A História Esquecida da Esquerda Judaica Anti-Sionista

07 de março 2022 - 15:13

O investigador Benjamin Balthaser defende que o anti-sionismo dos movimentos judeus de esquerda nas décadas de 1930 e 1940 é um importante “recurso cultural” para os nossos dias.

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Judeus contra o sionismo. Foto do LavraPalavra.
Judeus contra o sionismo. Foto do LavraPalavra.

O roubo e destruição de casas e comunidades palestinianas é apenas uma peça de um projeto colonial muito maior – e mais antigo. Como escreve a organizadora palestiniana Sandra Tamari, “os palestinianos foram forçados a suportar as políticas de expulsão e apropriação de terras de Israel durante mais de 70 anos”. Hoje, essa realidade evoluiu para um sistema de apartheid aberto: os palestinianos em Israel são cidadãos de segunda classe, com Israel agora a legislar oficialmente que a autodeterminação é apenas para judeus. Os palestinianos na Cisjordânia e em Gaza estão sujeitos à ocupação militar, cerco, bloqueio e lei marcial – um sistema de dominação violenta possibilitado pelo apoio político e financeiro dos Estados Unidos.

Os anti-sionistas argumentam que essa realidade brutal não é apenas o produto de um governo de direita ou do fracasso em obter uma solução de dois estados. Em vez disso, origina-se no próprio projeto sionista moderno, estabelecido num contexto colonial e fundamentalmente dependente da limpeza étnica e da dominação violenta do povo palestiniano. Judeus em todo o mundo estão entre aqueles que se auto-denominam anti-sionistas e que se opõem veementemente à alegação de que o estado de Israel representa a vontade – ou interesses – do povo judeu.

O In These Times conversou com Benjamin Balthaser, professor associado de literatura multi-étnica na Universidade de Indiana em South Bend. O seu artigo recente, “Quando o anti-sionismo era judeu: subjetividade racial judaica e a esquerda literária anti-imperialista da Grande Depressão à Guerra Fria”, examina a história apagada do anti-sionismo entre a esquerda judia da classe trabalhadora nas décadas de 1930 e 1940. Balthaser é o autor de um livro de poemas sobre a velha esquerda judaica chamado Dedicação e uma monografia académica intitulada Modernismo Anti-imperialista. Ele está a trabalhar num livro sobre judeus marxistas, pensamento socialista e anti-sionismo no século XX.

Falou com o In These Times sobre as origens coloniais do sionismo moderno e a disputa da esquerda judaica com ele, alegando que é uma forma de nacionalismo de direita, é fundamentalmente oposto ao internacionalismo da classe trabalhadora e é uma forma de imperialismo. De acordo com Balthaser, esta tradição política enfraquece a afirmação de que o sionismo reflete a vontade de todo o povo judeu e oferece sinais para os dias atuais. “Para os judeus nos Estados Unidos que estão a tentar pensar sobre a sua relação não apenas com a Palestina, mas também sobre seu próprio lugar no mundo como uma minoria etnocultural diaspórica historicamente perseguida, temos que pensar de que lado estamos e com quais forças globais nos queremos alinhar”, diz. “Se não quisermos ficar do lado dos algozes de extrema-direita, do colonialismo e do racismo, há um recurso cultural judaico ao qual podemos recorrer – um recurso político ao qual recorrer”.

 

Pode explicar qual é a ideologia do sionismo? Quem o desenvolveu e quando?

Algumas coisas precisam ser desemaranhadas. Em primeiro lugar, há uma longa história judaica que antecede a ideologia do sionismo que olha para Jerusalém, o antigo reino da Judeia, como um local de anseio cultural, religioso e, pode-se dizer, messiânico. Se conhece a liturgia judaica, há referências que remontam a milhares de anos à terra de Sião, a Jerusalém, o antigo reino que os romanos destruíram. Tem havido tentativas ao longo da história judaica, desastrosamente, de “retornar” à terra da Palestina, a mais famosa, o Sabbatai Zevi, no século XVII. Mas na maior parte, ao longo de grande parte da história judaica, “Israel” foi entendido como uma espécie de anseio cultural e messiânico, mas não havia desejo de realmente se mudar fisicamente para lá, fora de pequenas comunidades religiosas em Jerusalém e, é claro, o pequeno número de judeus que continuaram a viver na Palestina sob o Império Otomano – cerca de 5% da população.

O sionismo contemporâneo, particularmente o sionismo político, utiliza esse grande reservatório de anseio cultural e texto religioso para se legitimar, e é aí que vem a confusão. O sionismo moderno surgiu no final do século XIX como um movimento nacionalista europeu. E eu acho que essa é a maneira de entender isso. Foi um desses muitos movimentos nacionalistas europeus de minorias oprimidas que tentou construir a partir das diversas culturas da Europa Ocidental e Oriental Estados-nação etnicamente homogéneos. E havia muitos nacionalismos judeus no final do século XIX e no início do século XX, dos quais o sionismo era apenas um.

Houve o Bund judeu, que foi um movimento socialista de esquerda que ganhou destaque no início do século XX e articulou um nacionalismo desterritorializado na Europa Oriental. Eles sentiam que o seu lugar era a Europa Oriental, a sua terra era a Europa Oriental, a sua língua era o iídiche. E queriam lutar pela liberdade na Europa, onde realmente viviam. E sentiram que a sua luta pela libertação era contra os governos capitalistas opressores na Europa. Se o Holocausto não tivesse destruído o Bund e outros socialistas judeus na Europa Oriental, poderíamos estar a falar sobre o nacionalismo judeu num contexto muito diferente agora.

Claro, houve experiências soviéticas, provavelmente a mais famosa em Birobidjan, mas também uma muito breve na Ucrânia, para criar zonas autónomas judaicas dentro dos territórios em que os judeus viviam ou noutros lugar dentro da União Soviética, enraizado na ideia iídiche de doykait, hereditariedade diaspórica e língua e cultura iídiche.

O sionismo foi um desses movimentos nacionalistas culturais. O que o tornou diferente foi que se enxertou no colonialismo britânico, uma relação explicitada com a Declaração Balfour em 1917, e realmente tentou criar um país a partir de uma colónia britânica – o Mandato Britânico da Palestina – e usar o colonialismo britânico como ajuda para se estabelecer no Médio Oriente. A Declaração Balfour foi essencialmente uma forma de usar o Império Britânico para os seus próprios fins. De certa forma, poder-se-ia dizer que o sionismo é uma mistura tóxica de nacionalismo europeu e imperialismo britânico enxertado num reservatório cultural de tropos e mitologias judaicas que vêm da liturgia e da cultura judaica.

 

Um dos fundamentos do sionismo moderno é ser uma ideologia que representa a vontade de todos os judeus. Mas no seu artigo argumenta que a crítica ao sionismo era na verdade bastante comum na esquerda judaica nas décadas de 1930 e 40 e que essa história foi amplamente apagada. Pode falar sobre o que foram essas críticas e quem as fez?

A parte engraçada sobre os Estados Unidos, e diria que isto se aplica principalmente à Europa, é que antes do fim da Segunda Guerra Mundial, e mesmo um pouco depois, é que a maioria dos judeus menosprezou os sionistas. E não importava que fosses comunista, não importava que fosses um judeu reformista, o sionismo não era popular. Havia muitos motivos diferentes para os judeus americanos não gostarem do sionismo antes dos anos 1940.

Há a crítica liberal do sionismo mais famosa articulada por Elmer Berger e o Conselho Americano para o Judaísmo. A ansiedade entre essas pessoas era que o sionismo seria basicamente um tipo de lealdade dupla, que abriria os judeus para a alegação de que não são americanos de verdade e que, na verdade, frustraria as suas tentativas de assimilar a cultura americana dominante. Elmer Berger também encaminhou a ideia de que os judeus não são uma cultura ou um povo, mas simplesmente uma religião e, portanto, nada têm de comum uns com os outros para além da fé religiosa. Esta, eu diria, é uma ideia assimilacionista que surge das décadas de 1920 e 1930 e tenta assemelhar-se a uma noção protestante de “comunidades de fé”.

Mas para a esquerda judaica – esquerda comunista, socialista, trotskista, marxista – a sua crítica ao sionismo vinha de dois aspetos: uma crítica do nacionalismo e uma crítica do colonialismo. Eles entenderam o sionismo como um nacionalismo de direita e, nesse sentido, burguês. Viam-no como em linha com outras formas de nacionalismo – uma tentativa de alinhar a classe trabalhadora com os interesses da burguesia. Houve na época uma conhecida crítica a Vladimir Jabotinsky no New Masses em 1935, em que o crítico marxista Robert Gessner chama a Jabotinsky um pequeno Hitler no Mar Vermelho. Gessner chama aos sionistas nazis e a esquerda em geral viu o nacionalismo judaico como uma formação de direita que tentava criar uma cultura militarista unificada que alinhava os interesses da classe trabalhadora judaica com os interesses da burguesia judaica.

Esta é uma das críticas ao sionismo. A outra crítica ao sionismo, que acho mais contemporânea para a esquerda de hoje, é que o sionismo é uma forma de imperialismo. Se vir os panfletos, revistas e discursos feitos sobre a esquerda judaica nas décadas de 1930 e 40, verá que os sionistas estavam a alinhar-se com o imperialismo britânico. Eles também estavam bem cientes do facto de que o Médio Oriente foi colonizado, primeiro pelos otomanos e depois pelos britânicos. Eles viam a luta palestiniana pela libertação como parte de um movimento anti-imperialista global.

Claro, os comunistas judeus viam-se não como cidadãos de um estado-nação, mas como parte do proletariado global: parte da classe trabalhadora global, parte da revolução global. Então para eles pensarem na sua terra natal como esta pequena faixa de terra no Mediterrâneo – independentemente de qualquer afinidade cultural com Jerusalém – seria apenas contra tudo em que acreditam.

Quando o Holocausto começou em força na década de 1940, e os judeus estavam a fugir da Europa de todas as maneiras que podiam, alguns membros do Partido Comunista defenderam que os judeus deveriam ter permissão para ir para a Palestina. Se estás a fugir da aniquilação e a Palestina é o único lugar para onde podes ir, isso é natural. Mas isso não significa que podes criar um Estado-nação lá. Precisas relacionar-te da melhor maneira possível com as pessoas que lá vivem. Houve um partido comunista da Palestina que defendeu a colaboração judaica e palestina para expulsar os britânicos e criar um estado binacional – o que, por uma série de razões, incluindo a natureza segregada dos colonatos judaicos, se mostrou mais difícil na prática do que na teoria.

De qualquer forma, a esquerda judaica nas décadas de 1930 e 1940 entendeu, criticamente, que a única maneira do sionismo surgir na Palestina seria através de um projeto colonial e da expulsão dos palestinianos autóctones. Num discurso de Earl Browder, presidente do Partido Comunista, no Hipódromo de Manhattan, ele declara que um estado judeu só pode ser formado através da expulsão de 250 mil palestinianos, o que os participantes consideraram muito chocante na época, mas na verdade acabou por ser uma dramática contagem por baixo.

 

Escreveu no seu recente artigo de jornal, “Talvez a narrativa mais difundida sobre o sionismo, mesmo entre estudiosos e escritores que reconhecem o seu status marginal antes da guerra, é que o Holocausto mudou a opinião judaica e convenceu os judeus da sua necessidade”. Você identifica alguns buracos importantes nesta narrativa. Pode explicar quais são?

Eu alteraria isso um pouco para dizer que estou a falar realmente sobre a esquerda comunista e marxista neste contexto. Eu cresci numa família de esquerda onde as opiniões estavam definitivamente divididas sobre a questão do sionismo – mas, no entanto, havia uma ideia generalizada de que o Holocausto mudou de opinião universalmente e todos se alinharam assim que os detalhes do Holocausto foram revelados, sionistas e antissionistas.

É inegavelmente correto dizer que sem o Holocausto provavelmente não haveria Israel, nem que fosse pelo simples facto de que houve um influxo maciço de refugiados judeus após a guerra, que sem dúvida teriam permanecido na Europa de outra forma. Sem esse influxo de judeus que poderiam lutar na guerra de 1948 e povoar Israel logo depois, é duvidoso que um estado independente de Israel pudesse ter sido bem-sucedido.

No entanto, uma coisa que achei mais surpreendente ao passar pela imprensa de esquerda judaica na década de 1940 – publicações do trotskista Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP), do Partido Comunista e escritos de Hannah Arendt – é que mesmo depois da dimensão do Holocausto ter sido amplamente compreendida, a posição oficial ainda era anti-sionista. Eles podem ter pedido que os judeus fossem autorizados a reinstalar-se nas terras de onde foram expulsos ou massacrados, com plenos direitos e plena cidadania, permissão para imigrar para os Estados Unidos, ou mesmo permissão para emigrar para a Palestina se não houvesse mais lugar nenhum para onde ir (como era frequentemente o caso). Mas eram ainda totalmente contra a partição e o estabelecimento de um estado exclusivamente judeu.

O que é importante entender sobre aquele momento é que o sionismo foi uma escolha política – não apenas das potências imperiais ocidentais, mas também da liderança judaica. Eles poderiam ter lutado mais arduamente pela imigração judaica para os Estados Unidos. E muitos dos líderes sionistas realmente lutaram contra a imigração para os Estados Unidos. Houve uma série de histórias relatadas na imprensa comunista judaica sobre como os sionistas colaboraram com os britânicos e americanos para forçar os judeus a irem para o Mandato Britânico da Palestina, quando preferiam ir para os Estados Unidos ou a Inglaterra. Há uma citação famosa de Ernest Bevin, o secretário dos Negócios Estrangeiros britânico, que disse que a única razão pela qual os Estados Unidos enviaram judeus para a Palestina foi “porque eles não querem muitos mais deles em Nova Iorque”. E os sionistas concordaram com isso.

Embora isso possa parecer história antiga, é importante porque perturba o senso comum em torno da formação de Israel. “Sim, talvez pudesse ter havido paz entre judeus e palestinianos, mas o Holocausto tornou tudo isso impossível”. E eu diria que esse debate depois de 1945 mostra que houve um longo momento em que havia outras possibilidades, e outro futuro poderia ter acontecido.

Ironicamente, talvez, a União Soviética tenha feito mais do que qualquer outra força isolada para mudar as mentes da esquerda marxista judaica no final dos anos 1940 sobre Israel. Andrei Gromyko, o embaixador da União Soviética nas Nações Unidas, em 1947, apoiou a partição nas Nações Unidas depois de declarar que o mundo ocidental nada fez para impedir o Holocausto e de repente há essa reviravolta. Todas essas publicações de esquerda judaica que denunciavam o sionismo, literalmente no dia seguinte, estavam a abraçar a divisão e a formação do Estado-nação de Israel.

Tem que entender que, para muitos comunistas judeus e até socialistas, a União Soviética era a terra prometida – não o sionismo. Este foi o lugar onde eles tinham, de acordo com a propaganda, erradicado o anti-semitismo. O Império Russo foi o lugar mais anti-semita ao longo do final do século XIX e início do século XX, antes do surgimento do nazismo. Muitos dos membros do Partido Comunista Judeu eram da Europa Oriental, ou as suas famílias, e tinham memórias muito vívidas da Rússia como o cadinho do anti-semitismo. Para eles, a Revolução Russa foi uma rutura na história, uma possibilidade de recomeçar. E, claro, isto foi depois da Segunda Guerra Mundial, quando a União Soviética acabara de derrotar os nazis. O facto da União Soviética abraçar o sionismo realmente lançou uma onda de choque ao mundo judaico de esquerda. A União Soviética mudou a sua política cerca de uma década depois, abraçando abertamente o anti-sionismo na década de 1960. Mas, para este breve momento crucial, a União Soviética foi firmemente a favor da partição e isso parece ser o que realmente mudou a esquerda judaica.

Sem esse tipo de legitimação, acho que todos nós estamos a começar a ver a esquerda judaica tal como existe retornar de uma forma importante às posições que originalmente ocupava, que é que o sionismo é um nacionalismo de direita e que é também racista e colonialista. Estamos a ver a esquerda judaica a retornar aos seus primeiros princípios.

 

Essa é uma boa resposta para algumas perguntas que eu queria fazer sobre a relevância da história anti-sionista para os dias atuais. Para muitas pessoas, o plano de Israel de anexar enormes quantidades de terras palestinianas na Cisjordânia, embora atrasado, ainda mostra a violência do projeto sionista de estabelecer o domínio judaico sobre a população palestiniana. E estamos a ver alguns sionistas liberais proeminentes como Peter Beinart proclamar publicamente que a solução de dois estados está morta e um estado baseado em direitos iguais é o melhor caminho. Vê este momento como importante para se ligar à história do anti-sionismo judaico? Vê aberturas ou possibilidades para mudar a mente das pessoas?

De certa forma, a carta de Beinart estava 70 anos atrasada. Mas é ainda uma viragem cultural muito importante, na medida em que ele faz parte de uma instituição judaica liberal. Eu também diria que estamos num momento histórico diferente. Nos anos 1930 e 40, pode-se realmente falar num tipo de sentimento revolucionário global e numa verdadeira esquerda judaica localizada em organizações como o Partido Comunista, o SWP e o Partido Socialista. E pode-se ver isso novamente na década de 1960. Os Estudantes por uma Sociedade Democrática, que também tinha um número considerável de membros judeus, apoiaram formalmente o anti-sionismo na década de 1960, junto com o SWP, e formaram alianças com o Comité de Coordenação Estudantil Não-Violento, que também tinha adotado uma posição oficial anti-sionista no final dos anos 1960. Poder-se-ia pensar numa estrutura revolucionária global na qual a libertação palestiniana fosse uma parte articulada – poder-se-ia pensar na Frente Popular para a Libertação da Palestina e na Organização para a Libertação da Palestina como parte da estrutura dos movimentos revolucionários globais.

Hoje estamos num espaço muito mais fragmentado. Na mesma nota, porém, estamos a assistir ao renascimento, ou talvez à continuidade, dos movimentos palestinianos pelos direitos civis, com a sociedade civil palestiniana a fazer um apelo à descolonização – ambos fora das suas próprias tradições de libertação, mas também buscando os modelos de luta pela liberdade sul-africana. Os judeus contemporâneos que são progressistas e se veem à esquerda estão de repente a perceber que realmente não há mais centro, não há mais posição sionista liberal. O centro realmente caiu. E deparamo-nos com esta decisão muito dura: ou estás do lado da libertação ou estás do lado da direita israelita que tem uma intenção eliminacionista e genocida que sempre esteve lá mas é claramente aparente agora. Então eu acho que pessoas como Beinart estão a acordar e a dizer: “Eu não quero estar do lado dos algozes”.

A história da velha esquerda judaica e da nova esquerda judaica da década de 1960 mostra-nos que isto não é novo. Qualquer luta de libertação virá dos próprios oprimidos, então o movimento de libertação palestiniano vai definir os seus termos para as lutas. Mas para os judeus nos Estados Unidos que estão a tentar pensar sobre a sua relação, não apenas com a Palestina, mas também o seu próprio lugar no mundo como uma minoria etnocultural diaspórica historicamente perseguida, temos que pensar de que lado estamos, e com quais forças globais nos queremos alinhar. Se não quisermos ficar do lado dos algozes da extrema-direita, do colonialismo e do racismo, há um recurso cultural judaico a qual podemos recorrer – um recurso político ao qual recorrer. Esta história da esquerda judaica antissionista demonstra que um importante papel histórico na diáspora tem sido a solidariedade com outras pessoas oprimidas. Este é o lugar de onde temos obtido mais força historicamente. Portanto, não vejo isso como dizendo: “Não vamos reproduzir o Partido Comunista das décadas de 1930 e 1940”. Estamos a dizer: “Vamos produzir algo novo, mas o passado pode ser um recurso cultural que podemos usar hoje”.

 

Quem ou o que é responsável pelo apagamento dessa história do anti-sionismo judaico de esquerda?

Eu não culparia o apagamento apenas na União Soviética ou no sionismo, porque também temos que pensar na Guerra Fria e como a Guerra Fria destruiu a velha esquerda judaica, e realmente a levou à clandestinidade e despedaçou as suas organizações. Portanto, acho que também temos que ver como a viragem para o sionismo foi entendida como algo que normalizaria os judeus numa era pós-guerra.

Com a execução dos Rosenbergs, o Medo Vermelho do final dos anos 1940 e 1950, e a efetiva proibição do Partido Comunista, que tinha sido ao longo das décadas de 1930 e 1940 em parte judeu, para grande parte do establishement judaico, alinhar-se com o imperialismo americano era uma forma dos judeus normalizarem a sua presença nos Estados Unidos. E espero que esse momento tenha passado em algum grau. Podemos ver o vazio e a esterilidade de nos alinharmos com um projeto imperial americano, com pessoas como Bari Weiss e Jared Kushner. Por que alguém como Bari Weiss, que se descreve como liberal, quer se aliar às forças mais reacionárias da vida americana?

É uma matriz sangrenta de assimilação que emergiu da suburbanização da Guerra Fria na década de 1950. Israel fez parte desse vender a alma ao diabo. Sim, podes tornar-te americano de verdade: podes ir para boas universidades dos EUA, podes viver nos subúrbios, entrar no mainstream da vida americana, contanto que faças uma coisinha por nós, que é apoiar o Império Americano. Felizmente, com o surgimento de novas organizações de base nos Estados Unidos, entre judeus e não judeus que questionam o papel dos EUA no apoio ao sionismo, este cálculo pode começar a mudar. Com a ascensão da Jewish Voice for Peace, IfNotNow, Democratic Socialists of America (DSA) e do Black Lives Movement, todos assumindo uma posição séria contra o apoio dos EUA ao sionismo, o bom senso na comunidade judaica começou a mover-se numa direção diferente, particularmente entre a geração mais jovem. A batalha está muito longe do fim, mas isso deixa-me um pouco otimista em relação ao futuro.


Benjamin Balthaser é professor na Universidade do Indiana e autor de Anti-Imperialist Modernism and Dedication.

Entrevista realizada por Sarah Lazare em 13 de julho de 2020, para o In These Times. Tradução de Otávio Losada para o LavraPalavra. Editado para português de Portugal pelo Esquerda.net.