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"As mulheres iranianas nunca deixaram de lutar pelos seus direitos"

Em entrevista ao Democracy Now!, a professora universitária e feminista Manijeh Moradian fala da luta das mulheres no Irão e da recente vaga de envenenamentos nas escolas de raparigas no país.
Manijeh Moradian. Imagem Democracy Now!

AMY GOODMAN: Este é o Democracy Now!. Eu sou Amy Goodman, com Nermeen Shaikh. No Irão, pais e professores têm vindo a realizar protestos em Teerão e outras cidades, na sequência de uma série de aparentes envenenamentos em escolas de raparigas desde novembro, intensificando-se recentemente. De acordo com o grupo Human Rights Activists no Irão, houve pelo menos 290 suspeitas de envenenamentos em escolas nos últimos meses. O grupo estima que pelo menos 7.000 estudantes tenham sido atingidas. Algumas foram para o hospital. Elas simplesmente desmaiam.

Entretanto, o chefe da magistratura iraniana disse no início desta semana que as mulheres iranianas podem ser punidas por violarem o código de vestuário islâmico. As suas declarações surgiram poucos meses após a morte de Mahsa Amini, de 22 anos, sob custódia policial, provocando protestos a nível nacional.

Vamos agora passar a Manijeh Moradian. Ela é professora assistente de estudos de mulheres, género e sexualidade no Barnard College da Universidade de Columbia. O seu novo livro intitula-se "This Flame Within: Iranian Revolutionaries in the United States". Ela faz parte da rede Feminists for Jina.

Bem-vinda ao Democracy Now!, Professora Moradian. Se puder começar por falar sobre o significado do Dia Internacional da Mulher no Irão, e o que se passa com as mulheres hoje em dia, especialmente esta vaga de horror destes, ao que parecem, envenenamentos?

MANIJEH MORADIAN: Sim, absolutamente. E muito obrigado por me receberem aqui hoje no Dia Internacional da Mulher, que é um dia muito significativo na história do Irão.

E talvez comece por aí, porque, em 1979, logo após a revolução popular que derrubou o xá, foi uma revolta de dezenas de milhares de mulheres que começou a 8 de Março de 1979, em Teerão, que representou o primeiro desafio à viragem autoritária, poder-se-ia dizer, da revolução. Foram as mulheres que se lançaram às ruas no Dia Internacional da Mulher, há 43 anos, que compreenderam bem que a aplicação do código de vestuário islâmico obrigatório, hijab obrigatório, era parte integrante da erosão de todas as promessas democráticas da revolução. E infelizmente, nessa altura, as suas exigências, os seus desejos de continuar a revolução para alcançar efetivamente a igualdade de género foram postos de lado e ignorados. E é por isso que é tão historicamente significativo e realmente sem precedentes que esta atual revolta, que, como disse, começou em setembro, teve como ponto de partida exigências de liberdade e igualdade de género e sexual.

Os envenenamentos a que se refere, estes horríveis ataques químicos a escolas de raparigas que assolaram o país, têm de ser entendidos como um castigo contra as mulheres e raparigas que têm vindo a liderar esta revolta nacional há vários meses. E, em resposta, as pessoas têm protestado. De facto, o sindicato nacional de professores apelou a greves, concentrações e manifestações a nível nacional. E, pela minha última contagem, tem havido tais manifestações em pelo menos 17 cidades. Esta é uma nação em revolta. Perante a prisão de dissidentes, perante as execuções de dissidentes e a tortura em massa de dissidentes na prisão, e agora estes últimos envenenamentos, as pessoas não estão a aceitar isto. Compreendem, após muitos anos de experiência, que o sistema, infelizmente, não pode ser reformado no Irão, e as pessoas tiraram conclusões revolucionárias.

E é muito significativo que neste momento no Curdistão iraniano, em Saqqez, a cidade natal de Mahsa Jina Amini, os professores estejam em greve neste momento, defendendo o direito das mulheres e raparigas à educação, mas também condenando a repressão estatal mais ampla e a crise económica que está realmente a empobrecer as pessoas comuns no Irão. Naturalmente, Saqqez é onde esta revolta começou em setembro, com o slogan "Mulheres, Vida, Liberdade", um slogan que tem tudo a ver com vida e alegria, fazendo eco de alguns dos temas anteriores do seu programa que estão ligados, profundamente ligados, aos movimentos feministas e ao Dia Internacional da Mulher. Assim, a República Islâmica parece não ter nada a oferecer senão prisão e tortura e morte, enquanto que esta revolta tem tudo a ver com a vida, tem tudo a ver com a celebração da ligação com outros seres humanos, a superação da alienação, a superação do medo e vergonha e humilhação que a ditadura islâmica impôs às pessoas, e na realidade a tentativa de reorientar toda a sociedade numa nova direção.

NERMEEN SHAIKH: Professora Moradian, poderia falar sobre as origens deste protesto? É membro da rede Feminists for Jina. O facto de estes protestos terem sido em grande parte, se não exclusivamente em muitas áreas, liderados por mulheres? E, claro, os homens aderiram, mas as mulheres estiveram realmente na linha da frente destes protestos.

MANIJEH MORADIAN: Absolutamente. Em muitos aspetos, temos de compreender o que está a acontecer agora, como eu disse, como uma continuação daquela revolta das mulheres que foi demasiado fugaz em março de 1979. Por outras palavras, as mulheres pagaram um preço muito elevado pelo facto de a República Islâmica ter construído a sua soberania, ter construído as suas ideias de nação e autêntica cultura xiita sobre os corpos e sobre as costas das mulheres. E assim, desde há décadas que as mulheres sofrem discriminação legal, cidadania de segunda classe, e apenas a humilhação diária de terem de se deslocar pelo espaço público sob a ameaça de assédio policial, detenção, tortura, e ainda pior. Assim, quando Mahsa Jina Amini foi morta sob custódia policial, supostamente apanhada por usar um hijab inadequado, foi, de certa forma, o que fez transbordar o copo. Para as pessoas, aquilo foi passar das marcas.

As mulheres iranianas, em muitos aspetos, nunca deixaram de lutar pelos seus direitos. Houve muitas campanhas de direitos das mulheres, muitos esforços ao longo dos últimos 43 anos para mudar as leis discriminatórias, para lutar através do parlamento, através dos tribunais, através de muitas, muitas avenidas. E assim, as pessoas chegaram a este ponto através da luta e da aprendizagem de algumas lições muito dolorosas, de que este regime não está disposto a mudar. Quando o movimento eclodiu no Curdistão iraniano, em Saqqez, foi incrivelmente significativo, porque também significou que o tipo de política feminista que tem liderado esta luta tem sido o que chamamos interseccional. E alguns iranianos usam essa palavra, mas mesmo que não o façam, a questão é que a marginalização dos povos curdos, a discriminação étnica e religiosa, e a incrível desigualdade de classe da sociedade iraniana também têm estado no centro deste movimento. Por outras palavras, as pessoas compreendem que não podemos separar a opressão das mulheres e das minorias sexuais e de género de todas as outras opressões na sociedade, incluindo a das minorias étnicas e religiosas.

Portanto, este é realmente um momento em que uma revolta nacional foi desencadeada em resposta à violência patriarcal do Estado contra as mulheres, e uma espécie de recusa de continuar a alinhar com isso. Assim, a opressão das mulheres tornou-se um catalisador de todas as outras queixas na sociedade e levou realmente milhões de pessoas a concluir que precisam de um novo governo, mas não apenas de um novo governo, querem transformar a sociedade a todos os níveis, nas relações pessoais, nas relações familiares, na vida quotidiana. E eu penso que é essa revolução, a revolução da vida quotidiana, que nenhuma forma de repressão estatal pode ser capaz de parar.


Trancrição da entrevista publicada no site do programa Democracy Now!. Traduzido para o Esquerda.net por Luís Branco.

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