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“Não há nada a esperar dos governos que nos conduziram à catástrofe ambiental”

O esquerda.net entrevistou Daniel Tanuro, ambientalista e uma das vozes mais escutadas nos debates estratégicos sobre ecologia à esquerda. Tanuro está em Portugal para participar nos IV Encontros Internacionais Ecossocialistas.
Foto esquerda.net

Estamos a poucos dias do arranque da COP24, a Cimeira da ONU sobre as alterações climáticas. O objetivo anunciado é acelerar as medidas necessárias para impedir que o aumento da temperatura média global passe o objetivo de 1.5ºc fixado em Paris. Será isso possível no quadro político atual?

Neste quadro político, não. E isto porque o maior emissor histórico, os Estados Unidos, se retirou dos acordos de Paris e porque o maior país do sul, o Brasil, com Bolsonaro, fará o mesmo. Daí que esteja excluída a possibilidade de esta Conferência atingir a meta de preencher o fosso entre os objetivos de Paris e as projeções da evolução da temperatura baseada nos compromissos assumidos pelos Estados, situando-se estas projeções entre 2,7 e 3,7ºc.

E esta impossibilidade política reenvia-nos mais fundamentalmente para a contradição maior que é que o capitalismo é um sistema baseado num crescimento infinito mas vivemos num planeta finito.

Os cientistas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas das Nações Unidas) divulgaram no mês passado um relatório no qual alertavam para o facto do cumprimento dessa meta de 1.5º implicar medidas com potencial impacto negativo nos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU em áreas como a pobreza, a fome, a água ou o acesso à energia. Para salvar o planeta, estamos condenados a ver aumentar a desigualdade?

Não, não estamos. O IPCC produz análises extremamente rigorosas no plano físico mas as projeções económicas, sociais e políticas do IPCC são enviesadas pelo seu próprio referencial. No seu quinto relatório de avaliação, o relatório imediatamente após os acordos de Paris, está escrito com todas as letras que os modelos climáticos supõem mercados que funcionam plenamente e comportamentos de mercado concorrenciais. Neste quadro neoliberal, uma política climática só pode evidentemente aumentar as desigualdades. As duas conclusões que podemos tirar daqui são: que as análises sócio-económicas do IPCC devem ser questionadas e contestadas; e que devemos sair do quadro neoliberal.

O ecossocialismo apresenta-se como uma crítica à ecologia que quer reformar o capitalismo e também do socialismo não-ecológico. Em que medida é que a promessa de um capitalismo verde representa uma contradição nos seus termos?

Pela razão que acabo de indicar. O capitalismo verde é verdadeiramente um oxímoro. Não no sentido em que não existam “capitais verdes”. Existem e muitos. Uma vez que há um mercado para as produções renováveis, há capitais que se precipitam para esse nicho. Mas, enquanto sistema global, o capitalismo é incapaz de identificar os limites antes de os ter ultrapassado. Se pegarmos na fórmula famosa de Marx, “o único limite do capital é o próprio capital”, vemos que ela parece um pouco enigmática à primeira vista. Só que ela afinal quer simplesmente dizer que enquanto houver força de trabalho a explorar e recursos naturais a pilhar para colocar esta força de trabalho a produzir mais-valia, o capitalismo continua.

Trump, Bolsonaro e outros dirigentes de extrema-direita escolheram claramente o lado dos patrões contra os direitos ambientais. Mas também existem grupos de extrema-direita que infiltram os movimentos ecologistas. Escreveu que o capitalismo verde é impossível. E um fascismo verde, é possível?

Há correntes fascistas verdes. Isso é uma realidade. Apesar de algumas delas serem relativamente pouco conhecidas. Há fascistas que se reclamam do veganismo. Alegam, por exemplo, que o regime estritamente vegetariano é uma característica da superioridade da raça ariana.

Dito isto, não acho que um fascismo verde seja possível porque o fascismo, por definição, uma vez tomado o poder, coloca-se ao serviço do grande capital.

Lisboa acolhe este fim de semana o IV Encontro Internacional Ecossocialista, semanas depois da vitória dos ambientalistas sobre as petrolíferas que queriam furar o mar da costa portuguesa. Qual a mensagem que gostaria de dar aos participantes deste encontro?

A mensagem é simples: não há estritamente nada a esperar dos governos que nos trouxeram a esta situação catastrófica. Não há evidentemente nada a esperar de Trump e Bolsonaro. Eles são os cavaleiros do apocalipse climático-fascista. Mas também não há nada a esperar dos outros porque eles também estão a soldo do capital fóssil que quer rentabilizar os seus investimentos importantes e de longo prazo. É precisa uma insurreição democrática e pacífica da sociedade civil para criar um clima político e social tal que a gestão deste sistema deixe de ser possível. E se abra outra via que não o mergulho no apocalipse.

Daniel Tanuro é engenheiro agrónomo e nasceu na Bélgica. Fundou a associação “Clima e Justiça Social”. Tem artigos escritos sobre questões ambientais em várias revistas e jornais. É também autor de vários livros, nomeadamente “O impossível capitalismo verde” que se encontra traduzido em português pelas edições Combate e “Le moment Trump”, Demopolis, 2018 que ainda não tem tradução portuguesa.

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