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O que são e o que querem os Comités de Defesa da República?

A operação policial desta semana contra os Comités de Defesa da República, por causa dos cortes de estradas na Catalunha, inclui acusações de rebelião e terrorismo. Mas o que são, como nasceram e como se organizam os CDR? Artigo de Laura Aznar.
Foto CDR Alt Penedès/Facebook

A Procuradoria estuda ações penais contra os Comités de Defesa da República (CDR) por rebelião. Rajoy avisa que combaterá os CDR por todos os meios policiais e judiciais. O PP diz que lhe fazem lembrar “o pior que vivemos na política basca”. Para o PSOE, “os CDR são o gérmen da ‘kale borroka’ [a “luta de rua” protagonizada pela juventude basca nos anos 1990]” e dedicam-se a “apontar pessoas, empresas e sedes de partidos políticos”. Albert Rivera [líder dos Ciudadanos] já fala dos “comandos violentos que tentam condicionar a vida de todos os catalães”. Os Comités de Defesa da República, nascidos inicialmente como Comités de Defesa do Referendo, tornaram-se através da ação direta não-violenta, num dos atores chave da atual fase do processo que se seguiu ao referendo de 1 de outubro e da declaração unilateral de independência de 27 de outubro. Mas afinal o que sabemos deles? Como se organizam? Quem pode fazer parte? Há uma direção que o Estado possa prender? Que relações têm com os partidos? Como se financiam? Quais os seus planos?

O Estado espanhol, através dos Mossos e dos juízes, já anunciou que perseguirá judicialmente as ações dos ativistas independentistas; mas, pelo que se viu num primeiro relatório da Guardia Civil baseado em tweets, uma conferência de imprensa e artigos em meios de comunicação, não perceberam bem o que são e o que propõem os CDR. Neste artigo, a Critic responde às perguntas mais básicas sobre um movimento social que vai marcar a política catalã nas próximas semanas.

O que são os CDR?

Por volta de setembro começaram a articular-se a maior parte dos CDR, então chamados Comités de Defesa do Referendo. As suas siglas inspiraram-se nos Comités de Defesa da Revolução cubanos, os grupos promovidos por Fidel Castro após a queda do regime de Batista.

Na Catalunha, os primeiros CDR nasceram em  Sant Cugat del Vallès, no Alt Penedès e em Nou Barris, em Barcelona, poucos meses antes dos acontecimentos de outubro. São integrados por pessoas independentes, ou seja, moradores e moradoras ligadas a uma localidade que, tenham ou não militância noutras organizações, não vão às reuniões em representação de nenhum partido ou entidade. Estruturam-se territorialmente e de forma assembleária, e inicialmente formaram-se para proteger o referendo de 1 de Outubro e assegurar-se que pudesse ser efetivo.  Depois do parlamento proclamar a República, a 27 de outubro, o seu nome mudou e passara, a chamar-se Comités de Defesa da República. Os seus objetivos são, segundo explicam, a implementação da independência, bem como a libertação dos presos políticos e o regresso das pessoas exiladas.

Tanto no dia da realização do referendo como nas greves gerais posteriores, particularmente a de 8 de novembro, os CDR tiveram um papel muito relevante, Desde então e em mais de uma ocasião, organizaram mobilizações à margem das outras duas principais entidades independentistas, Òmnium Cultural ou a Assembleia Nacional Catalã (ANC), como se viu nos últimos dias quando levantaram as barreiras das portagens em vários pontos do país. Não são convocatórias isoladas: nos últimos meses, apesar de nem sempre terem impacto mediático, promoveram diversas ações descentralizadas em todo o território, que se intensificaram com a prisão do candidato à presidência Jordi Turull, os conselheiros Romeva, Rull e Bassa e da ex-presidente do parlamento, Carme Forcadell. Atualmente, existe uma grande sintonia entre os diversos núcleos dos CDR para “promover uma nova greve geral como ferramenta para combater o Estado”, explicavam fontes da comunicação destes coletivos à Critic.

Onde estão e como se organizam? Têm líderes?

Existem uns 300 comités nos Países Catalães, que se organizam em núcleos locais, de bairro, comarca ou setoriais. Também foram criados CDR internacionais em Paris, Bruxelas, Berlim ou Londres [e também Lisboa], e outros no País Basco. Cada núcleo é soberano, e decide que ações leva a cabo em função das forças de que despõe em cada território. Por vezes, as mobilizações que propõem os diferentes CDR são partilhadas com outros, e por isso fazem algumas ações de âmbito supralocal ou nacional. Segundo fontes dos CDR, representantes de diferentes núcleos encontraram-se algumas vezes, em Sabadell, Argentona ou Igualada, para coordenar essas ações globais. Estas mesmas fontes explicam que num dos encontros foi definida uma estrutura organizativa mínima, que serve de ferramenta de comunicação interna entre os diferentes comités.

Num relatório, a Guarda Civil identificou cerca de vinte pessoas que, segundo este corpo policial, formariam parte de uma suposta cúpula dos CDR encarregada de planificar as ações de desobediência civil. Entre os identificados, a maioria dos quais são rostos mediáticos, destacam-se o ex-deputado da CUP David Fernández, a filósofa Marina Garcés, o diretor da Fundipau, Jordi Armadans, ou o deputado da ERC Ruben Wagensberg. Apesar do que diz a Guardia Civil, os comités insistem que funcionam de forma assembleária e que não têm lideranças nem porta-vozes oficiais. Fontes de comunicação dos CDR explicavam à Critic que as autoridades tentam encontrar protagonistas “porque não conseguem conceber um movimento de base e sem lideranças”.  De facto, para além de reforçar a sua horizontalidade, a ausência de uma liderança também serve para que seja mais complicado “decapitar” este movimento, parafraseando Sáenz de Santamaría [vice-presidente do governo espanhol].

Os CDR afirmam que são espaços autogeridos, que se alimentam sobretudo da venda dos produtos que criam ou que promovem atividades populares ou encontros em todo o território para autoabastecer-se e fortalecer as caixas de resistência. Não recebem financiamento público, explicam, e as pessoas que participam não pagam nenhuma quota.

Que relação têm com a CUP?

Vários meios de comunicação apontam a ligação entre os Comités e a Candidatura de Unidade Popular (CUP), mas os seus membros sempre sublinharam a diversidade ideológica existente nos diferentes núcleos. Alguns dos seus promotores são militantes da esquerda independentista, mas também de outras organizações como a própria ANC ou Òmnium Cultural. Também há ativistas e membros de outros movimentos sociais.

Na maior parte das vezes os CDR seguiram uma estratégia de mobilização autónoma e isso explica-se, segundo as fontes da comunicação, porque os Comités são “a expressão da vontade popular e da energia de mobilização das pessoas”. Por este motivo, e apesar de que os objetivos possam ser partilhados, em várias ocasiões organizaram convocatórias sozinhos ou paralelas às da Òmnium e da ANC. Foi o caso, por exemplo, da concentração convocada pelos Comités em frente à Delegação do Governo na Catalunha, em Barcelona, que coincidiu com a convocatória das entidades independentistas em frente à sede da Comissão Europeia.

Os membros dos CDR não querem que os relacionam com nenhuma organização política e por isso insistem na necessidade de não haver seguidismo em relação a nenhum partido, porque, segundo dizem, é a cidadania que deve ter a iniciativa nas mobilizações. “Queremos lembrar aos representantes surgidos das eleições que o voto dos cidadãos não é um cheque em branco, que o compromisso com os programas eleitorais deve ser firme  e que o Parlamento da Catalunha deve obedecer à vontade do povo”, diziam em comunicado após o presidente do Parlamento, Roger Torrent, adiara o prazo de investidura do passado 30 de janeiro.

O PP, o PSOE e C’s acusam-nos de serem violentos… Mas será que são?

Depois das ações dos CDR do primeiro fim de semana de abril, as reações dos partidos constitucionalistas não se fizeram esperar. O subsecretário de política social e setorial do PP, Javier Maroto, comparou-os à “kale borroka” e referiu-se aos Comités como “grupúsculos” que protagonizam “semiviolência”. Por seu lado, Albert Rivera pediu a Mariano Rajoy que ponha em marcha medidas para proteger “juízes, procuradores, titulares de cargos públicos, polícias e, em geral, todos os catalães honrados e decentes” dos CDR, que, no critério do líder dos Ciudadanos, são “comandos separatistas violentos”. Nem o PSOE quis ficar atrás: Pedro Sánchez exigiu às autoridades públicas que garantam a segurança ante os “atos vândalos” que, segundo crê, protagonizaram os Comités nos últimos dias. O secretário-geral do partido assegura que está preocupado pela “violência” que muitos cidadãos sofrem com os cortes de estradas, bem como os seus “companheiros do PSC”.

Apesar destas declarações, os CDR afirmam que a sua estratégia assenta na ação direta a partir da desobediência pacífica. Desde o início, as suas convocatórias diferem das da ANC e da Òmnium por terem um grau de combatividade acima do destas entidades. Os Comités dizem que apostam “na não violência” e exprimiram a sua vontade de “desobedecer, ocupar as ruas ou paralisar a economia” como vias para obter “a concretização da República”.

Mesmo assim, alguns meios de comunicação apelidaram as suas ações de violentas, fazendo finca-pé, por exemplo, no facto de as pessoas que levantaram as barreiras nas portagens ou protagonizaram cortes de estradas estarem de rosto tapado. A esse respeito, uma integrante dos CDR explicava ao programa El Matí da Catalunya Radio que os manifestantes usam capuzes “para proteger a [sua] identidade e evitar a repressão do Estado”. Por isso os CDR tornaram público um comunicado onde denunciam que “os media do regime”, juntamente com “as forças repressivas do Estado espanhol” estão a difundir mentiras “para nos atacarem e criminalizarem”, com o objetivo de “legitimar a repressão” e colocá-los na mira da “perseguição política e judicial”.

Como atua o Estado para travar os CDR?

Os CDR não têm membros na prisão, mas ganharam visibilidade, o que os converteu num alvo para a Procuradoria. O primeiro golpe que os Comités receberam foram as cinco dezenas de pessoas acusadas pelos cortes de estradas durante as greves gerais de outubro e novembro. Foram notificadas 51 pessoas com o estatuto de investigadas por um delito de desordem pública, mas o Tribunal de Instrução nº 1 de Igualada acabou por arquivar provisoriamente o processo. O magistrado considerou que não ficou provado que as ações dos implicados fossem violentas, condição  necessária para que aconteça um delito de desordens públicas.

A este primeiro processo juntou-se mais recentemente a investigação da Guardia Civil, que identificava uma presumível liderança dos Comités que, segundo a polícia, orquestrava as ações de desobediência. E, por último, no dia 3 de abril, a Procuradoria da Audiencia espanhola divulgou um comunicado onde explica que está a preparar ações penais contra os CDR, a quem atribui possíveis delitos de rebelião, fraude e contra a ordem pública. Por essa razão, a Procuradoria ameaça atuar com contundência contra as atividades dos Comités.


Artigo originalmente publicado no portal Critic e republicado em castelhano no portal Viento Sur. Tradução de Luís Branco para o esquerda.net

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