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O século conspirador, alucinado e excitante de William Burroughs
William Burroughs (1914–1997) é um dos novelistas norte-americanos mais radicais, estranhos e contundentes da segunda metade do século XX. A sua influência vai desde Jack Kerouac (aparece como o personagem “Old Bull Lee” em “On The Road”) a Kurt Cobain (com quem gravou um curioso disco, em 1993), passando por J.G. Ballard e Lou Reed.
O termo Heavy Metal, como referência ao género musical, deve-se a uma frase da sua obra “The Soft Machine” (1961). Em 1994, (aos 80 anos de idade) cruzou outra fronteira e apareceu num spot publicitário da Nike. Poderia ser enumerada uma longa lista da sua influencia profunda, não só em escritores, mas também em artistas de todo o género.
Mas se alguém for à Harvard Book Store, uma livraria independente, em Cambridge ou Massachusetts, e procurar nas estantes de ficção os livros de Burroughs, não os encontrará. Como pode ser que uma das melhores livrarias dos Estados Unidos e uma das universidades mais prestigiadas do planeta (na qual Burroughs estudou), não tenha obras de tão influente autor? Sucede que os livreiros guardam-nas atrás do balcão, porque William Burroughs é um autor que se rouba.
Nunca ganhou um Pulitzer e muito menos um Nobel. Nunca foi best-seller, nem se vendeu nos aeroportos, mas os livros de William Burroughs, ainda hoje, a cem anos do seu nascimento, são roubados das livrarias. Os ladrões são sempre jovens. Esse é o melhor exemplo da importância vital da escrita deste homem.
Pela sua aparência, sempre se pareceu mais com um banqueiro do que como lenda da contracultura, mas na sua essência Burroughs foi um rufião. Foi elegante, inteligentíssimo e encontrou redenção na sua arte, mas foi um rufião afinal de contas. Burroguhs disse que começou a escrever para exorcizar o demónio que possuiu a sua alma, quando matou a sua esposa com um tiro num acidente enquanto – bêbados – jogavam Guillerme Tell.
Burroughs teve um papel central ao impulsionar a geração Beat: funcionou como um mentor (quando não escrevia) para Jack Keruac e Allen Ginsberg.
A sua obra completa, que inclui onze novelas, dezenas de contos, milhares de cartas e textos inclassificáveis, está cheia de drogados, cenas bizarras homoeróticas, complexas graças escatológicas, ensaios paranoicos, viagens no tempo e cenários de ficção científica que pareceram ter nascido do cruzamento entre Franz Kafka e o Marquês de Sade. Mas isso é só à superfície. Na sua profundidade, a escrita de Burroughs é um sonho, tanto na sua dinâmica como nos seus conteúdos. E tal como nos sonhos, às vezes, veem o futuro.
Na sua obra mais conhecida, "Naked Lunch" (1959) – que foi adaptada ao cinema, em 1991, por David Cronenberg – Burroughs escreve: “ O estudo de máquinas inteligentes diz-nos mais sobre o cérebro do que aquilo que podemos aprender por métodos introspetivos. (...) Em breve, estaremos a operar por controlo remoto sobre pacientes que nunca veremos (...) Pouco depois de nascer, um cirurgião poderia inserir conexões no cérebro.”
Numa reportagem J.G. Ballard afirmou: “Viu o mundo como uma enorme conspiração de corporações mediáticas, do establishment político e da corrupção da ciência médica (...) Os seus livros são uma intenção de explorar esta cómoda conspiração, para nos permitir ver claramente a realidade.”
Burroughs formou-se em Letras, em Harvard. O seu avô tinha inventado uma calculadora – The Burroghs Adding Machine – que foi um elemento central no mundo dos negócios de finais do século XIX. Burroughs também estudou Medicina, em Viena. Estava encaminhado para ser um cidadão modelo, mas algo aconteceu. Um moralista diria que a culpa foram as drogas e os seus apetites sexuais.
Os seus defensores diriam o contrário: que tal como Kafka ou Philip Dick, William Burroughs percebeu o profundo mal estar numa sociedade que se recusava enfrentar a si mesma e que negava olhar para o seu lado mais obscuro. Desse ponto de vista, as obras de Burroughs são como sonhos lúcidos nos quais alguém desperta mais informado. Não é uma realidade cómoda ou esmerada. E talvez ainda inclua visões sobre o futuro.
* Andrés Hax – jornalista. Publicado na revista Ñ, do Clarín
Tradução de António José André para o Esquerda.net
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