“Nenhuma democracia política se sustenta longamente calcada em abismos sociais”

27 de maio 2023 - 1:52

Guilherme Boulos, deputado federal do PSOL (Brasil), alertou que a extrema-direita “cresce e prolifera” perante os “limites das nossas democracias liberais” e realçou a importância dos movimentos sociais: “A política precisa ser feita cada vez mais nas ruas”, frisou.

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Guilherme Boulos, deputado federal do PSOL. Fotos de Ana Mendes.

O comício internacionalista "Os combates pela Democracia", que se realizou esta sexta-feira no pavilhão do Casal Vistoso, em Lisboa, contou com a participação de Marisa Matias, Younous Omarjee (eurodeputado França Insubmissa), Guilherme Boulos (deputado federal do PSOL) e José Gusmão.

Em todas as intervenções, foi dado ênfase à necessidade de uma articulação internacional que reforce a luta contra o retrocesso das nossas liberdades face a uma aliança do neoliberalismo e da extrema direita.

“Derrotamos Bolsonaro nas urnas, mas ainda não derrotámos o bolsonarismo”

Durante a sua intervenção, Guilherme Boulos agradeceu a “solidariedade ativa do Bloco de Esquerda” para com o povo brasileiro e frisou que é um prazer voltar a Portugal após o Brasil “ter vencido o fascismo nas eleições de outubro do ano passado”.

Boulos sublinhou que a vitória que o seu país alcançou com a eleição de Lula e a derrota de Bolsonaro nas urnas “é um marco histórico”.

O deputado federal eleito pelo PSOL enfatizou que o governo Bolsonaro “representou um retrocesso que nunca pensámos ver”. Se a sua geração acreditou que a democracia era “uma conquista definitiva”, o “avanço do bolsonarismo e da extrema-direita demonstrou que não é”.

Derrotamos Bolsonaro nas urnas, mas ainda não derrotámos o bolsonarismo

“A vitória que tivemos foi uma vitória libertadora. Agora, por mais que ainda estejamos a respirar os ares dessa vitória e a comemorar conquistas”, também temos de “ter muita atenção, porque derrotamos Bolsonaro nas urnas, mas ainda não derrotámos o bolsonarismo”, alertou.

Boulos frisou que “o movimento de extrema-direita do qual eles fazem parte não é um fenómeno do Brasil”, assumindo nomes diferentes nos diversos países.


Ver Fotogaleria do comício internacionalista "O Combate pela Democracia"


No mundo, o que vemos é “uma ascensão de uma extrema-direita que se vale das insatisfações populares, que se vale, assim como foi a ascensão do fascismo na década de 30 na Europa, não só de insatisfações económicas, como de desalento político”, assinalou.

O deputado federal eleito pelo PSOL defendeu que, tal como a extrema-direita se organiza e se articula internacionalmente, “também temos de nos articular internacionalmente” e estreitar não só “laços de solidariedade mas também de cooperação internacionalista, de troca de experiências”.

“Se isso impõe uma unidade à esquerda,, também nos deve manter alertas de que unidade não é diluição. Até porque as frentes amplas pela democracia são importantes para vencer, mas não são suficientes para governar”, afirmou Boulos.

No seu entender, a luta por democracia não é simplesmente por manter eleições livres, evitar golpes digitais ou efetivos ou manter liberdades democráticas conquistadas historicamente, “é uma luta por democracia social, por democracia económica”.

“Nenhuma democracia política se sustenta longamente calcada em abismos sociais”, vincou.

Boulos acrescentou que, “aliás, a extrema-direita cresce e prolifera no meio da crise de representação pelos limites das nossas democracias liberais”, com os “estado nacionais sequestrados pelos interesses económicos internacionais” a serem “incapazes de cumprir as suas promessas sociais de inclusão”.

Se eles globalizam o ódio, é nosso papel globalizar a esperança, é nosso papel valorizar a coragem

O representante do PSOL apontou que, “para além da necessária unidade na luta democrática, temos de estar firmes na nossa agenda económica e social, na nossa agenda de combate às desigualdades”, “não declinar, um só momento, no confronto com o sistema financeiro que manda na economia mundial”, e “colocar os estados nacionais ao serviço dos direitos sociais das maiorias”.

Boulos realçou a importância dos movimentos sociais, referindo que “a política precisa ser feita cada vez mais nas ruas” e que “esse exemplo tem de vir da esquerda, senão não virá de ninguém”.

“Se eles globalizam o ódio, é nosso papel globalizar a esperança, é nosso papel valorizar a coragem”, rematou.

Autoritarismo e neoliberalismo andam juntos”

Younous Omarjee falou sobre a situação em França e sobre a forma como Emmanuel Macron tem vindo a enfraquecer a democracia há vários anos.

De acordo com o eurodeputado eleito pela França Insubmissa, “autoritarismo e neoliberalismo andam juntos”. Aliás, o liberalismo é “um poder autoritário que não suporta a democracia, porque se o movimento democrático se fortalece, o seu poder enfraquece”.

Younous apontou que, com a reeleição de Macron, as políticas do governo assemelham-se a políticas da extrema direita. “Muitas vezes encontramos a mesma linguagem, ideias comuns, sobre imigração, por exemplo”, assinalou. O representante da França Insubmissa referiu ainda a forma como Macron tem vindo a perseguir a esquerda.

“Mas um movimento histórico tomou forma na França”, com vários milhões de pessoas a saírem às ruas para recusar uma reforma neoliberal das pensões. “No entanto, aqui novamente, a democracia foi enfraquecida”, referiu Younous, detalhando que foram usados “todos os meios legais para servir aos seus interesses económicos”. E o método de governo adotado está “cada vez mais violento e autoritário”.

O eurodeputado enfatizou que, infelizmente, França não é caso único no que respeita à violação de direitos fundamentais. E não acontece “apenas dentro dos países, mas também entre os Estados”, avançou. Younous considera que “é a democracia, a estabilidade e a paz a nível global que estão ameaçadas”. E que, neste contexto, temos de “nos unir em todos os lugares para lutar pela paz, pela justiça social, para implementar a necessária transição ambiental com base nos princípios de justiça e igualdade”.

A Esquerda só cresce quando é alternativa de ideias e de ação”

Marisa Matias alertou que “um pouco por toda a parte, a democracia está a encolher e é preciso resgatá-la”.

“A esquerda, a unidade das esquerdas, é parte fundamental deste processo de resgate democrático e sabemos bem que a Esquerda só cresce quando é alternativa de ideias e de ação”, realçou.

De acordo com a eurodeputada bloquista, “a extrema direita quer disputar o espaço do protesto”, e “a pobreza, a desigualdade social e a normalização da extrema direita, com a benevolência dos governos da direita e do centro, têm contribuído para esse crescimento”. 

Marisa considera que é preciso “demonstrar a falsidade” das afirmações de que “os extremos são iguais”, e de que a “salvação” está no centro. “Não é porque uma mentira é repetida vezes sem contas que se transforma em verdade”, vincou.

A dirigente do Bloco defendeu que “só se impede a luta da direita se a luta social fizer o caminho da igualdade, da justiça social e ambiental, do combate à pobreza, das políticas inclusivas, da igualdade de oportunidades e da dignidade”. E que “pensar esse modelo económico e social de futuro é também acabar com todas as formas de neo-colonialismo”.

Ascensão da extrema-direita nasce da falência das políticas liberais”

José Gusmão afirmou que a ascensão da extrema-direita a que temos vindo a assistir “nasce da falência das políticas liberais”.

O eurodeputado do Bloco referiu que essa é a consequência de “abraçar a ilusão de um Estado Social construído em cima de uma economia liberal”.

José Gusmão sublinhou a importância de “ter um projeto, uma alternativa económica”, de “construir uma estratégia de resposta aos problemas do país” que passa necessariamente por uma resposta económica alternativa.

À direita essa alternativa não existe, não há “nenhum projeto económico, nenhuma estratégia de desenvolvimento”, o que temos, de acordo com o dirigente bloquista, é “uma direita entalada entre o engarrafamento no centro e a pressão da extrema-direita”.

O Bloco, pelo contrário, tem uma proposta alternativa “que não assenta no sacrifício dos mesmos do costume”, que passa pela “promoção da igualdade”, e por uma “política ambiental anti depressiva”.

“Existe um modelo que responde efetivamente à crise climática e que pode ser um modelo mobilizador”, disse José Gusmão.