Está aqui

Observatório critica gestão da pandemia e desinvestimento na saúde pública

O Observatório Português dos Sistemas de Saúde publica um documento que reflete sobre a resposta à pandemia e alerta para a falta de investimento numa das componentes “mais frágeis e mais depauperadas do SNS”.
Ambulâncias à porta de hospital
Dezenas de ambulâncias aguardavam no fim de janeiro de 2021 à porta do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, para deixar os doentes na urgência hospitalar. Foto de Mario Cruz/Lusa

“Não estamos a aprender ainda, com esta experiência, aquilo que seria necessário fazer melhor agora e no futuro”, diz o grupo de peritos responsável pelo relatório da Primavera publicado esta quarta-feira pelo Observatório Português dos Sistemas de Saúde, entre os quais se encontram o ex-diretor-geral da Saúde Constantino Sakellarides, Ana Escoval, da Escola Nacional de Saúde Pública, e o primeiro presidente do Infarmed, José Aranda da Silva.

O documento faz um balanço da resposta a pandemia, com críticas ao voluntarismo excessivo na gestão dessa resposta e à insuficiência do planeamento, por exemplo após a primeira vaga de infeções, quando não se aproveitou no início do verão de 2020 a oportunidade para “preparar o Inverno seguinte que já se adivinhava difícil”. Ao invés disso, os decisores políticos tiveram uma atitude de “confiança excessiva” no que pensavam ser “o milagre português”.

O processo de decisão adotado pelo Governo também não fica isento de críticas nesta parte do documento citada pelo Público. Ao invés de privilegiar a audição do Conselho Nacional de Saúde Pública, órgão criado exatamente para aconselhar sobre riscos e emergência pública, o Governo ouviu-o apenas cinco vezes desde o início da pandemia, sem que tenha sido produzido qualquer relatório. Em vez disso, preferiu ouvir especialistas nas chamadas “reuniões do Infarmed”, criando assim “a ilusão de que a audição individual de peritos, sem o benefício de uma síntese científica qualificada (…) constituía uma forma real e idónea de aconselhamento científico para as decisões políticas”.

“O Governo preferiu fazer a sua própria síntese, uma síntese política, de contributos técnico-científicos individuais ouvidos. Esta não é uma originalidade positiva”, refere o Observatório, aconselhando a revisão do funcionamento do Conselho Nacional de Saúde Pública e a adoção por parte do Governo de “um processo adequado de aconselhamento científico para as decisões políticas”.

Entre os exemplos dos aspetos negativos da resposta à pandemia estão “as medidas draconianas de autêntico lockout” tomadas em relação aos lares de idosos que resultaram numa “mistura ideal para a explosão de todas as consequências não da doença, mas das medidas para a evitar: isolamento, solidão, rápida deterioração cognitiva e depressão, entre outras”. Mas também a falta de planeamento para minimizar os efeitos mais preocupantes dos festejos futebolísticos que criaram ajuntamentos de milhares de pessoas sem as medidas de proteção adequadas.

No plano positivo, os autores destacam o “alinhamento da comunidade política” sobre a resposta a tomar, a “liderança, empenhamento e constante atenção” dos principais responsáveis políticos do país e “a adesão de uma parte substancial da população portuguesa” quer aos comportamentos de proteção individual, quer ao processo de vacinação em curso.

Fundos europeus do PRR: “Que não sejam desperdiçadas as oportunidades"

Com a pandemia a expor as fragilidades do sistema de saúde, os autores defendem que “a rede de Saúde Pública do país precisa de um forte investimento ao seu desenvolvimento, que lhe tem sido negado há décadas”. E é por isso que olham com preocupação para o que trarão os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) nesta área. A avaliar pela análise do Observatório às 131 páginas da apresentação do PRR dedicadas à Saúde, destaca-se “a dificuldade em identificar nele um fio condutor de coerência estratégica e de abrangência sistémica” ou a “dispersão, fragmentação e desconexão de muitos dos investimentos previstos”, diz a parte do relatório citada pela Lusa.

A ausência de referência a investimentos para reforçar a rede de serviços de saúde pública é tão mais preocupante quanto se trata de “uma das componentes mais frágeis e mais depauperadas do SNS e do sistema de saúde, como ficou dramaticamente patente durante a pandemia”. Por isso, o relatório apela à criação de uma Estratégia de Saúde Pública a médio prazo e ao fim do “desinvestimento na requalificação técnica e tecnológica dos serviços de saúde pública do país”.

Os peritos do Observatório exigem “que não sejam desperdiçadas as oportunidades" criadas com a chegada deste investimento, o que só será conseguido com "a assunção da verdadeira dimensão política, económica e social que a área da saúde em geral e o SNS em particular assumem no reforço da coesão territorial e social e da promoção da saúde, da qualidade de vida e do bem-estar de todos”, a par da valorização dos profissionais de saúde do SNS.

Termos relacionados Sociedade
(...)