Offshore da Tecnoforma só fechou em 2004

30 de setembro 2014 - 9:30

Um ex-diretor da Tecnoforma disse ao Expresso que a empresa teve entre 1986 e 2001 um “saco azul” por onde entrava o dinheiro entregue por uma petrolífera em Angola. O esquerda.net sabe que essa companhia offshore ainda apresentou contas em 2003 e só foi extinta no ano seguinte.

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Os contornos da ligação de Passos Coelho à Tecnoforma têm sido marcados por omissões e contradições do primeiro-ministro.

A informação publicada pelas autoridades financeiras do offshore da Ilha de Jersey, consultada esta terça-feira pelo esquerda.net, confirma que a Form Overseas Limited foi de facto criada em junho de 1986, mas a sua dissolução formal aconteceu em outubro 2004 (ver imagem), passados mais de dois anos desde a contratação de Passos Coelho para a Tecnoforma, então comandada pelo seu antigo secretário-geral na JSD, João Luís Gonçalves. 

Segundo as declarações de um ex-diretor geral da Tecnoforma ao Expresso, a Form Overseas Limited tinha sido criada na década de 1980 com o objetivo de contornar a lei e assim poder pagar em dólares às dezenas de formadores contratados para trabalhar na Cabinda Oil Gulf, do grupo norte-americano Chevron. De Angola seguiram muitos milhões para a companhia registada na ilha de Jersey, afirma Luís Brito, acrescentando que parte desse dinheiro - cinco a seis milhões de dólares por ano - foi parar a uma conta da Tecnoforma numa dependência bancária em Almada.

[caption] Declaração da supervisão financeira do offshore de Jersey a confirmar a extinção do "saco azul" da Tecnoforma em outubro de 2004.[/caption]

CPPC terá custado um milhão de euros por ano

Luís Brito calcula que o Centro Português para a Cooperação, a ONG fundada e presidida por Pedro Passos Coelho a partir de 1996, tenha custado à Tecnoforma um milhão de euros por ano durante os três anos em que o então deputado em regime de exclusividade ali trabalhou. “Era uma despesa incomportável se tivéssemos apenas em conta o volume de negócios oficial da empresa em Portugal, que deveria rondar os 100 mil contos (meio milhão de euros) por ano”, referiu o ex diretor-geral da Tecnoforma. “Mas também é verdade que nunca vi esses custos refletidos nas contas”, acrescentou à reportagem do Expresso.

As contas de Luís Brito foram contrariadas pelo próprio Passos Coelho no debate parlamentar de sexta-feira. Quando a coordenadora bloquista Catarina Martins lhe perguntou por várias vezes se essas “despesas de representação” no CPPC seriam de  “tostões ou milhões”, o primeiro-ministro respondeu que nem de perto nem de longe a sua ONG tinha milhões para gastar. O antigo diretor da Tecnoforma diz que os números que apresenta - três milhões de euros em três anos gastos com o CPPC -  foram revelados “de forma informal quando alguns responsáveis de operações reuniam com a administração para discutir os resultados anuais” da Tecnoforma.

Contas da Tecnoforma longe da vista da imprensa

Para já, a contabilidade da Tecnoforma continuará inacessível aos jornalistas, uma vez que o Departamento Central de Investigação e Acção Penal só permite a consulta de uma parte do processo. O jornal i diz esta terça-feira que os documentos das contas da empresa estão cobertos pelo segredo comercial, pelo que só poderão ser divulgados por iniciativa da própria Tecnoforma.

Passos Coelho assinou uma declaração a dizer que entre 1996 e 1999, os rendimentos foram o salário de deputado e colaborações pontuais com a imprensa, nomeadamente a Antena 1, o extinto semanário Independente e o Público. A direção editorial do Público já veio desmentir o pagamento de qualquer quantia a Passos Coelho no período em causa.

Passos Coelho foi acusado por uma denúncia anónima, entregue em junho na Procuradoria Geral da República, de ter recebido mil contos (cinco mil euros) todos os meses durante cerca de três anos, quando ao mesmo tempo era deputado em exclusividade de funções. Confrontado com a denúncia, o primeiro-ministro nunca negou as acusações, alegando sempre falta de memória quanto a valores que tenha auferido e convocando primeiro o Parlamento e depois a PGR a esclarecerem o assunto.

Ao fim de duas semanas, confirmou-se que Passos Coelho assinou em 2000 uma declaração a assumir ter desempenhado as funções de deputado em regime de exclusividade, entre 1996 e 1999, sem outros rendimentos que não o do seu salário e colaborações pontuais com a imprensa, nomeadamente a Antena 1, o extinto semanário Independente e o Público. A direção editorial do Público já veio desmentir o pagamento de qualquer quantia a Passos Coelho no período em causa, levantando uma nova contradição no requerimento em que o deputado em fim de mandato pedia um subsídio de reintegração maior, apenas acessível a deputados com regime de exclusividade.

Na sexta-feira, a PGR declarou-se impossibilitada de investigar o caso, dado que os eventuais crimes cometidos pelo atual primeiro-ministro já prescreveram. À mesma hora que os assessores parlamentares do PSD distribuíam à imprensa a decisão da PGR, Passos reconheceu pela primeira vez ter recebido dinheiro do CPPC em “despesas de representação”, sem nunca referir o valor que realmente recebeu.

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