Em Santa Maria da Feira, o sol espreita entre as nuvens e dá espaço a que a conversa de café aconteça ao ar livre. O Bloco de Esquerda organizou uma sessão com enfermeiros, técnicos de emergência pré-hospitalar, administrativos da saúde, técnicos auxiliares de saúde, técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica e ainda trabalhadores de indústria do papel, da cortiça, do calçado e dos casinos.
Mariana Mortágua abriu a sessão dizendo que o partido determinou como objetivo “mostrar o trabalho que nunca é mostrado e os trabalhadores que nunca aparecem nas campanhas”. Não ter acesso ao descanso, salários que não compensam, excesso de trabalho, uma vida do avesso, tudo isso representa os trabalhadores por turnos.
A coordenadora do Bloco de Esquerda lembrou a petição que o partido dinamiza e que tem dezenas de milhares de assinaturas em defesa do trabalho por turnos. “Dar visibilidade ao trabalho significa explicar porque é que os trabalhadores não são dispensáveis”, disse a coordenadora do Bloco de Esquerda. Luís Fazenda, cabeça-de-lista do partido pelo círculo eleitoral de Aveiro, diz que o trabalho por turnos é uma “locomotiva da organização geral do trabalho”, que é preciso mudar.
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Dar visibilidade é dar a palavra, e por isso a dirigente bloquista pede aos enfermeiros, técnicos de emergência pré-hospitalar, administrativos da Saúde, técnicos auxiliares de saúde, técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica e trabalhadores da indústria do papel, da cortiça e do calçado e dos casinos que deem o seu testemunho.

“A saúde está fragilizada em termos de pessoal”, disse António. “Há muita gente a ter burnout e temos urgências a fechar. Por questões económicas as administrações hospitalares estão impedidas de contratar pessoal técnico”.
Bruno, técnico de emergência pré-hospitalar , diz que a profissão tem uma taxa de abandono de cerca de 30%. São 35 horas de trabalho na teoria que são sempre complementados com turnos extra durante a semana. “Quem sofre com isto é a família” diz. “Vemos com o passar da idade que muita coisa fica para trás. Vivemos numa luta constante com os ministérios da Saúde”.
Janete, técnica auxiliar de saúde no centro hospitalar do Baixo Vouga, tem jornadas de trabalho contínuas e por isso está impedida de acompanhar a família. “Onde é que fica a família? É preciso criar uma forma de a carreira ser atrativa”, porque faltam pessoas e isso “leva ao burnout”. “Tanta jornada continua para quê? Não podemos ter férias com a família, não temos qualidade de vida”, disse.
Os administrativos de saúde não têm uma carreira específica. João, administrativo de saúde, diz que trabalham “num serviço muito particular e muito sensível, sem nós não há atividade hospitalar”. Também para estes profissionais, a família é uma das principais vítimas do trabalho por turnos. “Fazemos o SNS funcionar mas não temos condições de trabalho dignas”.
Na indústria do papel, Manuel trabalha em laboração contínua. “É uma realidade que faz com que as pessoas tenham um desgaste permanente e contínuo”. Dorme de dia, o que significa que vive do avesso e isso não lhe permite dormir. “Muitas vezes não damos o rendimento no trabalho que podíamos dar”.
Vítor é enfermeiro, trabalha há 29 anos e diz que “o trabalho por turnos é extremamente desgastante, particularmente os enfermeiros estão 24 horas após 24 horas junto de quem mais de nós precisa”. Isso significa uma alteração do ritmo biológico, e o que se constata é que “não há o devido reconhecimento” desse desgaste. “Eu chego a uma determinada hora e já não estou a ver o doente, o nosso nível de concentração diminui drasticamente”, disse.

Marco, técnico superior de diagnóstico e terapêutica, disse que trabalha na mesma instituição que a sua esposa e têm dois filhos. “São filhos dos turnos, como costumamos dizer”, diz. “Levo os meus filhos ao trabalho e eles voltam com a mãe, que acaba de sair do turno”. Falou numa desregulação do sistema biológico, dos horários familiares, e da falta de vida “para além da atividade laboral”.
“Faço parte de uma geração que queria emancipar-se e durante muito tempo as administrações aproveitam-se do facto de que queremos aceitar tudo. E quando temos filhos, percebemos que queremos aproveitar a vida”, explicou. “Mas agora vou-me ausentar, tenho de ir trabalhar por turnos”.
Rui, trabalhador por turnos num casino da Solverde, diz que a sua indústria traz muitos milhões ao Estado, mas recebe muito pouco do subsídio de turnos. Burnout, problemas na dinâmica familiar e de saúde une este trabalhador aos trabalhadores de saúde e das outras indústrias.
É com esses problemas e com a reivindicação de melhores condições que estes trabalhadores se encontram, desde a saúde aos casinos. E é isso que o Bloco “quer construir em conjunto”, como diz Mariana Mortágua, que termina deixando o compromisso de que os deputados do seu partido servem para defender quem trabalha.