A nova direita e o centenário da Bauhaus

15 de dezembro 2024 - 15:30

Quando se aproxima o centenário da Escola de Artes e Ofícios Bauhaus, a extrema-direita volta a questioná-la, tal como o fizeram os nazis nos anos 1930, como parte da sua batalha cultural que visa um regresso ao conservadorismo mais reacionário.

por

Eduardo Lucita

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Edifício Bauhaus

No momento em que a Alemanha se prepara para celebrar o centenário da Escola de Artes e Ofícios Bauhaus, no próximo ano, o passado regressou subitamente, deixando questões fantasmagóricas sobre o presente.

No âmbito da ascensão da extrema-direita, que varre agora grande parte do mundo, o grupo político pró-nazi Alternativa para a Alemanha (AfD) obteve resultados eleitorais sem precedentes desde o pós-guerra nas regiões da Turíngia e da Saxónia.

A Alemanha atravessa uma crise económica profunda (segundo ano consecutivo de recessão) e uma crise política (rutura do governo de coligação). Neste contexto, em outubro passado, a AfD apresentou uma moção no parlamento da Saxónia-Anhalt, em Magdeburgo (antiga Alemanha de Leste), sob o lema “Aberração ou desvio da modernidade, para uma análise crítica da Bauhaus”. Tudo soava muito parecido com a linguagem utilizada pelos nazis nos anos 1930, quando qualificavam essa formidável experiência como “arte degenerada”.

A República de Weimar

A Bauhaus foi fundada numa altura de crise do pensamento moderno e da racionalidade técnica ocidental no conjunto da Europa, em particular na República de Weimar. Este foi o nome dado ao regime político estabelecido na Alemanha após a derrota do país na Primeira Guerra Mundial. Este período, durante o qual vigorou o regime democrático-eleitoral, caracterizou-se por uma grande instabilidade política e social, sucediam-se revoltas militares, tentativas de golpes de Estado de direita, tentativas revolucionárias de esquerda (em janeiro de 1919, durante a rebelião espartaquista do governo social-democrata, foram assassinados Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo). 

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Esta instabilidade política desenvolveu-se num contexto de crise económica e de um processo hiperinflacionário desenfreado. Tudo isto levou à ascensão de Adolf Hitler e do Partido Nacional Socialista. Em 5 de março de 1933, os nazis obtiveram a maioria nas eleições para o Reichstag e puseram fim à Escola da Bauhaus.

As Artes e os Ofícios fundidos

“Arquitetos, escultores, pintores,… temos de voltar ao trabalho manual… Estabeleçamos, pois, uma nova confraria de artesãos, livre da arrogância que divide as classes sociais e procura erguer uma barreira intransponível entre artesãos e artistas”. Assim escrevia o arquiteto alemão Walter Gropius para definir os objetivos da Escola Bauhaus. Um termo que ele próprio criou quando a fundou em 1919. Significa casa em construção (bau, construir; haus, casa).

A Bauhaus foi um movimento artístico que, nascido como uma forma experimental, revolucionou o mundo do design, da arquitetura e da arte moderna no século XX. A sua filosofia baseava-se na ideia de que a estética era menos importante do que a funcionalidade dos objetos e dos edifícios. As suas propostas visavam uma reforma do ensino da arte e uma transformação da sociedade burguesa da época.

Tudo se passava na Escola de Artes e Ofícios, que agrupava cerca de 1400 alunos nas suas duas sedes, primeiro em Weimar e depois, a partir de 1925, em Dessau. Houve uma terceira sede em Berlim, mas nessa altura, sob o assédio nazi, já tinha mudado a orientação das suas propostas e do seu trabalho.

“A formação segue a função” era o lema com que procuravam fundir as diferentes artes (pintura, escultura, arquitetura, artesanato…) através de uma linguagem visual de formas geométricas simples, cores puras e abstração. Além disso, utilizaram materiais inovadores para o desenvolvimento de construções, mobiliário e objetos diversos.

Assentaram-se assim as bases do que hoje conhecemos como design industrial e gráfico. Antes desta experiência, estas profissões não existiam enquanto tal, foram criadas pela escola.

A Escola foi também uma experiência de novas formas de convivência entre os jovens alunos e os seus professores (entre os quais se encontravam figuras como Vassili Kandinsky, Paul Klee e o próprio Gropius) e o resto dos cidadãos. As festas que se iam sucedendo, por qualquer pretexto, serviram para essa experiência de convívio, fomentaram o trabalho em equipa e a cooperação e procuraram estabelecer contactos entre a escola e a população, que desconfiava de uma instituição demasiado vanguardista para a sua época.

O passado que não passa

Um século após a sua criação, a Escola Bauhaus mantém a sua atualidade nas instituições de ensino de design de todo o mundo, e as suas posições, afastadas das linhas divisórias entre disciplinas e a sua proximidade ao funcional, não perderam a sua atualidade.

Cem anos depois, a extrema-direita alemã volta a questioná-la, tal como nos anos 30, como parte da batalha cultural que estas expressões políticas reacionárias e conservadoras travam em vários países. Acusam a escola de exercer “um minimalismo alheio à tradição do país”, uma tradição totalmente afastada do multiculturalismo e baseada no “nacionalismo alemão e numa cultura alemã pura”. Acusam-na também de “abolir a individualidade numa massa amorfa” e ligam-na àquilo a que chamam “a agenda globalista”.

A moção acabou por ser rejeitada, mas o próprio debate no parlamento regional fez soar os alarmes. Manuela Lück, autora do relatório “A política cultural da Alternativa para a Alemanha” (citado pelo El País, em Espanha), comentou que tinha a sensação de estar em 1933. A linguagem é a mesma, “não tão extrema, mas é a da fase inicial”. “É preciso dizê-lo: são nazis”.

O debate cultural que nos é proposto pelas ultra-direitas deste tempo está a deixar cair o véu sobre os seus verdadeiros objetivos. Um regresso ao conservadorismo mais reacionário.


Eduardo Lucita é membro do Coletivo Economistas de Esquerda. Texto publicado originalmente no Viento Sur. Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net

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