutique" Saboaria, que já abriu portas na Rua do Bonjardim e é um dos projetos de três jovens israelitas, Uri Maeir, Hillel Gassenbauer e Amir Madeson, do grupo Tamar. Para este ano, querem abrir dois novos hotéis, um junto às escadas dos Guindais e outro na Rua da Fábrica, a juntar ao Saboaria e ao Laranjais, na Rua do Almada.
O Porto serviu também de porta de entrada no mercado imobiliário português ao grupo Taga-Urbanic, que em 2018 prometia 100 milhões em investimento nos cinco anos seguintes em 700 apartamentos reabilitados no Porto e Lisboa. Começou por adquirir quatro edifícios na Praça da República, Rua 31 de Janeiro e Rua do Bonjardim e passados três anos tinha já em carteira 1.100 apartamentos, prometendo agora gastar 250 milhões em imóveis no Porto, Gaia e arredores. Por 11 milhões comprou ao grupo Ageas um edifício de escritórios para converter em apartamentos. O responsável do grupo em Portugal dizia em 2021 que "queria muito viver na baixa do Porto, mas não encontrei uma casa para morar", por estar tudo entregue ao alojamento local. O complexo de luxo Sal D’Ouro Collection, no terreno da antiga Seca do Bacalhau, na Foz de Gaia, já está em construção, com os preços do T1 a partir de 284 mil euros e o único T4 já vendido por 1,15 milhões.
Lei dos sefarditas foi chamariz para investidores
A lei que permite a aquisição de nacionalidade portuguesa aos descendentes de judeus sefarditas pode abranger mais de um milhão de pessoas e até maio de 2022 eram mais de 112 mil israelitas com o processo iniciado. Os mecanismos de obtenção de nacionalidade são anunciados em Israel como a oportunidade de ter acesso a um dos passaportes mais valiosos do mundo e o fecho, em 2019, da janela temporal da lei espanhola passou a atrair cada vez mais israelitas, que na altura representavam dois terços dos pedidos ao abrigo da lei dos sefarditas.
A Comunidade Israelita do Porto cedo se destacou na instrução desses processos. Por ela passaram 90% dos processos instruídos em Portugal, noticiava o Público em fevereiro de 2022, incluindo o do oligarca russo Roman Abramovich. Um mês depois da notícia, a Polícia Judiciária deteve o chefe da Comunidade Israelita do Porto, Daniel Litvak, por suspeitas de crimes de tráfico de influências, corrupção ativa, falsificação de documento, branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada e associação criminosa. Litvak ficou obrigado a medidas de coação como a proibição de se ausentar do país e a apresentação três vezes por semana na Judiciária. Ao fim de seis meses, o Tribunal da Relação levantou essas medidas e criticou a acusação do Ministério Público, dizendo que assenta numa “generalização sem fundamento factual”.
Acusação de antissemitismo contra o boicote a Israel é velha e falsa
Em diversos países o ativismo pelo boicote, desinvestimento e sanções a Israel tem sido colocado sob pressão. Tal como tentou Francisco Assis, governos como o de Donald Trump ou o dos conservadores ingleses têm tentado promover a confusão entre povo judeu/religião judaica e interesses do Estado/empresas de Israel. A falsa acusação de antissemitismo movida contra a campanha internacional BDS assenta nessa manipulação.
A campanha BDS tem rejeitado essas acusações e afirmado a sua condenação de "todas as formas de racismo, incluindo o racismo antijudaico. Resistiremos a estas tentativas macarthistas de intimidar os ativistas palestinianos, israelitas e de outras nacionalidades para que aceitem o apartheid israelita e o colonialismo como destino".
Formado em 2005, o BDS ganhou proeminência em muitos países ao redor do mundo, apelando a um boicote total a Israel.