Óscar Carmona e o golpe militar de 9 de julho de 1926

09 de julho 2021 - 9:05

Óscar Carmona ascendeu à chefia do Governo da Ditadura Militar em 9 de julho de 1926, na sequência de um golpe militar dirigido pelo general Sinel de Cordes e por si próprio contra a chefia do general Gomes da Costa. Por Luís Farinha.

porLuís Farinha

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António Óscar de Fragoso Carmona (1869 - 1951).
António Óscar de Fragoso Carmona (1869 - 1951).

Em função dos sucessivos golpes palacianos que foram abrindo o caminho aos militares conservadores e defensores de um novo regime ditatorial de cariz corporativo e antiliberal, o general Óscar Carmona ascendeu à chefia do Governo da Ditadura Militar em 9 de julho de 1926, na sequência de um golpe militar dirigido pelo general Sinel de Cordes e por si próprio contra a chefia do general Gomes da Costa, depois de ter desempenhado o cargo de ministro de Negócios Estrangeiros (03.06.1926 – 06.07.1926), na confusa transição dos governos militares chefiados pelo comandante Mendes Cabeçadas e pelo general Gomes da Costa. A sua nomeação para a pasta tivera como finalidade o reconhecimento e aceitação internacional da Ditadura Militar, especialmente por parte da Espanha de Primo de Rivera, que parecia ser, por essa altura, um modelo de estabilidade sob a direção do poder militar.

O presidencialismo como instrumento de implantação da Ditadura Nacional

O afastamento do general Gomes da Costa da chefia do governo (09.07.1926), por alegadamente se ter mostrado incapaz de arbitrar as diferentes famílias em luta pela hegemonia do processo ditatorial, especialmente a irrequietude da direita radical do “tenentismo” protofascista, fará finalmente surgir como solução oportuna a figura prudente e consensual de Óscar Carmona, como representante natural do republicanismo conservador e, simultaneamente, sensível à adoção de novas formas de governação, em especial da opção por um regime presidencialista que, desde o consulado de Sidónio Pais, deixou defensores entre diferentes sectores republicanos conservadores. Autores como Douglas Wheeler atribuem a sua ascensão no seio da Ditadura Militar à capacidade de intermediação das várias forças republicanas e monárquicas em presença e, principalmente, ao papel de arbitragem e acomodação das diferentes fações militares em confronto no seio da Situação. De forma suave, Óscar Carmona tornou-se, de facto, o «homem forte» da nova situação ditatorial, assegurando não só a transição da Ditadura Militar para uma «Ditadura Nacional» como desta para o Estado Novo. Não tendo conseguido vingar, em separado, nenhuma das correntes ou sensibilidades políticas que constituíram o bloco que fez o «Golpe de 28 de Maio de 1926», afirmava-se, naturalmente, aquele chefe militar que raramente tinha tomado iniciativas claras ou decididas, embora se tivesse percebido, pelas suas posições políticas no pós-guerra, que Carmona partilhava a opinião generalizada dos que contestavam a «hegemonia do Partido Democrático» e se batiam pelo seu afastamento, mesmo que para isso fosse necessário recorrer a práticas anticonstitucionais. Na sua posse, em 30 de novembro de 1926, como chefe do Governo e, simultaneamente, presidente da República, Carmona afirmaria:

«Fui sempre um soldado simples; e um simples soldado como eu, habituado ao cumprimento dos seus deveres, e que outra coisa não fez na vida senão cumprir o seu dever, sente-se naturalmente honrado ao ascender às mais altas funções a que um cidadão português pode aspirar» (NUNES, c, 1928, 92).

Nestas circunstâncias, foi escolhido para presidente do Ministério, ao mesmo tempo que, na prática, assegurava a chefia do Estado (09-07.1926). Instituía-se uma situação ditatorial inquestionável, sustentada por um modelo presidencialista em que o chefe do Estado acumulava as funções de chefe do Governo, como tinha acontecido com Sidónio Pais, mas com uma diferença substancial: o sidonismo estabelecera uma espécie de interregno constitucional, ao passo que, com Carmona, o Parlamento tinha sido encerrado, os partidos dissolvidos (ou autodissolvidos) e no horizonte não se vislumbrava qualquer retorno à normalidade constitucional.

Plebiscito legitimador

Esta situação foi formalmente alterada pelo Decreto nº 12740 de 26 de novembro de 1926, da autoria do próprio governo de Óscar Carmona, que visava separar a chefia do Governo da chefia do Estado, situação que, de facto, só veio a ocorrer em 25 de março de 1928, por ter sido eleito presidente da República por sufrágio direto e restrito, num plebiscito que tinha a clara e explícita intenção de assegurar a sua legitimidade política. A partir daí, a chefia do Governo foi confiada ao general José Vicente de Freitas (18.04.1928 – 09.07.1929), nomeado pelo novo presidente da República Óscar Carmona. Construía-se, deste modo, um quadro de aparente normalidade governativa, com separação de poderes, embora sem base constitucional, sem atividade parlamentar e com os partidos políticos inativos, com exceção da União Liberal Republicana, que manterá atividade residual até pelo menos 1930, ano que é constituída a União Nacional, o novo partido único do regime ditatorial.

Carmona e Salazar – um duunvirato indestrutível

A partir de 1928, com o convite de António de Oliveira Salazar para a pasta das Finanças, constituiu- se um duunvirato que, por entre dificuldades e pequenas procelas, vai manter-se forte e unido na base de cinco objetivos fundamentais: i) combate sem tréguas à resistência republicana constitucional (e a todas as outras oposições) que, em cerca de uma dezena de revoltas e intentonas, manteve uma guerra civil larvar, entre 1926 e 1939; ii) constitucionalização de um regime corporativo, legitimado por eleições de tipo plebiscitário, com sufrágio restrito e proibição de manifestação das oposições; iii) desmantelamento das instituições liberais, através de legislação avulsa; iv) aniquilamento do sindicalismo livre, proibição da greve e implantação de sindicatos nacionais; v) refundação do Império Colonial; vi) reforma do Exército, com desmantelamento das redes político-militares constituídas durante a I República e respetiva despolitização, com regresso aos quartéis; vii) blindagem do país aos conflitos peninsulares e europeus, potenciadores de mudanças consideradas perigosas para a manutenção da Ditadura Nacional.

Na aparência, este duunvirato manteve a imagem de um Presidencialismo formal, corporizado pelo presidente Óscar Carmona, sucessivamente eleito em 1928 (em 1933, a nova Constituição alargava o mandato presidencial para sete anos e Carmona mantém-se no cargo), 1935, 1942 e 1949 - numas eleições que só tiveram uma ameaça de concorrência em 1949, com a presentação da candidatura de oposição do general Norton de Matos -, mas na verdade de uma «ditadura do chefe do Governo», Oliveira Salazar, que governou, durante todo este período sem qualquer tipo de limitação constitucional, já que a Assembleia Nacional se limitava a corroborar, no essencial, as iniciativas governamentais que chegavam àquele órgão eleito, a partir da I Legislatura (1934) (ROSAS, 1985, 93-95) e Carmona a apoiar a política salazarista de forma incondicional.

Vitória sobre o Reviralho e a implantação da “Nova Ordem”

A primeira grande (e decisiva) vitória da governação de Óscar Carmona ocorreu na sequência da derrota infligida aos resistentes constitucionalistas pelos coronéis Passos e Sousa e Farinha Beirão – o primeiro seu ministro da Guerra -, na sequência da «Revolta de 3-9 de Fevereiro de 1927», que opôs o bloco constitucional republicano à Ditadura Militar, colocando o Porto e Lisboa a ferro fogo durante duas semanas, com profundas repercussões político-militares na transição do regime. Na sequência da revolta, estreitou-se extraordinariamente o campo constitucional, tanto em função das prisões, deportações e exílios dos constitucionalistas revoltosos, como em resultado das medidas repressivas que foram tomadas de seguida: criação de tribunais militares especiais, encerramento ou inutilização de partidos e sindicatos, reforço da censura e depuração do funcionalismo público. Em entrevista ao jornal francês Le Journal, Carmona define a consolidação da «ordem» como a primeira prioridade. Considerava que ia abandonar a atitude tolerante que adotara para com os «políticos» e que, de futuro, seria intransigente, desmantelando os «agrupamentos políticos» e «depurando o funcionalismo». Quanto à organização futura do país, que aceitava que viesse a ter «um certo ar de família com os fascismos espanhol e italiano», considerava Carmona que era ainda muito cedo para pensar em tal. Afirmava apenas que a Constituição seria reformada, a eleição seria organizada de forma diferente e que, no entretanto, seria criado um Conselho Nacional Económico, com características técnicas e consultivas (FARINHA, 1998, 60).

Constitucionalização da ditadura – em definitivo

A nomeação para a chefia do Governo de José Vicente de Freitas (18.04.1928 – 09.07.1929) e depois de Ivens Ferraz (09.07.1929 – 21.01.1930) consubstancia um período igualmente decisivo da ação do chefe do Estado Óscar Carmona, porque foi durante este período que, de forma cada vez mais evidente, se deram passos para responder ao problema de decidir sobre a natureza do regime que devia suceder à Ditadura Militar. Em luta, estarão dois projetos de natureza relativamente diferente: um que, ainda ligado ao regime republicano, pugnava pela sua regeneração, através de uma recomposição partidária e de um reforço do poder executivo; um outro que dava corpo à «Nova Ordem» que anos mais tarde iria vingar sob a designação de Estado Novo. O desfecho desta contenda político-ideológica ocorreu no início de 1930, com a nomeação para chefe do Governo do general Domingos de Oliveira, um militar muito próximo do chefe do Estado, e com o afastamento do general Ivens Ferraz que, em representação da corrente mais moderada e contemporizadora, admitira, em declarações públicas, o regresso dos deportados e a retoma da normalidade constitucional, depois de um tempo de ditadura, que não poderia tornar-se eterno:

«Não é a meu ver tarefa fácil condicionar o regresso à normalidade constitucional. Ele corresponde, por assim dizer, à restituição gradual de todas as liberdades que a ditadura se viu forçada a restringir. Só ao governo cumpre determinar a melhor oportunidade de o fazer» (Ascensão de Salazar (A), 1988, 111).

A substituição de Ivens Ferraz por Domingos de Oliveira teve por base a luta política que se verificava no interior da Ditadura e por pretexto um ultimato feito por Salazar, no contexto de um conflito que ficou conhecido de «portaria dos sinos». Salazar exigia a sua revogação para se manter no governo, mas isso desautorizava o chefe do Governo Ivens Ferraz. O Presidente Óscar Carmona cobriu esta atitude de Salazar e deixou cair o chefe do Governo.

Iniciava-se aí um novo ciclo para a Ditadura; Salazar somava êxitos à frente da pasta das Finanças, desde 18.04.1928, o que lhe permitiu, a partir de 1930, liderar a corrente política corporativa e autoritária que, dois anos depois, atingia a chefia da governação e no ano seguinte, em 1933, propunha, com êxito, a instauração constitucional do Estado Novo.

Com a ascensão de Salazar à chefia do Governo (1932) e com o afastamento dos generais republicanos conservadores que advogavam uma transição do regime para uma República parlamentar moderada, começou a verdadeira coabitação dos duúnviros: a partir de 1930 Óscar Carmona e Oliveira Salazar são as duas faces de uma chefia bicéfala que, a pouco e pouco, entrega o poder civil a Salazar e o poder militar a Carmona e que, com a crescente força do primeiro há de mesmo impor uma reforma do Exército, em resultado da entrega da pasta da Guerra a Oliveira Salazar (11.05.1936 – 06.09.1944), facto impensável para muitos militares do «Movimento de 28 de Maio».


Bibliografia

Ascensão de Salazar (A), Memórias de Ivens Ferraz (1988), OLIVEIRA, César de (prefácio e notas). Lisboa, O Jornal

FARINHA, Luís (1998), O Reviralho Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo (1926-1940), Lisboa, Editorial Estampa

ROSAS, Fernando (1985), As Primeiras Eleições Legislativas sob o Estado Novo. Lisboa, O Jornal

NUNES, Leopoldo, (c, 1928), A Ditadura Militar (Prefácio de António Óscar Fragoso Carmona), Lisboa, s.n.


BIOGRAFIA SUCINTA DE ÓSCAR CARMONA

António Óscar Fragoso Carmona foi um oficial do Exército que fez o Curso de Cavalaria na Escola do Exército e que atingiu o posto de general, tendo sido em 1947 guinado à posição de “Marechal”. Falece em 18.4.1951. Em 1956 o seu corpo foi trasladado para o Panteão Nacional.

Teve uma carreira política preenchida durante o período republicano democrático, como ministro da Guerra (15.11.1923 – 18.12.1923), ministro dos Negócios Estrangeiros (03.06.1926 – 06.07.1926), Ministro da Guerra (em acumulação) (07.07.1926 – 29.11.1926). Durante a Ditadura Militar e o Estado Novo desempenhou os cargos de Presidente do Ministério ([07.07.1926 – 18.04.1928), de Presidente da República e de Presidente do Ministério em acumulação (29.11.1926 – 15.04.1928). Por fim, desempenhou o cargo de Presidente da República (15.04.1928 – 18.04.1951)

É natural da freguesia da Pena, concelho de Lisboa, onde nasceu a 24.11.1869. Nasce numa família de fortes tradições militares, indo buscar ascendência à nobreza fronteiriça do séc. XVI. Era filho de Inácio Maria de Azevedo Morais Carmona (1829-1903), general do Exército, participante, ainda como sargento-ajudante, na Guerra Civil de 1846-1847, e de Maria Inês de Mello Fragoso Corte-Real. Neto do brigadeiro Leonel Joaquim Machado Carmona (1791-1874), um participante da Guerra Peninsular e da primeira guerra civil liberal, «contra o Exército usurpador»; sobrinho do coronel de Cavalaria Leonel Joaquim Machado de Morais Carmona (1843- 1919); irmão de Maria Teodolinda Carmona (11.02.1867), Maria Palmira Carmona (27.06.1874 -?), Carlos Morais Carmona (21.02.1879 -?), Alberto Morais Carmona (21.02.1879 - e Maria Albertina Carmona (?-?).

Casou em 03.01.1914, na Conservatória do Registo Civil do 4º Bairro de Lisboa, com Maria do Carmo Ferreira da Silva Carmona (28.10.1879 – 13.03.1956), com quem vivia maritalmente há alguns anos. Desta união nasceram Cesaltina Maria da Silva Carmona (14.3.1899 -?), casada com o capitão de Administração Militar, António José Álvaro da Silva e Costa, combatente da I Guerra Mundial; António Adérito da Silva Carmona (15.11.1900 -?), Cônsul de Portugal em Casablanca, casado com Maria José Pietá de Vasconcelos; e Maria Inês da Silva de Mello Carmona (20.3.1903 - ?), casada com o brigadeiro Teófilo José da Fonseca e, em segundas núpcias, com José Jorge Rodrigues dos Santos, ministro de Portugal em Berna.

 

 

Luís Farinha
Sobre o/a autor(a)

Luís Farinha

Ex-Diretor do Museu do Aljube Resistência e Liberdade. Investigador no Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa