Depois de o resultado eleitoral das europeias ter ficado aquém das expetativas, com 4,7% dos votos e a eleição de 3 eurodeputados, a responsável pelo setor organizativo do Sumar, Lara Hérnandez, anunciou esta segunda-feira a criação de uma mesa dos partidos que integram este espaço político para refletirem sobre o resultado e as condições para continuar com este projeto político.
Nascido no ano passado sob a liderança da ministra do Trabalho Yolanda Díaz, o Sumar começou por incluir a Izquierda Unida e o Podemos, além de outras formações ecologistas e da esquerda de âmbito regional, como os Comuns catalães, o Compromís Valenciano ou o Más País de Iñigo Errejón, um dos fundadores do Podemos que saiu em rota de colisão com Pablo Iglesias. A tensão entre o núcleo dirigente do Podemos e a líder do Sumar foi evidente desde o início e culminou, já após as legislativas de julho de 2023, na saída do partido liderado por Ione Belarra deste espaço político, por entre acusações de veto à continuidade da ex-ministra do Podemos Irene Montero. Foi ela a encabeçar a candidatura própria do Podemos às europeias, conseguindo eleger dois eurodeputados com 3,3% dos votos.
“Agora a reflexão compete às formações políticas [que integram o Sumar] e respeitarei o que façam e o que decidam”, afirmou Yolanda Díaz na passada quarta-feira após ter anunciado a sua demissão da coordenação do Sumar para se concentrar nas suas tarefas governativas. Para a substituir foi escolhida uma liderança transitória composta por Lara Hernández (ex-Izquierda Unida), o secretário-geral do grupo parlamentar Txema Guijarro (ex-Podemos), a responsável pela comunicação Elizabeth Duval e a secretária de Estado de Direitos Sociais Rosa Martínez (que antes pertenceu ao Equo e ao Podemos basco).
Para já, a única certeza parece ser o fim do modelo organizativo que pretendia tornar o Sumar numa “organização de organizações”, com um sistema de quotas que dava aos inscritos a capacidade de eleger 70% da equipa dirigente e os restantes 30% aos partidos. Mas o calendário para fazer este debate conjunto está dependente dos calendários próprios de cada uma das organizações para fazerem o seu balanço, pelo que pode não haver novidades até às férias de verão.
“A realidade superou o marco de um Sumar aglutinador”
Nesta reflexão assumirá um papel importante a Izquierda Unida, que pela primeira vez ficou sem representação no Parlamento Europeu ao não ver eleito o atual eurodeputado Manu Pineda, relegado para o quarto lugar na lista. Ao El Diario, o recém-eleito coordenador-geral do partido Antonio Mallo fala no “fechar de um ciclo” iniciado em 2014 e diz estar “superada a etapa do Sumar como guarda-chuva dos outros partidos”, considerando uma “confusão” o facto de o Sumar ser ao mesmo tempo um espaço de coligação de partidos e um partido com o mesmo nome, Movimiento Sumar. “É mais um partido e ponto final. É evidente. Podes escrever a melhor tese política que quiseres, mas a realidade supera a ficção e a realidade superou o marco de um Sumar aglutinador. Agora temos de criar outra coisa, chame-se o que se chamar”, acrescenta. Para o futuro, Mallo destaca a importância da ação parlamentar e governativa, onde o Sumar está presente em cinco ministérios, e no plano interno que o partido criado por Yolanda Díaz assuma o seu lugar à mesa como os restantes.
Tal como os dirigentes da Izquierda Unida, também a liderança do Más Madrid refere o enraizamento no terreno como forma de conseguir levantar a esquerda à esquerda do PSOE da crise eleitoral. E também à semelhança da IU, o resultado das europeias deixou este partido fora de Estrasburgo, graças ao quinto lugar que ocupava na lista do Sumar. Criado por Iñigo Errejón após ter protagonizado a cisão no Podemos, o fundador deixou o projeto madrileno em 2019 para o tentar reproduzir à escala nacional com o Más País, mas com sucesso limitado. Olhando para trás, quem saiu a ganhar foi a formação madrilena, que com Monica Garcia à frente se tornou no primeiro partido da oposição a Isabel Diaz Ayuso na Comunidade de Madrid. Mas a nomeação da líder do Más Madrid para ministra da Saúde no ano passado retirou eficácia à ação do partido e os resultados das europeias voltaram a colocar o PSOE bem à frente do Sumar, que passou de mais de 15% nas legislativas para menos de 6% nas europeias na região madrilena, onde o Más Madrid deixou também de ser o favorito nas sondagens para as próximas eleições regionais. Monica Garcia descreve agora o espaço progressista como “uma molécula com muitos átomos, mas com ligações fortes que são as que impediram que Feijóo e Abascal nos governem”. Quanto a fazer as pazes com o Podemos, responde que agora é o tempo de cuidar do Governo e das suas políticas e “mostrar ao eleitorado que não se trata de umbigos, mas de enraizamento, de política real, do que importa”.
E o Podemos, ainda pode voltar a juntar-se?
Falar da recomposição da esquerda sem falar no Podemos é tarefa impossível. O partido que catapultou o movimento do 15-M nas praças espanholas para a representação institucional, garantindo presença à mesa do Conselho de Ministros de Pedro Sánchez, vive agora a ressaca desse tempo. As lutas internas e as campanhas de difamação promovidas pelos meios do próprio Estado durante o governo de Rajoy e depois amplificadas pelos media foram debilitando a organização e tornando-a cada vez mais centrada em torno de um líder que entretanto se afastou dos cargos mas mantém a influência através dos meios de comunicação digitais que criou. Com Ione Belarra na liderança, o Podemos passou o último ano a disputar com os antigos parceiros o espaço político que antes dominava. Yolanda Díaz retirou-lhe a iniciativa com a criação do Sumar, a que aderiu a contragosto, bem evidente na ausência dos seus dirigentes no evento fundador. Com um calendário eleitoral apertado nos meses seguintes, as disputas sobre as listas eleitorais prosseguiram depois na formação do Governo quando o nome indicado pelo Podemos, o da então ministra Irene Montero, foi recusado por Yolanda Díaz. Logo em seguida, a não atribuição de cargos na liderança parlamentar acabou por ser a gota de água para o afastamento definitivo, com os deputados do Podemos a seguirem para a bancada dos não-inscritos.
As eleições europeias foram o momento escolhido para fazer a contagem de espingardas e o resultado não desanimou os autores da estratégia, ditando uma diferença de 200 mil votos e um eurodeputado entre a coligação Sumar e o Podemos, com este surgir à frente na Catalunha. Mas os 8% que resultam da soma das duas formações estão longe dos 20% obtidos em anteriores eleições e as disputas - primeiro internas e mais recentemente entre os dois espaços, amplificados e polarizados pelas acusações trocadas nas redes sociais - deixaram muitas feridas ainda por sarar. Juan Carlos Monedero, um dos ideólogos do Podemos e apontado pelo setor dissidente como um dos protagonistas nas purgas internas, afastou-se entretanto dos cargos partidários e está mais distante de Iglesias. Nas redes sociais, decreta ao mesmo tempo a morte do Sumar e a sobrevivência do Podemos, ao qual recomenda uma “clarificação ideológica” para se tornar na “nave-mãe” de uma nova frente ampla. Para facilitar a reaproximação, sugere o afastamento dos dirigentes iniciais, numa referência não assumida à influência de Pablo Iglesias mas bem vincada em relação a Iñigo Errejón, afirmando que este “traiu o mandato democrático do Podemos” quando rompeu com o partido.
Quanto ao ex-líder do Podemos, reagiu ao anúncio de demissão de Yolanda Díaz nas redes sociais, afirmando que “um líder pode tirar a coroa, mas voltar a pô-la não é fácil (mesmo que fale de si mesmo na terceira pessoa”. Iglesias acrescentou que os jornalistas que a apoiavam estão agora a “apunhalá-la sem pudor” e que os partidos que compunham o Sumar se começam a demarcar daquele projeto. Mais comedido, o porta-voz parlamentar do Podemos, Javier Sánchez Serna, disse apenas que desde a sua saída do grupo do Sumar, o partido decidiu ser muito respeitoso com as decisões que toma aquele projeto político. Quanto aos resultados eleitorais do Podemos, afirmou que foram importantes para “voltar a pôr de pé uma esquerda transformadora”, embora no seu conjunto “não possam ser festejados pela esquerda”.
Afastado da política e com as redes sociais fechadas a comentários por causa dos insultos que recebe à direita e à esquerda, o ex-ministro e antigo coordenador da Izquierda Unida Alberto Garzón diz que é preciso dar tempo ao tempo para a temperatura baixar após um resultado que classifica de “fracasso” quer para o Sumar quer para o Podemos. Depois será altura de construir um espaço de decisão comum que não dependa da organização maioritária nem de personalidades, o que não aconteceu com nenhum desses partidos. “Nunca tivemos regras comuns. Quando era ministro, eu prestava contas à IU e o Pablo Iglesias ao Podemos”, recorda Garzón, que ainda acredita ser possível ver Díaz, Iglesias e Montero a partilharem o mesmo palco de um comício. No entanto, avisa que o melhor será esperar sentado, porque isso não vai acontecer tão cedo.