Na atualização do The World Factbook, livro de dados da CIA, Agência Central de Inteligência dos EUA, o Sahara Ocidental passou a surgir como parte de Marrocos.
A nova edição deste documento foi lançada na véspera da tomada de posse de Donald Trump como presidente norte-americano e o mapa tem escrito como legenda: “Mapa de Marrocos que mostra os principais núcleos populacionais, assim como partes dos países vizinhos e do Oceano Atlântico. Observe-se que em 2020 os Estados Unidos reconheceram o Sahara Ocidental como parte de Marrocos.”

Este reconhecimento foi feito por Trump em Dezembro daquele ano, pouco antes de ser forçado a deixar o cargo nas mãos de Joe Biden. Então, a posição oficial assumida pelo governo cessante foi de que “um Estado saharaui independente não é uma opção realista para resolver o conflito e a autonomia genuína sob soberania marroquina é a única solução viável”. Trump foi ao ponto nessa altura de prometer estabelecer um consulado do seu país na cidade ocupada de Dakhla. Tal não se concretizou depois da transição de poder mas, apesar de enfrentar oposição à esquerda sobre esta matéria, Biden nunca alterou o reconhecimento da ocupação.
E a decisão norte-americana foi fundamental para que países como Espanha, França e Israel seguissem as suas pisadas.
Ao jornal marroquino Hespress, o analista político Mohamed Omrani Boukhabza explica que a publicação do mapa “envia mensagens políticas claras” assim como a legenda que vinca a decisão anterior de Trump. Trata-se de um óbvio alinhamento com Marrocos
No Público espanhol e a partir de pressupostos totalmente diferentes, outro analista, Enric Juliana, concorda que a publicação “não é um detalhe menor” porque “a CIA recorda através da sua cartografia o compromisso assumido por Donald Trump ao finalizar o seu primeiro mandato”.
Jornalista e ativistas espanhóis expulsos
Este jornal viu um jornalista seu, Jose Carmona, assim como dois ativistas do CEAS-Sahara, serem expulsos do território este fim de semana quando realizavam uma missão de observação em Dakhla na sequência da abertura de um voo direto entre Madrid e esta cidade.
O diário dá conta do testemunho do jornalista expulso: “assim que chegámos demos conta que estávamos totalmente vigiados pela Polícia de Marrocos. Foi bastante incómodo, havia uma carrinha a perseguir-nos a cada passo que dávamos. Seguiam-nos a pouco mais de um metro, às vezes até parecia que íamos juntos. Queriam intimidar-nos e conseguiram-no.”
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O jornalista explica ainda que o objetivo da visita era ver o Marrocos está a querer fazer em Dakhla: “um Benidorm à marroquina, explorá-lo turisticamente com praias vistosas, surf e viagens em camelo”. A ideia era ver “como funciona esse turismo de massa e, sobretudo, poder falar com os saharauis que vivem em Dakhla”. Foi precisamente quando tinham ido ao encontro de famílias saharauis que contavam a sua “situação precária e muito complicada” com “familiares desaparecidos” que, passado meia hora, os agentes policiais os obrigaram a sair, os levaram de volta ao hotel e informaram que estavam “oficialmente expulsos por ordem de Marrocos”.
Os voos da Ryanair e a União Europeia
Os voos diretos entre Madrid e Dakhla são explorados pela Ryanair. Estão anunciados desde novembro e foram publicitados como sendo voos para Marrocos não referindo o estatuto de ocupação do território. No passado dia 19 foi a sua inauguração e o jornalista do Público.es e os ativistas estiveram entre os primeiros a viajar.
Para além desta companhia aérea e da Royal Air Maroc, três outras viajam para o Sahara Ocidental ocupado: a Transvia (subsidiária da KLM-Air France), a Air Arabia e a Binter Airlines.
A eurodeputada irlandesa do Sinn Féin, Lynn Boylan, questionou o Comissário europeu dos Transportes Sustentáveis e do Turismo, Apostolos Tzitzikostas, a 20 de janeiro sobre os voos entre Europa e Sahara Ocidental e a resposta foi de que “a 3 de dezembro de 2024, durante a reunião com o Fórum Consultivo sobre a Política de Aviação Externa da UE, a Comissão informou as transportadoras da UE que, de acordo com a decisão judicial do Tribunal de Justiça da União Europeia, o acordo Euro-mediterrâneo de aviação entre UE e Marrocos não se aplica nas rotas a partir do território de um Estado-membro da UE para o território do Sahara Ocidental”. A referência é a uma decisão judicial de 2018. E a resposta de Bruxelas parece deixar a exploração do negócio da Ryanair para o Sahara Ocidental num vazio legal em termos da legislação europeia.