Está aqui
O anti-imperialismo consistente e a guerra na Ucrânia
A Nova Guerra Fria que tem vindo a acontecer desde a viragem do século não contrapõe sistemas sócio-económicos e políticos antagonistas como o fez a Guerra Fria na segunda metade do século XX. As alegações em sentido contrário são apenas manifestação de apoio a um dos lados desta confrontação global.
Assim, os apoiantes do Ocidente geo-estratégico e da Nato alegam que se trata de um conflito entre democracia e autoritarismo, fazendo vista grossa ao facto de que vários dos protegidos e aliados do Ocidente são regimes autoritários e de que a extrema-direita está a crescer no coração da aliança ocidental, incluindo nos próprios Estados Unidos, onde o presidente anterior era de extrema-direita.
Do lado oposto, os apoiantes da Rússia na guerra com a Ucrânia alegam que é uma luta contra as intrusões imperialistas do Ocidente, uma alegação que pressupõe que a Rússia tem um direito sagrado imperialista sobre as nações que subjugou historicamente, quer sob o czarismo quer sob o estalinismo.
A verdade é que a Nova Guerra Fria se parece mais ao período de tensões e rivalidades globais que precedeu a I Guerra Mundial que colocou igualmente potências imperialistas umas contra as outras. Washington estava perfeitamente feliz em promover o capitalismo na Rússia e na China e em acomodar o seu autoritarismo, ou melhor, em encorajá-lo como fez com Boris Yeltsin na Rússia, desde que servisse aos seus interesses.
Voltou-se contra estes Estados não quando eles se tornaram mais autoritários, mas quando se recusaram a permanecer confinados a um estatuto de subordinação. Até há alguns anos, Vladimir Putin expressava o desejo de ingressar na Nato. Ele tornou-se um feroz oponente da Aliança apenas quando percebeu que a sua expansão para leste, ao manter as suas portas firmemente fechadas para a Rússia, foi construída sobre o postulado de que esta última é o potencial inimigo atávico do Ocidente.
Da mesma forma que o verdadeiro anti-imperialismo durante a I Guerra Mundial era o que rejeitava igualmente ambos os lados imperialistas, o único anti-imperialismo consistente atualmente consiste em rejeitar igualmente ambos os lados da Nova Guerra Fria. Contudo, isto não supõe de forma alguma uma atitude neutra perante a invasão russa da Ucrânia: nenhum anti-imperialismo pode permanecer neutro numa situação em que uma nação subalterna é atacada por uma potência imperialista. A solidariedade com as vítimas das agressões imperialistas é um dever elementar dos anti-imperialistas.
O que implica uma oposição igual a ambos os lados da Nova Guerra Fria é que a solidariedade com a Ucrânia deve permanecer confinada aos limites do seu direito à auto-defesa. A Ucrânia tem o direito de lutar para repelir a presente invasão do seu território e portante o direito de obter os meios defensivos apropriados. A atitude mais inconsistente perante a guerra atual é, na verdade, a que supostamente apoia o direito da Ucrânia à auto-defesa mas se opõe ao seu direito de obter os meios que são indispensáveis a esse propósito.
A solidariedade anti-imperialista com a Ucrânia também significa oposição à transformação da resistência da Ucrânia à agressão num impulso para infligir uma derrota estratégica ao imperialismo russo em nome do imperialismo Ocidental. Isto não seria do melhor interesse do povo da Ucrânia, uma vez que implica o pagamento de um preço elevado, muito além do que já está a pagar.
A solidariedade anti-imperialista com a Ucrânia deve assim opor-se à escalada da guerra atual de uma guerra de auto-defesa para uma investida estratégica contra a Rússia, exigindo a disponibilização de caças a jato e mísseis de longo alcance à Ucrânia.
A administração Biden tem até agora recusado ultrapassar essa linha, apesar da pressão dos nacionalistas ucranianos e dos belicistas ocidentais. Espera-se que continue com esta auto-limitação.
Dito isto, não pode haver uma resolução justa e pacífica da guerra em curso sem um regresso às Nações Unidas e aos seus princípios. O plano de 12 pontos anunciado pela China a 24 de fevereiro reafirma o princípio da Carta das Nações Unidas da “soberania, independência integridade territorial de todos os países”.
Em vez de agarrar a mão que lhe foi estendida por Pequim a fim trabalhar em conjunto para um acordo baseado na ONU, Washington rejeitou imediatamente a posição chinesa, de acordo com a posição anti-chinesa reforçada que tem adotado desde a presidência de Donald Trump. Assim, torna-se claro que a administração Biden – embora não tenha querido até agora utilizar a Ucrânia para uma ofensiva estratégica contra a Rússia – contenta-se em utilizá-la para uma guerra de atrito com o seu rival russo.
Os anti-imperialistas consistentes devem combinar o seu apoio ao direito da Ucrânia à auto-defesa com o apoio a uma acordo de paz baseado na ONU. Aqueles que apelam à paz ao mesmo tempo que se opõem ao direito da Ucrânia de obter o que precisa para a sua defesa estão, de facto, a advogar a sua capitulação. A história mostra abundantemente que a “paz” baseada na superioridade militar de um lado não é mais do que uma acalmia temporária numa prolongada hostilidade geradora de conflitos. Aqueles que apoiam a continuação da guerra a longo prazo por objetivos maximalistas, incluído a recuperação militar da Crimeia pela Ucrânia, estão, de facto, a apoiar, um cenário apocalíptico em nome do direito. Os anti-imperialistas consistentes devem permanecer em oposição simultânea a ambas as posições.
Gilbert Achcar é professor de Estudos do Desenvolvimento e Relações Internacionais no SOAS da Universidade de Londres.
Artigo publicado no Labour Hub. Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.
Comentários
Ponto de vista pouco factual
É tempo de se refletir um pouco sobre a invasão da Ucrânia e analisar apenas factos, antes de se emitirem opiniões:
1) Não há qualquer evidência do chamado "imperialismo Russo". Não conseguimos comprovar a sua existência com nenhum ato de agressão ou de interferência ocorrido nas últimas décadas após o colapso da União Soviética e o fim do Pacto de Varsóvia. Razão apregoada para a existência da NATO que também deveria ter sido extinta pois a ameaça tinha deixado de existir. Também não encontramos nada que suporte o conceito de imperialismo Chinês porque nos últimos 70 anos não foi lançada qualquer bomba pelo "imperialismo chinês";
2) Se a NATO tivesse sido extinta, possivelmente as intervenções militares ilegais agressivas, com a total passividade da ONU, no Kosovo, Sérvia, Iraque, Líbia, Afeganistão, Síria e em outros locais menos noticiados como no Yemen, por exemplo, não teriam acontecido eventualmente;
3) Desde 2008 e após a consumada expansão da NATO e a proclamação da futura adesão da Ucrânia e da Geórgia, no congresso da NATO na Roménia, que a Rússia manifestou a sua preocupação existencial e claramente informou que eram 2 linhas vermelhas;
4) O resultado do golpe violento de 2014 na Ucrânia que afastou um líder democraticamente eleito, para colocar líderes mais pró-ocidentais, mais manipuláveis, com interesses financeiros no Ocidente e que de forma perigosamente agressiva atacaram a população Russa, considerando-os inferiores, proibindo as suas manifestações culturais e até proibindo a lingua Russa. Lembramos que as pessoas chegaram a serem atacadas nas ruas por estarem a falar Russo, poderemos comprovar com notícias da altura, levou a que as regiões de maioria populacional Russa não tivessem reconhecido o golpe de estado;
5) Em resultado do golpe descrito no ponto anterior, a Rússia apoiou militarmente essas regiões e evitou que a Crimeia pudesse ir parar a mãos americanas, não através de uma invasão, mas porque os militares Russos sempre lá estiveram, na altura com o apoio da Ucrânia. Aliás nem os EUA ainda existiam e os Russos já estavam na Crimeia militarmente;
6) Houve uma intervenção militar Russa na Geórgia (que tinham treinado militares no Ocidente e fornecido armamento e ao contrário do que é afirmado, a intervenção Russa surge como resposta a alguns conflitos provocados por militares pró-ocidente) e posteriormente deram apoio às regiões que não reconheceram o golpe de estado;
7) Por várias vezes, os Russos tentaram uma solução pacífica para criar um estatuto Neutro para a Ucrânia, onde a última delas foi em dezembro de 2022 e ignorada de forma ostensiva pelo EUA. Aliás, fica um pouco esquisito quando a China recentemente apresenta uma proposta de cessar fogo e os EUA declinam de imediato. Afinal, quem está em Guerra?
8) O Ocidente enganou a Rússia diversas vezes, no fim da era soviética e após a extinção do Pacto de Varsóvia, aumentou o seu raio de influência até às fronteiras da Rússia, o acordo alcançado em 2014 Minsk I e II para resolução dos conflitos referidos em 6,7 e 8, sobre a intermediação da Alemanha e da França e que nunca foram implementados, onde Holland e Merckl (mais recentemente no Der Spiegl) confirmaram que se tratou de ganhar tempo para armar convenientemente a Ucrânia, o principio do acordo de paz alcançado na Turquia, entre Ucranianos e Russos que conduziu ao gesto de boa vontade dos Russos em retirarem a coluna militar de Kiev e que culminou com a ida de Boris Johnson (a mando de quem?) à Ucrânia para cancelar o acordo, para não falar da proposta Israelita e desta última Chinesa, para não falar ainda,do Ocidente andar a fingir que não apoia actos de terrorismo, como por exemplo, no caso do repórter que foi morto por receber uma estatueta armadilha num café público, com pessoas inocentes e até crianças. Não basta o ocidente condenar deverá tomar atitudes para que este tipo de coisas não volte a acontecer.
Concluindo, deveremos deixar de ser hipócritas e de ter medo de dizer a verdade. Não podemos fingir que não percebemos o que se passa, quando a intermediação dos EUA e do ocidente tem sido o desastre que conhecemos, destruição em vários países, envio de munições com urânio enriquecido para a Ucrânia, papagaios que aparecem na TV a comentar ignorando os problemas provocados, ainda hoje, às crianças e mães no Iraque, em contraste com os outros que trazem a pacificação das regiões e a sua reconstrução. Vejam o que está a acontecer em Mariupol, as suas novas imagens, vejam o trabalho da China na reconstrução do Iraque e do seu sistema de educação, vejam o que a China tem feito no médio-oriente num contraste absoluto com o ocidente. Chega de falar na ONU, quando permite e oculta a invasão de tropas dos EUA em vários países, ignorando a sua existência neste momento na Síria, segundo sempre um prisma de violência contra os estados de que não servem os nossos interesses. Até a chantagem com que querem obrigar os países a subscrever as sanções à Rússia, ignorando os seus interesses e vontade.
Adicionar novo comentário