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Odemira: Um ano depois, “persistem os principais problemas”

A 29 de abril de 2021 foi decretada a cerca sanitária nas freguesias de São Teotónio e Longueira / Almograve do concelho de Odemira, devido ao elevado número de casos de covid-19 (123 pessoas infetadas, segundo o então ministro da Administação Interna), em particular entre os trabalhadores imigrantes das explorações agrícolas.
Uma semana depois, também de acordo com o Governo, o número de casos de covid-19 ativos baixara para 46, mas a cerca sanitária, que entrou em vigor a 30 de abril de 2021, só viria a ser levantada às zero horas do dia 12 de maio de 2021. As condições desumanas em que trabalham e vivem, e em particular em que habitam, os trabalhadores imigrantes das explorações agrícolas foram então largamente divulgadas nos grandes meios de comunicação e chocaram o país. Essas condições “a roçar a escravatura” já tinha sido denunciadas por associações locais e pelo Bloco de Esquerda, mas há um ano obrigaram o Governo a tomar medidas de emergência para a proteção da saúde e o combate da pandemia.
Em termos laborais nada mudou um ano depois
Sobre a situação um ano depois, a Lusa entrevistou Alberto Matos, dirigente nacional e responsável pela delegação de Beja da Associação Solidariedade Imigrante (Solim), que afirmou que “muito pouco mudou” e, em termos laborais, “nada mudou” mesmo. “A subcontratação de milhares de trabalhadores é feita através de prestadores de serviços de ‘vão de escada’, responsáveis diretos por muitas misérias humanas que o surto de covid-19 pôs a nu em 2021”, lembrou, sublinhando que subsistem o “trabalho precário, nalguns casos a roçar a escravatura, e condições desumanas de habitação”.
“Aliás, nem seria possível alterar em poucos meses as consequências de um modelo agrícola que vive à custa da maximização do lucro e da exploração, quer dos recursos naturais, quer de milhares de seres humanos em condições degradantes que cabem na definição de trabalho escravo ou escravatura no século XXI”, acrescentou Alberto Matos.
O dirigente da Solim lembrou que “algumas das imagens mais chocantes em 2021 foram de habitações degradadas, sem condições de raiz ou mal-adaptadas para alojamento de dezenas de trabalhadores”. “Muitos trabalhadores foram alojados temporariamente” noutras instalações “e a maioria acabou por rumar a outras regiões, na rotação do trabalho agrícola sazonal”, contou Alberto Matos, indicando que, no entanto, “uma grande parte está agora de volta, ocupando os mesmos ou outros espaços igualmente degradados”. O dirigente associativo considerou que a Estratégia Local de Habitação de Odemira “não dará frutos a curto prazo” e apontou que teme que “a solução de recurso seja a multiplicação das ‘aldeias de contentores’”.
“Corresponsabilização direta dos grandes produtores agrícolas"
Questionado sobre soluções para os problemas, o dirigente da Solim defendeu “uma limitação drástica da subcontratação”, a “corresponsabilização direta dos grandes produtores agrícolas pelos ilícitos cometidos ao longo de toda a cadeia de contratação” e alertou que a deteção e punição dos ilícitos “exige o reforço dos meios inspetivos, em particular” da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).
Alberto Matos alertou também para a necessidade de intervenção do Ministério do Ambiente e do Ministério da Saúde Pública, uma vez que “estão em causa a saúde e as condições de vida de milhares de trabalhadores e das populações locais”. Lembrou ainda a defesa da preservação do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.
Em relação à habitação, o dirigente associativo defendeu que “os contentores não são uma solução inclusiva, pelo contrário, dificultam a socialização e a tão propalada integração dos imigrantes”, apontando que a solução passa pela reabilitação e pelo repovoamento de vilas e aldeias, não apenas numa faixa litoral, mas também no interior do concelho, acrescentando ainda a necessidade de garantir “a mobilidade casa-trabalho, através de uma rede de transportes públicos para a qual devem contribuir uma fatia dos superlucros da agricultura intensiva”.
A concluir, Alberto Matos questionou ainda: “No imediato, que tal pôr um travão à agricultura intensiva e à multiplicação da área de estufas? Ou terá de ser a falta de água na barragem de Santa Clara a impor-se como argumento decisivo, à beira do precipício?”.
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