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Novos escalões valem pouco mais que fuga fiscal da EDP nas barragens

A revisão dos escalões do IRS em 2022 terá um impacto orçamental de cerca 150 milhões de euros, muito inferior aos 230 milhões da revisão feita em 2018. Só o imposto de selo que a EDP deixou de pagar no negócio das barragens chegava para pagar quase a totalidade da medida apresentada por João Leão.
João Leão
João Leão, ministro das Finanças. Foto União Europeia.

A alteração dos escalões do IRS no próximo Orçamento do Estado é a grande bandeira do Governo para o alívio fiscal dos contribuintes. Mas, feitas as contas, é fácil perceber que o seu verdadeiro impacto fica muito aquém da alteração dos escalões feita em 2018. Nessa altura, a medida abrangeu 1.6 milhões de pessoas e teve um impacto orçamental de 230 milhões. Agora, o Governo prevê que a medida abranja menos 100 mil pessoas que em 2018 e corresponda a uma perda de receita de 150 milhões, um valor aproximado ao do imposto de Selo que a EDP deixou de pagar na venda da concessão de três barragens (110 milhões de euros).

Um englobamento que engloba muito pouco

Nos rendimentos de capitais, o Orçamento prevê que as mais-valias passem a ser englobadas e taxadas, sempre que o seu beneficiário tenha rendimentos que o enquadrem no escalão mais alto do IRS (75 mil euros anuais). Ainda que o Governo a apresente como uma norma anti-especulação, a eficácia esperada de uma medida tão restrita é praticamente nula já que, na prática, os investimentos bolsistas de curto prazo são efetuados maioritariamente por empresas. O próprio ministro das Finanças admite que a sua previsão de receita com esta alteração é de apenas 10 milhões de euros. Já Fernando Rocha Andrade, que foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais sob Mário Centeno e é um assumido opositor do princípio do englobamento, dava ontem nota, em debate na TVI24, da sua despreocupação face a uma medida de tão diminutos impactos.

Clubes de futebol são maiores beneficiários do Programa Regressar

Ainda no que diz respeito ao IRS, o Governo propõe prorrogar o “Programa Regressar” aos contribuintes que se tornem fiscalmente residentes em 2021, 2022 e 2023, ficando assim isentos de tributação de 50% do rendimento. Criado sob o argumento do estímulo aos regresso ao país de jovens emigrantes, este programa tem causado polémica por estar a ajudar os clubes de futebol a contratarem jogadores portugueses a atuar no estrangeiro com salários muito elevados. Ao isentá-los do pagamento de IRS sobre metade do salário, torna a remuneração mais acessível aos grandes clubes, pondo os contribuintes a subsidiarem as “estrelas” do plantel.

Outras novidades que a proposta de Orçamento traz ao IRS são a do alargamento da majoração da dedução para o segundo filho até aos 6 anos - que passa de 600 para 750 euros em 2022 e para 900 euros em 2023 - e do IRS Jovem, com isenção prolongada de três para cinco anos - 30% nos dois primeiros anos, 20% no terceiro e quarto e 10% no quinto -, além da inclusão de rendimentos da categoria B e a eliminação do limite máximo para aplicação da isenção.

Combate à pobreza infantil mantém entraves na condição de recursos

Nas medidas de combate à pobreza infantil, a nova prestação “Garantia para a Infância” propõe-se pagar o valor mensal de 70 euros em 2022 e 100 euros em 2023 às crianças em situação de pobreza extrema. As contas do Orçamento para 2022 traduzem-se em aumentos de 20.5 euros mensais para crianças nessa situação entre os três e os seis anos e 32.5 euros acima dos seis anos. O aumento do abono para as crianças até ao 2º escalão da Segurança Social é de 8.7 euros entre os três e os seis anos e 10 euros acima dos seis anos. Para as famílias que estejam acima desse 2º escalão, em 2023 o Governo promete transferir a diferença entre o valor anual do abono e o valor da dedução de 600 euros em IRS às famílias que não conseguirem deduzir todo o montante. Apesar do aumento da dedução para os 900 euros no segundo filho, este crédito fiscal não acompanha esse aumento. E o combate à pobreza infantil continuará a ter os entraves da discriminação na condição de recursos, em que as crianças continuarão a contar pela metade no acesso às prestações normais e aos apoios extraordinários.

Termos relacionados Orçamento do Estado 2022, Política
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