Eletricidade

O apagão e o choque

02 de maio 2025 - 11:31

As empresas elétricas preferiram os lucros à estabilidade do sistema. E o regulador, por alguma razão, não foi capaz de as obrigar a estarem disponíveis.

por

Antonio Turiel

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Apagão.
Apagão. Foto de Victor Romero Valladares/Flickr.

O incidente

Às 12:33 ocorreu o incidente. De acordo com a informação dada pelo próprio primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, em 5 segundos a potência gerada caiu 15 GW, o equivalente a 60% do que estava a ser produzido na altura. Este facto levou a um apagão imediato em toda a Península Ibérica. Felizmente, manteve-se uma produção de cerca de 10 GW e, com isso e com a ajuda de importações maciças de eletricidade de França e Marrocos, foi possível restabelecer progressivamente a rede, de modo que, nas primeiras horas da manhã de 29 de abril, o fornecimento à maior parte do território tinha sido restabelecido, embora o sinal elétrico seja ainda um pouco instável no momento em que escrevo este texto. A reposição dos sistemas num ponto semelhante ao anterior levará ainda vários dias. Há sistemas importantes gravemente afetados, como a rede ferroviária. As centrais nucleares permanecem, neste momento, em situação de encerramento.

As explicações iniciais

Durante as primeiras horas, foram dadas inúmeras explicações sobre a causa deste apagão maciço e sem precedentes. Especulou-se que se tratava de um ciberataque, ou que se devia a um fenómeno atmosférico invulgar, ou que um incidente na linha de interligação com França tinha causado os problemas. Com o passar das horas, tornou-se claro que nada disso tinha acontecido. Até ao momento, ainda não foi dada qualquer explicação oficial sobre a causa do problema. O que, compreensivelmente, preocupa os cidadãos, que se interrogam sobre a possibilidade de esta situação se repetir num futuro próximo.

O que se passou

A rede elétrica mostrava sinais de instabilidade pelo menos desde as 12:00. Às 12:22, a rede já estava perto de entrar em colapso. No momento da falha, às 12:33, há uma separação de frequência de aproximadamente 0,15 Hz.

A certa altura, algumas sub-redes não conseguem suportar a sobretensão e desligam-se para evitar danos. Isto aumenta a tensão sobre o resto das sub-redes e, no final, uma grande parte da produção fotovoltaica acaba por cair, em cascata. Ao mesmo tempo, a energia nuclear, que também é inflexível, não consegue adaptar-se e as centrais entram em paragem de emergência, perdendo-se assim 2 GW de potência adicional.

Esta situação não tem nada de excecional. Trata-se de um problema que se repete na Europa há anos e que esteve na origem de incidentes graves, como o de 8 de janeiro de 2021.

O problema de fundo é a integração de grandes volumes de produção renovável na rede de alta tensão sem os acompanhar com os sistemas de estabilização de corrente necessários (e, desde as alterações regulamentares de 2022, obrigatórios). Esta é uma questão bem conhecida e amplamente discutida.

Enquanto a quantidade de energia renovável integrada na rede era minoritária, isso não constituía um problema, uma vez que as restantes fontes presentes no mix se encarregavam de manter estabilidade. O problema é que em dias como o de ontem, na altura do incidente, as energias renováveis representavam 80% do total da eletricidade produzida.

Os sistemas de produção eólica e fotovoltaica carecem de flexibilidade. Os sistemas tradicionais, sendo inerciais, oferecem uma certa facilidade inerente para se adaptarem às mudanças na procura. Mas isso não acontece com as novas energias renováveis. O mesmo acontece com o nuclear, que não tem capacidade de reação e, por conseguinte, cai exatamente da mesma forma que as energias renováveis.

Porque é que isto aconteceu

Convém sublinhar aqui que o problema não são os sistemas de geração renovável. O problema é o modelo de implementação imposto pelas grandes empresas, que estão mais preocupadas com os seus lucros do que com o bem comum. É absolutamente necessário avançar na produção de eletricidade renovável por muitas razões (ambientais, escassez de combustíveis fósseis…), mas não pode ser feito de qualquer maneira. Utilizo o exemplo de um vendedor que quer vender-te um carro sem travões. O carro é intrinsecamente perigoso? Não, mas não pode ser vendido sem travões. Pela mesma razão, as energias renováveis têm de ser acompanhadas de sistemas de estabilização. Não o fazer é uma grande irresponsabilidade. Mas, por uma questão de economia de custos, é isso que as grandes empresas fazem há anos.

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Na ausência de sistemas de estabilização, a situação de instabilidade poderia ter sido resolvida se, nos primeiros sinais (por volta das 12:00, talvez até mais cedo), tivesse sido aumentada a produção dos sistemas de despacho rápido, ou seja, a produção hidroelétrica e de ciclo combinado a gás natural. Mas, na altura do incidente, os ciclos combinados representavam apenas 3% do total. Insuficiente para absorver as flutuações e trazer estabilidade ao conjunto. Pior ainda, na altura do incidente, muitas centrais de ciclo combinado a gás estavam em paragem a frio e o seu reinício demorava horas. Consequentemente, foi necessário muito mais tempo para restabelecer a rede elétrica. A razão pela qual não havia centrais de gás de ciclo combinado disponíveis para proporcionar estabilidade é que, por estes dias, o preço da eletricidade tem sido zero ou mesmo negativo, o que motivou os donos das centrais a apagá-las, sem se preocuparem com a segurança do sistema. É inacreditável que algo assim possa acontecer e que o regulador o permita, mas é assim que as coisas são. Certamente que isto não é nada de novo, como explicámos no ano passado.

Por conseguinte, o problema fundamental foi o facto de as empresas terem posto os seus lucros à frente da estabilidade do sistema. Ao mesmo tempo, o regulador não foi capaz de as obrigar, por qualquer razão, a estarem disponíveis. Isto contextualiza as recentes declarações de Pedro Sánchez, dirigidas aos operadores do sistema elétrico.

Será que vai voltar a acontecer?

Não a curto prazo. Hoje em dia, 40% da produção é feita com ciclos combinados, enquanto se avança no restabelecimento total do sistema (e gostaria de reiterar a minha admiração pelos técnicos da Red Eléctrica Española, que mais uma vez fizeram um trabalho louvável, extremamente difícil e raramente reconhecido). É também evidente que se está a limitar o grau de penetração das energias renováveis. As centrais nucleares continuam no momento em que escrevo paradas, o que, por si só, levanta muitas questões.

Portanto: não, não é previsível um novo apagão geral a curto prazo. O que vai acontecer, no entanto, é que o preço da eletricidade vai disparar, devido ao aumento do consumo de gás, o que levará a um aumento do preço do gás e, consequentemente, do preço da eletricidade. Já para não falar dos danos causados, alguns dos quais serão certamente muito importantes.

Quais lições devemos tirar?

Que temos de investir na estabilidade (que é muito cara) e que temos de manter centrais elétricas de reserva (que são caras e emitem CO2). A longo prazo, o consumo terá provavelmente de ser reduzido para ser ajustado a algo sustentável.

Seria possível prever esta situação?

O que é que querem que eu diga?


Antonio Turiel é doutor em Física, especialista em energia e investigador do Conselho Superior de Investigações Científicas espanhol.

Texto publicado originalmente no seu blogue.